O jornalista americano Glenn Greenwald – cada vez mais relevante na cobertura da crise brasileira – postou um texto na segunda-feira passada contando como o tucano Aloysio Nunes partira para Washington na tentativa de apresentar Michel Temer aos americanos como sucessor legal da presidente Dilma, e não como o beneficiário ativo de um golpe parlamentar executado por corruptos.
Tudo indica que Nunes não teve sucesso.
Os correspondentes estrangeiros no Brasil da imprensa estrangeira continuam contando que uma presidente honesta está sendo afastada do cargo sob a alegação de más condutas contábeis enquanto vários de seus acusadores estão implicados até o pescoço em acusações muito mais graves de enriquecimento e corrupção.
A imprensa estrangeira – assim como as redes sociais – tornou-se um campo da batalha das ideias que está no centro da crise brasileira.
O processo de impeachment foi autorizado pela Câmara no domingo passado, mas seus articuladores não conseguem vender ao conjunto da sociedade brasileira a figura de Michel Temer como substituto legítimo e aceitável de Dilma.
Um pedaço da população que ainda não foi quantificado, mas parece grande, entende o que está ocorrendo como golpe, e percebe Temer como usurpador. A esquerda perdeu a batalha dos votos na Câmara, mas está impondo sua narrativa ao processo.
A vitória nessa disputa ideológica é crucial. Ela decidirá se Temer tem condições de governar o País pacificamente ou se uma eventual Presidência com ele será marcada pelo uso generalizado da violência, com traços de ditadura e tirania.
A luta por corações e mentes ganhou um viés inesperado no início da semana, quando caiu na internet uma reportagem da revista Veja descrevendo o relacionamento de Temer com sua jovem esposa Marcela, apresentada no título como Bela, recatada e ‘do lar’, como se fosse uma dona de casa dos anos 1950.
A reportagem serviu de mote para um verdadeiro Outono Feminista nas redes sociais. Uma multidão incalculável de mulheres postou fotos de si mesmas em roupas provocantes e situações escrachadas, usando os dizeres “bela, recatada e do lar” ironicamente.
A imagem adocicada do vice em família – em oposição à percepção sombria que parte do País formou dele – acabou desconstruída por um milhão de posts na internet, explicitando um novo grupo de oposição à “candidatura” Temer, a das mulheres politizadas. O texto saiu pela culatra.
À medida que se aproxima a data do afastamento de Dilma para julgamento no Senado, que deve acontecer em maio, a necessidade de legitimar o vice se torna urgente.
Temer está chegando à Presidência pela via de uma eleição indireta – a votação do impeachment na Câmara – que foi conduzida com mão de ferro por Eduardo Cunha e executada lealmente por sua tropa de choque, composta por fanáticos religiosos e predadores laicos de diferentes facções, inclusive a extrema direita pró-tortura de Jair Bolsonaro.
É a esses 367 eleitores – e a seus patrocinadores eleitorais no mercado ou nas igrejas – que o aspirante a presidente deve satisfações em última instância. Desde João Batista Figueiredo, último presidente da ditadura, ninguém subiu a rampa amparado numa base tão estreita e conservadora.
Virou fumaça a ilusão vendida na propaganda do impeachment de um governo de união nacional, capaz de reunir num ministério de notáveis as nobres esperanças da Nação.
Mesmo líderes tucanos que estão à frente da campanha contra Dilma – como o senador José Serra – hesitam em ocupar cargos num governo com a marca da ilegitimidade, que pode ser ao mesmo tempo breve e desastroso.
O ministério Temer tende a refletir a composição reacionária e mesmo venal das forças políticas que o cercam de maneira mais próxima. Somente elas têm poder para conduzi-lo em segurança ao cargo mais importante do País – sem eleição, sem méritos e sem motivo, nunca é demais lembrar – sob a articulação indispensável do réu Eduardo Cunha.
Não ajuda na batalha pela imagem de Temer que a barganha faustiana que ele fez com Cunha já esteja sendo exposta de forma tão escancarada.
Na terça-feira, apenas dois dias depois da votação do impeachment, começou a ser desarmado o processo que estava em curso de cassação do presidente da Câmara. Era esperado. Ninguém elege um presidente da República em colégio eleitoral como ele fez – tornando-se o homem mais influente do País – e depois se apresenta na delegacia para dar conta de seus crimes.
A punição a todos os corruptos é outra promessa que a campanha do impeachment deixará de cumprir. Cunha não apenas está solto e continua no cargo como sentará na cadeira de presidente se Temer se ausentar do País. Parte da multidão que bateu panelas e marchou de amarelo deve estar se sentindo lograda, com toda razão.
Temer e a oposição venderam a alma ao diabo para afastar Dilma e agora terão de dividir o poder com o Mefistófeles de Madureira.
Eles não têm outra opção, mas o restante do País – que se sublevou em 2013 contra esse tipo de política – pode recusar o cambalacho. Esse é o embate pelas consciências que se trava neste exato momento. Somos belos, recatados e do lar ou voltaremos às ruas?
*Ivan Martins é jornalista, escritor e colunista do site da revista Época
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