Grandes professores, ao longo da minha vida escolar, foram os responsáveis por transformar meu desinteresse pela disciplina de História, em uma história, de amor às datas, aos acontecimentos. Penso que vem desta época minha paixão pelo jornalismo. Aos oito anos, descobrindo também meu fascínio pela arte da comunicação criei meu próprio teleprompter e fundei a minha TV imaginária – a Rede Todo Dia. As notícias mais importantes do Brasil e do mundo iam ao ar com meu jeito de criança. Desde então, história e jornalismo passaram a ser meu foco.
Deixei Guaranésia, minha cidade natal no interior de Minas, e fui cursar jornalismo em São Paulo. As primeiras aulas deixaram-me convicto de que estava no caminho certo.
Os acontecimentos políticos, nos últimos meses, me impulsionaram a tomar uma decisão: ir a Brasília para participar deste momento histórico – o impeachment. Já não satisfazia assistir os fatos apenas pela mídia, queria vivenciá-los.
Não pensei duas vezes, mas precisava encontrar uma forma de viabilizar minhas despesas. Lembrei-me que logo seria contemplado com meu primeiro cachê vindo de uma reportagem que faria em um programa da TV Gazeta. Assim, a viagem ficou mais possível.
Tentei um credenciamento junto à Assessoria de Imprensa do Senado. O fato de ser um estudante de jornalismo tornava a chance mínima. Somente jornalistas ligados a órgãos de imprensa teriam acesso. Encaminhei meus documentos, alegando ter vínculo com a Faculdade Cásper Líbero. Mesmo sem resposta, parti no dia 10 de maio rumo à Brasília, pela primeira vez, acreditando que presenciaria os acontecimentos do lado de fora do Congresso Nacional, como fariam as outras pessoas.
Recebi todo o apoio da minha família e meu pai decidiu me acompanhar. Mas o sonho remoto era estar dentro do Plenário do Senado quando acontecesse a votação histórica.
Às 19h, eu já me encontrava nas imediações do Congresso Nacional. No Plenário acontecia outra votação histórica – a cassação do mandato de senador Delcídio do Amaral. Sem autorização, ficamos na chapelaria (o principal acesso ao Congresso) na esperança de conseguir conversar com alguém que permitisse nossa entrada. Sem sucesso. Pude ver o entra e sai de políticos e jornalistas em momentos tão atípicos para o Brasil.
Resolvemos circular pelo Congresso para conhecê-lo melhor, já que o conhecíamos apenas pela televisão. Pedimos a um desconhecido que tirasse uma foto do nosso passeio e relatei-lhe meu sonho de ser jornalista, minha vinda à Brasília e que ainda tinha esperanças de conseguir entrar no Senado. Esta pessoa, que não se identificou, levou-me para dentro do Senado por alguns minutos. Pude ver o desfecho final da votação: Delcídio havia perdido o mandato.
Voltamos ao hotel e tive a resposta de que os documentos não haviam sido aprovados. Não tinha nada a reclamar, já estava vivendo intensamente cada momento. No dia seguinte, o grande dia da votação do impeachment, liguei na Assessoria do Senado questionando o motivo da não aprovação. Eu precisava estar vinculado a algum órgão de imprensa, os documentos que mandei da faculdade não eram validos. Fui informado que, para conseguir o credenciamento, o órgão de imprensa precisava apenas ser legalizado no Ministério das Comunicações. Nesse momento lembrei-me da Rádio Comunitária da minha cidade, que ajudamos a fundar. Estava legalizada no Ministério das Comunicações! Era isso! Não pensei duas vezes, consegui os documentos e encaminhei. Estava aprovado, com muita burocracia, o meu Credenciamento de Imprensa! Conseguimos também, a documentação para meu pai. Ele acabava de se tornar técnico de imprensa! Um detalhe a pontuar: teríamos acesso a todas as dependências do Senado, com exceção do Plenário, cujo acesso era restrito a jornalistas que tinham outra credencial, cujo prazo para consegui-la tinha se esgotado em março.
O jornalista Ibsen Costa Manso, na fila de credenciamento, me deu a dica de ouro. Recomendou-me que providenciasse um terno. Brasília tem suas formalidades. Resolvemos comprar. Agilizamos a compra e pouco tempo depois estávamos entrando no Senado! Um filme passou pelas nossas cabeças: quem, no dia anterior, com a roupa do corpo ficou de fora do Congresso, naquele momento, tinha livre acesso as dependências do Senado, o palco do impeachment.
Era por volta da cinco da tarde quando entramos e mal sabíamos que só sairíamos oito horas da manhã do dia seguinte. Nos alimentamos, apenas, pela emoção de presenciar os acontecimentos daquela madrugada. Precisamos conter um pouco nosso ímpeto meio paparazzi, porque queríamos tirar fotos com todos os jornalistas famosos e senadores. Na entrada do plenário é onde tudo acontece. Entrevistas coletivas, entra e sai de senadores que transitavam para seus gabinetes, jornalistas em busca de informações. Entrei em contato com a faculdade e me coloquei a disposição da Rádio Gazeta AM. Fiz entradas ao vivo atualizando os ouvintes. Estava vivenciando a história e colocando o jornalismo em prática. Os grandes nomes do jornalismo político estavam todos presentes, e eu estava lá no meio deles.
Como havia sido previamente combinado no rito daquela votação, haveria uma pausa. Meu pai, insistente, querendo que eu conseguisse entrar mesmo que por poucos minutos no Plenário, viu naquele intervalo a oportunidade. Consegui entrar porque trajava devidamente o terno e a gravata obrigatórios. Aproveitei cada minuto para fotografar e tentar abstrair o máximo daquele palco, que era o centro das atenções. O fato é que, quando me dei conta, a sessão foi retornando e o presidente do senado Renan Calheiros foi dando início à sessão.
Vi discursarem uma infinidade de senadores, ouvi os mais diferentes pontos de vista. Mas o que me deixou mais impactado, de certa forma, foi ver o ex-presidente Fernando Collor de Melo. Ele, que sofreu Impeachment outrora, agora discursava naquela sessão.
Os corredores e a sala de imprensa se tornaram a cama e o quarto de uma gama de jornalistas e cinegrafistas. Conforme as horas passavam, iam se rendendo ao cansaço daquele dia que não terminaria ali, teria muitos desdobramentos. A imprensa internacional estava em peso, ouviam-se entradas ao vivo nas mais diversas línguas, de espanhol ao japonês.
Já amanhecia o dia 12 de maio quando Renan autorizou o início da votação eletrônica depois de mais de 70 senadores discursarem por quase 24 horas, Antônio Anastasia defender seu relatório e José Eduardo Cardoso fazer a última defesa da presidente. Todos, apesar de a derrota do governo ser quase certa, aguardavam ansiosamente. O resultado foi divulgado no painel eletrônico: Dilma acabava de ser afastada por até 180 dias de suas funções. A comemoração foi contida. Muitas entrevistas coletivas repercutiam o acontecimento. Renan explicou os próximos passos. A então presidente e o futuro presidente interino seriam notificados ainda naquela manhã.
Fui para a frente do Palácio do Planalto, outro palco histórico, que ainda se encontrava vazio. Pouco tempo depois, um grande número de pessoas se aglomerou. Os manifestantes diziam estar acontecendo um golpe no Brasil. Por volta das 10h, chegou o ex-presidente Lula. Muitos choravam.
Dentro do Palácio do Planalto, Dilma assinava o termo de seu afastamento e se encaminhava para cumprimentar e discursar à multidão. Uma imagem muito simbólica foram os funcionários do Palácio que se enfileiraram nas janelas do prédio e prestavam uma espécie de homenagem. O momento máximo de euforia foi na passagem de Dilma. Filmando tudo, pude perceber um certo abatimento na figura da presidente recém afastada. Pessoas ofereciam flores e cartazes. O discurso não fugiu muito do que ela estava insistentemente declarando: dizia ser vítima de uma injustiça, de uma traição.
O desfecho final desta história aconteceu às quatro da tarde. De volta ao Palácio do Planalto, Michel Temer dava posse aos novos ministros. Acontecia um pequeno protesto contra e a favor ao novo Governo. Através do zoom da filmadora, via toda a movimentação dentro do palácio. Acompanhava pela televisão, no celular, o discurso do agora presidente interino Michel Temer. Em pouco tempo as pessoas, dentro e fora do palácio, se dispersaram.
Dediquei a sexta-feira para conhecer melhor Brasília, fui aos principais pontos turísticos da cidade e do alto da torre de TV, que tem uma bela visão da capital, pude, contemplando a vista, de alguma forma agradecer àquela cidade por ter me proporcionado tantos momentos inesquecíveis em pouco espaço de tempo. Brasília, sem dúvida, foi um marco na minha vida. Passei de aspirante à jornalista. O terno simbolizou esta passagem e tive a certeza de que estou no caminho certo – o jornalismo: rascunho dos fatos que no futuro serão parte da História.
*Afonso Henrique Marangoni tem 20 anos, é estudante de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. Nasceu e viveu em Guaranésia, Minas Gerais. Foi finalista da Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa em 2010. Em 2011 e 2013 foi medalhista na Olimpíada Nacional em História do Brasil promovida pela UNICAMP. Fez curso de audiovisual e desenvolveu um documentário contando a história de sua cidade natal. Desde a infância demonstrou um interesse especial por história e jornalismo. É membro da cadeira 24 da Academia Guaranesiana Infanto-juvenil de Letras.
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