“Não vou fazer nenhum acordo de sobrevivência à Lava Jato”, afirmou Lula, na noite desta terça-feira, 26/4, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar. O ex-presidente se referiu a uma abertura de diálogo entre ele e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Acho que há um espaço para a gente conversar sobre reforma política e economia”, disse.
A aproximação entre os dois presidentes começou quando dona Marisa estava internada no hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A agonia da primeira-dama operária foi longa: chegou ao hospital consciente, em 24 de janeiro, permaneceu em coma induzido e nove dias depois os médicos iniciaram os procedimentos para verificar a morte cerebral. Seu coração ainda bateu por mais um dia, até parar na tarde de sexta-feira, 3 de fevereiro.
Entre a piora do quadro e o óbito constatado se passaram quatro dias. Nesse período, o ex-presidente Lula recebeu a visita de familiares, amigos, militantes e políticos, incluindo uma comitiva com o presidente Michel Temer, ministros e senadores da oposição ao PT.
Duas atitudes, no entanto, chamaram a atenção: a visita do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o telefonema do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Ambos estavam afastados de Lula há anos. “Fiquei muito agradecido quando FHC foi no hospital e foi visitar a dona Marisa”, declarou Lula.
Fernando Henrique foi pessoalmente ao Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, e retribuiu o abraço de Lula quando dona Ruth Cardoso, esposa do tucano, faleceu, em 2008. Estava acompanhado do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Direitos Humanos na gestão de FHC, José Gregori. Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa durante o governo Dilma também estava presente.
“Como participante direto, sei que foi um ato de amizade e de solidariedade”, afirma Gregori. “Fernando Henrique não tinha outro objetivo a não ser, em uma hora extrema, dar um abraço, uma força, de solidariedade, de amizade. No caso específico dos dois, no mesmo nível que Lula tinha dado anos atrás quando o Fernando Henrique passou por uma hora semelhante.”
Gregori pondera que, ainda que o encontro tenha tido como origem razões de humanismo, uma conversa com dois interlocutores tão representativos produz consequências em um cenário de muita radicalização no País. “As duas metades do Brasil estavam se encontrando. Isso distensionou a situação”, afirma o ex-ministro. “Tudo o que distensiona numa hora em que o Brasil está crescentemente conflagrado, ajuda os outros aspectos brasileiros, que estão também envolvidos em crises”, conclui.
O ex-presidente Lula afirmou também que não tem interesse de se aproximar a Michel Temer e que não fará qualquer “acordo de sobrevivência à Lava Jato”.
A ligação de Gilmar Mendes
O telefonema do ministro Gilmar Mendes foi marcante pelo tom emotivo e pela retomada de diálogo. Mendes e Lula, antes amigos, se distanciaram em 2008, quando o magistrado acusou o ex-presidente de tentar influenciar no julgamento do mensalão.
Na conversa no hospital, Lula recordou o relacionamento de amizade que Marisa e a mulher de Mendes, Guiomar, mantinham. Chorando, o ex-presidente prometeu que se reencontrariam, de acordo com relato publicado pela jornalista Monica Bergamo.
“Um momento desse, de comoção, em que todos nós nos sensibilizamos, talvez nos leve a uma reflexão de que a posição de adversariedade política ou de desinteligência eventual não se transforme em inimizade”, afirmou Gilmar Mendes à Brasileiros. Ele disse que o gesto dos ex-presidentes foram bastante importantes. “É preciso contribuir para desarmar os espíritos. Nós podemos divergir sem nos atacar.”
Mendes afirmou que pretende retomar o diálogo com Lula “sem dúvida nenhuma” e que o ex-presidente disse que iria procurá-lo para uma conversa.
POR UM NOVO ACORDO
A busca por entendimento entre diferentes partidos, sindicatos e empresários para conter crises tem sido frequente nos diversos governos do Brasil. Inspirados pelo Pacto de Moncloa, que aconteceu em 1977, na Espanha, para marcar a transição entre o regime fascista e a democracia, presidentes brasileiros sugerem pactos sociais e econômicos em nome da estabilidade política.
Tancredo Neves (PMDB) considerou o acordo espanhol um modelo e em janeiro de 1985 criou um pacto de governabilidade, implantado depois de sua morte por José Sarney (PMDB). Em 1989, Fernando Collor (naquele momento filiado ao PRN) esteve no Palácio de la Moncloa, sede do governo espanhol, para conhecer os técnicos que criaram a versão original, para tentar aplicar algo semelhante no Brasil.
Inspirado pelo mesmo acordo, em 1999, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) propos um pacto para lidar com o déficit da Previdência, que chegava a R$ 45 bilhões naquele ano. Luiz Inácio Lula da Silva (PT), adotou um pacto social e em 2002 criou o Conselho Econômico e Social, composto por pessoas de diferentes setores da sociedade, desde lideranças de movimentos sociais até grandes empresários.
A ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2013, também propos um pacto nacional e a realização de um plebiscito para convocar uma nova Constituinte, que daria andamento a uma reforma política. Ela sugeriu acordos sobre responsabilidade social, reforma política, saúde, educação e transporte público, reunindo 27 governadores e 26 prefeitos das capitais. Era uma tentativa de responder à sociedade depois das manifestações de junho daquele ano.
O desfecho da falta de acordos foi o impeachment, que interessava a alguns partidos – e agravou a crise política. Agora, o PSDB de FHC e o ministro Gilmar Mendes, alinhado ao tucanato, dão sinais de que pretendem retomar o diálogo com Lula. O ex-presidente, acossado pela Justiça mas líder nas pesquisas de intenção de voto para 2018, parece ser ainda figura imprescindível, se o objetivo do atual presidente for levar à mesa lideranças capazes de conter a grave crise política brasileira.
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