O foco da crise política se deslocou do PT para o PMDB. Desde o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, a mobilização contra o PT refluiu, e os peemedebistas se tornaram o centro das atenções, inclusive no Supremo Tribunal Federal: os ministros agora avaliam o pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para decretar as prisões do presidente do Senado, Renan Calheiros, do presidente do PMDB, Romero Jucá, e do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha.
A cúpula do partido é acusada pela Procuradoria-Geral da República de atuar de forma coordenada para colocar obstáculos nas investigações da Lava Jato. Para reagir à ofensiva da Procuradoria, os senadores peemedebistas já articulam um grande acordo para impedir a prisão de Renan e de Jucá. Como outros 28 senadores citados na Lava Jato também correm o mesmo risco, o “acordão” costurado pelo PMDB vem ganhando cada vez mais aliados.
Essa capacidade de reação do partido não é casual. Segundo o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, da FGV (Fundação Getulio Vargas), o PMDB dispõe de vários trunfos: é o partido mais capilarizado do País e possui lideranças experientes e muito habilidosas, tanto assim que controla o Congresso há anos. Tem, inclusive, uma flexibilidade política que lhe permite fechar acordos à direita e à esquerda: “O PMDB é um partido macunaímico, é um partido sem caráter”.
Essa habilidade, porém, tem limites. Segundo Couto, o PMDB há muito tempo opera na política do lado da demanda, pleiteando cargos e verbas do Executivo, e não do lado da oferta: “E ficar do lado da oferta é mais complicado. O atual Congresso tem um número maior de partidos, o que torna mais difícil compor uma coalizão. Você precisa montar um governo com muitos partidos, e com parlamentares individualmente piores do que você encontrava anteriormente”.
Tudo isso traz enormes dificuldades para a administração. Apesar disso, o governo Temer vem tendo relativo sucesso nas votações: aprovou sem dificuldades a elevação da meta do déficit fiscal e a DRU (Desvinculação das Receitas da União). As manifestações contra o governo prosseguem, mas a adesão aos atos tem sido menor do que o PT esperava. O problema, diz Couto, é que houve “uma mudança de guarda no governo. Quando isso acontece as pessoas ficam em compasso de espera para ver o que vai acontecer. Existe uma desconfiança em relação ao governo Temer, mas essa desconfiança é diferente da rejeição que havia contra Dilma”. É um sentimento desmobilizador.
E, embora Temer também seja rejeitado por setores de direita, estes não pretendem voltar às ruas para protestar: “Os que estavam mobilizados para protestar contra a corrupção eram, sobretudo, opositores do PT. Eles não se incomodavam com a corrupção em si, mas usaram esse recurso para tirar o PT do governo. Gente que nunca se importou com a corrupção do Maluf ficava indignada com a corrupção do PT. Por isso eles não veem motivo para protestar contra Temer. A corrupção serviu apenas de catalisador da oposição ao PT”.
O refluxo das manifestações produz a impressão de que as tensões diminuíram. Mas essa calma é aparente, porque os fundamentos da crise persistem. Como explica o cientista político Carlos Ranulfo Felix de Melo, professor titular da UFMG, a crise atual não tem solução à vista: “Nós estamos com a presidente da República afastada, com o presidente da Câmara afastado, e com o presidente do Senado ameaçado de prisão”. Não é pouca coisa.
Segundo Ranulfo, “todo mundo sabia que o sistema político tinha seu calcanhar de Aquiles no financiamento das campanhas. Chegamos à crise atual porque não enfrentarmos essa questão”. Na última eleição “uma única empresa doou R$ 70 milhões para campanhas. Como é possível isso? Que empresa joga fora R$ 70 milhões? Ninguém doa coisa nenhuma, todo mundo investe”.
Para o professor da UFMG, houve uma evolução positiva das instituições de controle do poder: “As estruturas de controle, como Judiciário e o Ministério Público, avançaram muito”, ainda que estejam cometendo deslizes, como no caso dos vazamentos. Mas “as instituições representativas estão totalmente combalidas: a crise ameaça ceifar boa parte da liderança política. E, ceifando uma liderança mais experiente surge uma liderança menos experiente, mas não melhor. É como trocar o Jorge Picciani pelo Leonardo Picciani”. Em certo sentido, “o baixo clero chegou ao poder”.
Perto da presente conjuntura, a crise do impeachment de Collor foi “fichinha”: “Naquela época era só o Collor. Agora é todo mundo. A crise pegou todo o sistema. As crises anteriores pegavam figuras políticas, como Getúlio Vargas. Agora a crise pegou tudo”. A fragmentação do sistema partidário atingiu um ponto extremo: “Hoje você governa com dez partidos e ainda precisa ir ao mercado persa. Hoje não há grandes partidos para fazer um grande acordo, não há partidos capazes de patrocinar um grande acordo para estabilizar o sistema político. Tem uma crise no lado vital do sistema. Estamos numa turbulência de médio prazo, não existe solução à vista”.
O grande problema é que a Justiça não consegue substituir as instituições representativas. Ela pode promover uma limpeza no sistema, mas não pode preencher o vazio político que ela criou.
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