O Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda no mundo. Alcança, atualmente, 13,9 milhões de famílias, o equivalente a cerca de 50 milhões de pessoas. Dessas, 17 milhões são crianças e adolescentes que entraram no Cadastro Único e tiveram assegurados os direitos à educação e à saúde e acesso a programas sociais. Na tarde desta quarta-feira (29), o presidente interino, Michel Temer, e o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, anunciaram um reajuste no valor do benefício, que passará, em julho, de 162,07 a R$182,31. Seria uma boa notícia para quem está preocupado com retrocessos nas políticas sociais.
Mas o anúncio revela também outras intenções e chama a atenção por duas questões principais. Primeiro, o programa de governo “Travessia Social”, da equipe de Temer, propõe cortes severos no Bolsa Família afim de contemplar um ajuste fiscal que dê equilíbrio à economia, premissa cara ao governo atual. A proposta, de acordo com o documento, seria reduzir o benefício aos 5% de brasileiros mais pobres. Seriam 36 milhões de pessoas a menos participando do Bolsa Família.
“A totalidade da população brasileira, excetuados apenas os 5% mais pobres, está já conectada à locomotiva econômica nacional e deriva sua renda de ocupações produtivas, exercidas no mercado. (…) O desafio seguinte, em ordem de prioridade, é alcançar os 70 milhões de pessoas que compõem o segmento situado acima do limite de 5% até o de 40% mais pobres. Este segmento foi o que teve mais êxito em se beneficiar do progresso recente, tirando proveito da expansão do emprego, da formalização e da elevação da renda do trabalho, em especial dos aumentos reais do salário mínimo. Ao contrário dos mais vulneráveis, esta parte da população está perfeitamente conectada à economia nacional. Retomada a trajetória de crescimento, esta população seguirá junto.” Trecho do plano de governo de Michel Temer para a área social
Ao assumir o Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, no entanto, o ministro Osmar Terra recuou e afirmou, em um primeiro momento, começar com um pente-fino no Cadastro Único, que retiraria cerca de 10% dos beneficiários, o que representa 1,38 milhão de pessoas fora do cadastro e significa um impacto na vida de 4,6 milhões de brasileiros.
A assessoria de imprensa do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário confirmou que há um grupo específico que está estudando como implementar esse pente-fino. Mesmo assim, durante o anúncio, Terra fez questão de dizer que o reajuste seria uma prova de que as políticas sociais são prioridades do governo Temer. “No ministério, temos condições de dar esse reajuste e garanti-lo até o final do ano. Estamos trabalhando dentro de nossas possibilidades”, assegurou.
O outro ponto importante a ser destacado é que a presidenta Dilma Rousseff havia, em 1o de maio deste ano, anunciado um reajuste para o Bolsa Família, que poderia chegar a R$176 por família. Naquele momento, aliados de Temer criticaram a atitude de Dilma. “Lamentavelmente, o governo perdeu o parâmetro de qualquer conta e está executando despesas numa tentativa de desequilibrar ainda mais o orçamento público”, disse, no dia seguinte, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ex-ministro do Planejamento do governo interino de Michel Temer.
Em entrevista à Brasileiros em 19 de maio deste ano, Dilma afirmou que “o reajuste estava previsto desde agosto do ano passado” e seus detalhes constavam no orçamento enviado ao Congresso, que aprovou a proposta. “Não há nada que impeça (o aumento)”, esclareceu. Mas o repasse do programa em junho, portanto depois do início do processo de impeachment, não aconteceu, o que gerou críticas da petista. “O que a gente vê é o governo provisório cometendo ações nocivas ao povo, como o não pagamento do reajuste do Bolsa Família”, declarou Dilma. O aumento feito por Dilma – e ignorado por Temer – consta no orçamento da União, que alocou R$28,8 bilhões ao programa.
“Que bom que esse reajuste saiu porque a população, de fato, precisa”, disse à Brasileiros nesta quinta (30) a ex-ministra do Desenvolvimento Social Tereza Campello. Para ela, o reajuste é resultado da pressão sofrida por parte dos beneficiários do programa quando o aumento não foi pago em junho. “A população tem que ficar muito atenta, vigilante. Porque ao mesmo tempo em que o governo interino concede o aumento, o discurso de que o Bolsa Família está inchado continua, assim como aquele discurso que tenta criminalizar o pobre dizendo que tem fraude, aumentando o preconceito e o ódio contra a população pobre”, completa Campello.
Apesar de insistir em demonstrar que o governo interino quer preservar as políticas sociais, Temer dá sinais de que seu olhar sobre o Bolsa Família se dá na dimensão apenas econômica do programa. “O Bolsa Família não é algo para perdurar toda a vida. O nosso objetivo é em um dado momento ser desnecessário o Bolsa Família”, disse, em discurso no momento do anúncio. Mas o programa é muito mais do que transferência de renda. Trata de incluir os brasileiros dos lugares mais distantes e desiguais do País na rede de proteção do Estado, garantindo que tenham acesso a direitos básicos como saúde e educação, e que ninguém passe fome ou viva em estado de miséria. A pobreza extrema se concentra principalmente na faixa etária de 0 a 5 anos. Em 2004, quase 14% dos extremamente pobres do País eram esses brasileirinhos. Com o Bolsa Família, esse número – ainda alto – caiu para 5% em 2014. Crianças e adolescentes são protegidos pelo princípio constitucional da “prioridade absoluta”.
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Constituição Brasileira
Difícil limitar tempo para conquistar o básico da dignidade de ter nascido no Brasil.
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