Fim do Programa De Braços Abertos seria grande equívoco

Foto: divulgação/Prefeitura de São Paulo
Foto: divulgação/Prefeitura de São Paulo

Dentre os cinco candidatos mais cotados a dirigir a Prefeitura de São Paulo somente o prefeito Fernando Haddad e a deputada Luiza Erundina concordam em continuar com o Programa De Braços Abertos. João Doria, Marta Suplicy e Celso Russomanno afirmam que irão interromper o Programa DBA.

Aparentemente esses enunciados têm motivações midiáticas, coladas na onda antipetista, na simplificação de consumo rápido que consiste na promessa de solucionar eliminando ou internando.

A proposta é intrigante, pois o Datafolha, em 18 de julho passado, constatou que 69% dos paulistanos apoiam o Programa DBA.

Parece uma questão puramente ideológica, algo assim como os candidatos de esquerda quererem cuidar em liberdade e os de direita prendendo.

Parece mais fácil, pelo fato de a Cracolândia não ter acabado, atribuir a culpa à existência de um programa integrado que cuida dessas pessoas. Como diz um candidato, é um Programa “de braços abertos para o crime”.

Mas as tentativas higienistas já foram testadas e fracassaram. Aqui e no mundo inteiro. Na Cracolândia paulistana, que é a maior cena de uso do Brasil, já houve várias intervenções policiais, com centenas de presos e de internados em comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos (mais de 50% dos beneficiários do DBA já foram internados e mais de 60% já foram presos).

As drogas, mesmo essa cocaína para pobre, se regem pela lei do mercado, no caso, o mercado negro, e é de má-fé atribuir culpa a quem precisamente está cuidando. Lembramos também que a função de repressão ao tráfico é atribuição do Estado e não da Prefeitura.

Mas o debate, aparentemente ideológico, deixa de considerar a eficácia do Programa.

Acaba de ser publicada uma avaliação coordenada pelo professor de Psiquiatria Luis Fernando Tófoli, pela antropóloga Taniele Rui e o pesquisador Maurício Fiore, com colaboração do Cebrap e outros centros de apoio científico e financiada pela Open Society (conceituada fundação internacional ligada ao investidor George Soros).

Essa avaliação mostrou que mais de 70% dos beneficiários diminuíram significativamente o uso de crack e outras drogas, que os cuidados com a saúde melhoraram muito e que a adesão ao trabalho é de aproximadamente 75%.

Essa diminuição do consumo parece importante para o público em geral, mas, quando indagados os beneficiários, somente 6% consideraram importante a diminuição do consumo e 95% disseram ter se beneficiado de alguma maneira do Programa. Isto mostra o êxito conceitual do Programa, isto é, que através da mudança de vida é que se produzem as transformações concretas e não pela imposição da abstinência ou a penalização do consumo e da situação de vida dessas pessoas.

O Programa De Braços Abertos foi iniciado com três dispositivos: dormida, comida e trabalho, que no começo era só varrição. Mas ele foi se tornando mais complexo e rico: agora, os hotéis que atendem os usuários estão localizados em ruas mais distantes do chamado fluxo, monitorados por técnicos do Programa. Os trabalhos foram se ampliando, com oficinas de bicicletas, distribuição preventiva de preservativos em casas de sexo, produção artística, etc. As crianças estão em creches ou escolas.

O DBA está cada vez mais integrado com a rede de saúde, de saúde mental, da assistência e do trabalho da Prefeitura e acaba de ser inaugurada a Inspetoria de Redução de Danos da Guarda Civil Metropolitana, primeira do tipo no mundo.

Depois de uma primeira capacitação de guardas civis metropolitanos para operar em conjunto com as equipes de saúde, assistência, direitos humanos e trabalho, a experiência busca diminuir o autoritarismo, aumentar a autoridade, intermediando conflitos e superar a dicotomia segurança/saúde.

Antigamente os médicos, enfermeiros e agentes de saúde prescreviam o tratamento e cuidavam para que os usuários aderissem a ele. Porém, os guarda civis lhes subtraíam os medicamentos, pois eram orientados a expulsá-los das ruas.

Muitos usuários já se internaram, mas a maioria voltou à zona de uso. O circuito zona de uso, prisão, internação faz parte dos territórios drogados, é preciso produzir outros modos de vida e isto é o que o Programa De Braços Abertos procura e está alcançando.

Hoje ele atende cerca de 500 usuários, fora a aproximação constante aos que estão no fluxo que também diminuiu entre 50% e 70%. A violência diminuiu na região.

O Programa de Braços Abertos é a única experiência inteligente que se criou para enfrentar um problema tão complexo.

As simplificações e os apelos eliminatórios podem ter êxito eleitoral, mas a interrupção da experiência seria um verdadeiro crime.

Leia também: Contra a dignidade humana


Comentários

Uma resposta para “Fim do Programa De Braços Abertos seria grande equívoco”

  1. Avatar de João Claudio Moro
    João Claudio Moro

    Eu vejo que todos tratamentos envolvendo pessoas com uso problemático e ou dependência de drogas se baseia na mudança da qualidade de vida do sujeito.

    Em comunidades terapêuticas busca-se a espiritualidade, trabalho laboral, etc. E quando o sujeito vai para um lugar desses pela sua vontade, ele obtém resultados positivos. Mesmo que seja somente enquanto nesse ambiente controlado.

    Mas temos pessoas que não querem se internar (por qualquer motivo que seja). E sabemos que essas pessoas serem internadas contra vontade, sem que haja um motivo (estarem botando a sua vida ou de outros me risco) é jogar tempo e dinheiro fora.

    O De Braços Abertos busca mudar a vida dessas pessoas (que não são indicadas à internação), mudando sua vida, inicialmente através de condições mínimas de dignidade (casa e comida). Acrescenta-se cuidados de saúde, oportunidade de trabalho: Você começa a ter uma mudança na vida deles e é esperado que naturalmente parte dessas pessoas passem a consumir menos sua droga. Elas começam a mudar suas vidas, lentamente.

    Eu considero ilusão esperar uma solução mágica e repentina. Usar repressão policial e internação involuntária já foi tentada nesse local. E teve um tremendo insucesso.

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