O Partido dos Trabalhadores (PT) sairá ainda mais desgastado perante a opinião pública do episódio da prisão do tesoureiro do partido, José Vaccari Neto, na manhã desta quarta-feira (15), mas é preciso alertar que a ação que o levou para a cadeia pode ser um grave atentado aos direitos e garantias estabelecidos na constituição brasileira. As conclusões são de dois juristas – Luiz Flávio Gomes e Pedro Serrano – e de um cientista político – Aldo Fornazieri – ouvidos pela reportagem de Brasileiros logo após o anúncio da prisão de Vaccari pela Polícia Federal.
Para Gomes, Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil, que trabalha com pesquisas científicas e temas acadêmicos, prender Vaccari representa uma reafirmação do que a Operação Lava Jato está fazendo desde o ano passado nas investigações no esquema da Petrobras. Ele ainda acredita que a ação aumenta a crebilidade da justiça brasileira, que sempre foi vista com desconfiança pela população. “A prisão do [José] Vaccari Neto tem um significado de reafirmação, de confirmação, não de alteração no panorama. Portanto, ela não altera, mas reafirma que a percepção da corrupção contra o PT é uma percepção de que o sistema é corrupto. O Vaccari foi preso por ser tesoureiro do PT, não por ter colocado um monte de dinheiro no bolso e ter ficado podre de rico. Isso ninguém está falando. Não é, portanto, uma corrupção individual”, disse ele. “Sempre dizíamos que pobre é quem vai para a cadeia, e rico nunca vai. Porém, o que está acontecendo é que a Justiça mostra a certeza do castigo, algo que não acontecia antes. Isso, logicamente, tem um efeito preventivo. Mas eu alerto para uma coisa: essa certeza do castigo precisa perdurar. O sistema precisa manter essa certeza, porque, se no final o juiz não condenar ninguém, vai desmoralizar tudo outra vez”, completou.
Seu colega Pedro Estevam Serrano, Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e professor de Direito Constitucional na mesma instituição, alerta para a falta de possibilidade de defesa por Vaccari, que foi preso alguns dias após conceder o seu primeiro depoimento à CPI da Petrobras, em Brasília. Para ele, que não teve acesso ao despacho de prisão, mas apenas ao que foi publicado pela imprensa, a decisão foi precipitada. “Se for apenas essa a fundamentação, com todo respeito que merece a decisão, me parece indevida a antecipação do cumprimento da pena sem processo e ampla defesa. Um grave atentado aos direitos e garantias da pessoa humana estabelecidos em nossa Constituição”, afirmou. “Algo muito perigoso está acontecendo no Brasil: 40% dos nossos presos são por prisão preventiva. A banalização disso é um atentado ao Estado de Direito, à presunção de inocência, aos valores fundamentais da vida democrática. Prende-se primeiro, sem direito à defesa, e depois investiga. Isso só é aceitável no caso da conduta da pessoa ameaçar a investigação”, salientou ele.
Consequências políticas
O PT terá dificuldades nas próximas eleições municipais, no ano que vem, e deve ter dificuldades para se recompor no cenário eleitoral de 2018, quando um novo presidente será escolhido. Para o cientista político e diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), Aldo Fornazieri, o partido deveria admitir seus erros perante a população. “Não tem como manter um tesoureiro preso. Acredito que o PT agora precisa afastá-lo. Seria um contrassenso completo a manutenção dele na posição de tesoureiro, de dirigente do partido. O PT está em uma defensiva e com dificuldades para sair dessa posição. A saída, acredito, seria fazer uma autocrítica pública, admitir que errou e que vai tentar se recompor com a sociedade. É a única saída. Não dá para ficar justificando o injustificável, sendo rejeitado pela população e convivendo nas cordas”, explicou. “A prisão do Vaccari terá consequências políticas. A tendência é de uma derrota significativa nas eleições do ano que vem e de dificuldades para se recompor para 2018”, completou.
No entanto, ao contrário do que a oposição alardeou durante o dia, não há relação entre a prisão de Vaccari com um processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef. “Essa é uma questão do partido, não da campanha presidencial. Aliás, o tesoureiro da campanha nem era o Vaccari, mas Edinho Silva. Não tem uma relação direta entre eventual corrupção na arrecadação do partido e a questão da presidência. Não foi Dilma quem cometeu o ato doloso. Além do mais, neste período em que os recursos teriam sido arrecadados, Dilma nem estava na presidência da República, e na constituição está escrito que, para que haja um processo de impeachment, é necessário que o presidente tenha cometido algum ato doloso no exercício do mandato. Não vejo como pode se sustentar um processo de abertura de impeachment contra a Dilma a partir do que o tesoureiro do PT fez. Obviamente, a imagem dela vai se desgastar ainda mais e, aí, voltamos ao primeiro erro do partido em não ter afastado o tesoureiro”, disse.
A opinião de Fornazieri vai de encontro ao que disse Flávio Gomes. Para ele, o fato de Dilma estar dentro de um sistema que é observado como corrupto coloca a presidenta como um alvo ainda mais em potencial. “Esse episódio pode afetar a presidenta Dilma Rousseff, da mesma forma que já está afetando o ex-presidente Lula, porque liga um sistema. Todo mundo que está dentro desse sistema tem problemas”, finalizou.
Prisão de Vaccari
A Polícia Federal prendeu na manhã desta quarta-feira (15) o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, em sua casa em São Paulo. Ele foi levado de carro para Curitiba, onde está a sede da PF e centro das investigações da Operação Lava Jato. Ele é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com base em depoimentos de delatores da Lava Jato. Eles afirmam que o tesoureiro intermediou doações de propina em contratos com fornecedores da Petrobras e que o dinheiro foi usado para financiar campanhas políticas. Além de Vaccari, foram presos a mulher e a cunhada
O juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na Justiça Federal, escreveu no despacho de prisão de João Vaccari Neto que ele determinou que parte das propinas no esquema de corrupção na Petrobras fosse paga a uma gráfica sediada em São Paulo. Moro escreveu ainda que, segundo levantamento efetuado pelo Ministério Público Federal, “há ligações entre a Editora Gráfica Atitude e o Partido dos Trabalhadores, o que pode explicar a solicitação de João Vaccari da realização de repasses para a referida empresa”. Segundo o procurador Carlos Fernandes Santos, foram encontrados depósitos não identificados de mais de R$ 300 mil ao longo de três anos em contas de parentes de Vaccari.
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