A revogação da prisão do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega não alivia o caráter totalitário da maneira como foi executada. Além da delicada situação de saúde a que a esposa de Mantega, Eliane Berger, está submetida, o próprio cancelamento da detenção revela a fragilidade do pedido de prisão temporária. “A revogação mostra que o pedido de prisão não tem fundamento”, afirma Felipe Freitas, especialista em Direito Penal pela Universidade de Brasília (UnB). “O objetivo da ação foi humilhar e ameaçar o ex-ministro.”
Moro não parece ter sido movido por questões humanitárias ao revogar a prisão de Mantega, – embora o motivo alegado tenha sido o estado de saúde de Eliane. De acordo com o despacho, o fato de o ex-ministro estar acompanhando a esposa em uma cirurgia oncológica seria “desconhecido da autoridade policial, MPF e deste Juízo”. A opção pela “prisão temporária” revela que não havia fundamento para a a “prisão preventiva” e demonstra que há outras arbitrariedades na execução do mandado desta quinta (22).
Apesar de o documento considerar a prisão temporária como “medida menos drástica”, juristas, inclusive os mais conservadores, alegam o contrário. “Constitui medida judicial odiosa, provisória e de cunho administrativo, pois, apesar de ser decretada judicialmente, possui caráter notadamente inerente a um poder de polícia administrativa balizado pelo juiz”, escreveu a procuradora federal Kalinca de Carli no artigo “Da legitimidade da prisão temporária como medida de restrição da liberdade”. Para ela, a prisão temporária assemelha-se à “prisão para averiguações”, típica da ditadura militar.
Freitas concorda. “A prisão temporária só pode acontecer em casos muito excepcionais, são formas de prisão cautelar e cuja constitucionalidade é questionada”, explica. “Ao contrario da prisão preventiva, pode ser decretada quando ainda não há provas da prática do crime mas entende-se que é indispensável para a investigação, o que não se aplica ao caso.”
Pela lei 7.960/89, a prisão temporária é cabível quando for imprescindível para as investigações do inquérito policial, quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade, quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos crimes de homicídio, sequestro, roubo, estupro, tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro, entre outros. O Supremo Tribunal Federal aceitou a constitucionalidade da lei mas fez ressalvas de que deve ser usada em situações extremas.
A prisão preventiva – pedida duas vezes no caso de Mantega e negada por falta de sustentação – está no terceiro capítulo do Código de Processo Penal. Sem prazo pré-definido, pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou da ação penal, quando houver indícios que liguem o suspeito ao delito. É pedida para proteger o inquérito ou processo, a ordem pública ou econômica ou a aplicação da lei.
“O Estado Democrático de Direito fica em suspenso quando a liberdade das pessoas é subtraída por meio de um instituto típico de regimes autoritários”, conclui Freitas.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Guilherme de Almeida, também questiona o pedido de prisão temporária contra Mantega. “A prisão serve para garantir o andamento da investigação. Neste caso, foi usada para criar um fato midiático”, aponta Almeida.
Ele levanta também uma situação ainda mais crítica: a Justiça requer retidão, discrição, prudência e cuidado. “A espetacularização do processo penal coloca em risco a democracia”, alerta. “Os réus não podem se transformar em bodes expiatórios de uma ira nacional, sejam eles quem forem, de Jair Bolsonaro a Fernando Haddad. Para ele, a investigação policial precisa ser efetiva e eficaz e não espetacular, característica que se elevou na Lava Jato desde a coletiva sobre o envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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