“Influência de pesquisas é limitada”, diz dono do Gallup

Carlos Gallup, dono do extinto Instituto Gallup. Foto: Silvia Zamboni
Carlos Gallup, dono do extinto Instituto Gallup. Foto: Silvia Zamboni

Nos anos 1970, pesquisas eleitorais eram um produto incipiente. As pessoas tinham medo de falar, os jornais não tinham liberdade de publicação e os eleitores não sabiam exatamente o que elas significavam. A afirmação é de Carlos Matheus, o homem que, durante 30 anos, esteve à frente do Instituto Gallup, um dos mais respeitados e atuantes institutos de pesquisas do Brasil, que funcionou entre 1967 e 1997. “Era mais uma profissão que buscava seu espaço do que um negócio que passou a fazer parte do processo político”, diz.

Hoje as pesquisas, ele garante, não decidem votos, mas têm força para redefinir os passos dos candidatos. “As opiniões se movem nas sombras, são subterrâneas, e elas só se revelam na urna.” Mas, enquanto atuou à frente do Gallup, Matheus cravou alguns resultados, como a derrota de Fernando Henrique Cardoso para Jânio Quadros, na Prefeitura de São Paulo, em 1985. E garante que Luiz Inácio Lula da Silva teria se tornado presidente do Brasil, em 1989, se não fosse aquele último debate às vésperas do segundo turno com Fernando Collor de Mello.

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Carlos Matheus, que foi professor de Filosofia da PUC de São Paulo por mais de 40 anos, conta que deteve o direito de uso do nome Gallup no Brasil por uma concessão gratuita dada por George Gallup. “Ele criou uma associação internacional de pesquisadores independentes, que tivessem compromisso de trocar experiências para o aperfeiçoamento de técnicas de pesquisa e para o avanço das ciências políticas no mundo.” Matheus era o integrante brasileiro.
A situação começou a mudar quando George morreu, em 1984, e os filhos venderam a empresa para uma multinacional. Matheus até tentou, mas uma hora decidiu encerrar a empresa que tinha no Brasil. “Minha empresa não tinha nada de multinacional, era baseada em capital próprio que havíamos conquistado ao longo dos anos de trabalho.” Em entrevista à Brasileiros, Carlos Matheus fala sobre as eleições de agora e conta episódios curiosos do passado.

Brasileiros – Há quem desconfie da idoneidade das pesquisas eleitorais. Existe margem para manipulação?
Carlos Matheus: Convivi com políticos que tentavam torcer os dados. Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, propôs nos dar uma lista pré-definida das cidades para a realização de um levantamento, que eram currais eleitorais dele. Também tem candidato que quer se intrometer na maneira como as perguntas são colocadas. E é claro que a imprensa tem seus interesses. Anos atrás, em uma pesquisa sobre a popularidade do governo de São Paulo encomendada por um grande jornal, o editor-chefe chegou a me falar algo assim: “Se você me disser que a popularidade do governador caiu, damos manchete. Se subiu, damos uma notinha”. O governador, na época, era Paulo Maluf.

"Antônio Carlos Magalhães propôs uma lista de cidades onde a pesquisa deveria ser feita. Essas cidades eram currais eleitorais dele", conta Matheus. Foto: Antônio Cruz/ ABR
“Antônio Carlos Magalhães propôs uma lista de cidades onde a pesquisa deveria ser feita. Essas cidades eram currais eleitorais dele”, conta Matheus. Foto: Antônio Cruz/ ABR

Como o senhor analisa o uso das pesquisas hoje?
Elas são o resultado de uma conquista de credibilidade, que foi alcançado pela prática de profissionais que plantaram no mundo a necessidade de medir o comportamento e as tendências das multidões. Lá atrás, quando comecei, as pesquisas eram o terreno do desbravamento, era algo subversivo e pouco levado a sério. Não faziam parte do ideário político. Hoje, elas são uma necessidade.

E o papel dos marqueteiros nas campanhas?
Essa palavra “marqueteiro” tem certa dose de desqualificação de um trabalho necessário, que é o de inserir os resultados das pesquisas na realidade em que as pesquisas procedem. O material levantado poderia ser comparado a um exame de saúde, que precisa ser analisado por um médico. Os pesquisadores costumam ser solicitados a exercer essa função, e alguns a exercem. Jornalistas também. Uma coisa é trabalhar com a objetividade dos dados e outra, interpretá-los. E outra ainda é saber o que fazer com os dados. Para afastar o lado pejorativo da palavra “marqueteiro”, é bom lembrar que o marketing foi inventado para aproximar produtores de consumidores, governantes de cidadãos ou candidatos de eleitores.

O resultado de pesquisas influencia a escolha do eleitor?
Essa é uma velha questão. Toda informação influencia, especialmente se tiver credibilidade. Mas maior influencia é exercida por jornalistas e publicitários. As pesquisas constituem uma fonte de referência, e a influência que exercem é limitada: é só uma informação a mais entre as inúmeras que atuam sobre o eleitor, e não costumam alterar o voto de quem já se decidiu por um candidato. São poucos os eleitores que votam “no que vai ganhar” e, caso isso aconteça, tem um significado: esse eleitor confia na escolha da maioria por desconhecer as diferenças entre os candidatos. Além disso, há o caso do voto útil. Aquele que conhece a provável distribuição de votos pode fazer uso dessa informação para evitar a vitória de quem rejeita. Nesse caso, as pesquisas ajudam muito.

Os candidatos direcionam o discurso em função do resultado de pesquisas?
Sim, e isso é legítimo. Em regimes democráticos, eleição implica em os candidatos se oferecerem a realizar aquilo que os eleitores desejam ou aspiram. As pesquisas não são responsáveis pela demagogia de alguns políticos.

As pesquisas eleitorais deste ano não detectaram movimentos ocorridos na reta final do primeiro turno. No segundo, vêm apresentando resultados díspares. Os institutos também erram?
As pesquisas não pretendem indicar o que vai acontecer no futuro, embora possam ser lidas assim. Elas medem o que está acontecendo no momento em que são realizadas. O que muda é a escolha dos eleitores, que podem sofrer influência da propaganda, do noticiário, dos comentários de rua. Os levantamentos podem, no máximo, medir o grau de estabilidade ou durabilidade das opiniões a cada momento do processo político em que as pesquisas são feitas. Se não houvesse propaganda nem noticiário antes de eleição, as pesquisas produziriam resultados estáveis. As opiniões se movem nas sombras, e elas só vão se revelar na urna. Quanto a “errar”, isso pode acontecer. No entanto, os erros em pesquisas são mínimos se comparados com os acertos. Em mais de 95% das vezes, os vencedores foram antecipados por todas as pesquisas já realizadas no mundo.

Qual foi a eleição mais marcante para o Gallup?
A primeira, que foi a eleição para o Senado, em 1974. Orestes Quércia era o candidato do MDB e iria enfrentar uma celebridade política, Carvalho Pinto, da Arena, que já havia sido governador de São Paulo. Quércia começou com apenas 5% das intenções de voto, mas, logo que foi à TV e se identificou como oposição, foi lá para uns 70%. Carvalho Pinto terminou com 15%. Nós detectamos essa virada, mas nada foi publicado porque não podia. Quando faltavam uns dias para as eleições, conversei com Fernando Morais, que era repórter do Jornal da Tarde, e disse a ele que Quércia ganharia. Ele se espantou com a previsão e, no dia seguinte ao da votação, saiu uma página inteira com o título Gallup conta como o Quércia ganhou. Os resultados oficiais ainda nem haviam sido divulgados, e o governador de São Paulo na época, Paulo Egydio, ligou para o Júlio Mesquita questionando como estavam dizendo que o Carvalho Pinto havia perdido as eleições. Achavam que ele já estava eleito. Essa virada do Quércia foi um marco para que as pesquisas ganhassem mais atenção. E também a propaganda política. Foi aí que o governo se deu conta da importância da propaganda eleitoral.

E depois da redemocratização?
As pesquisas para a eleição presidencial de 1989 foram muito especiais. Tínhamos contrato com a TV Globo, o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja, e detectamos o crescimento de Fernando Collor de Mello. Nossa dúvida era quem iria para o segundo turno, já que naquele pleito concorreram 22 chapas de candidatos à Presidência. Mas, em pesquisa feita no domingo anterior à eleição do primeiro turno, percebemos o crescimento de Lula e foi ele quem disputou o segundo turno com Collor. Depois, às vésperas do segundo turno, aconteceu o último debate entre eles e, no dia seguinte, assistindo à Globo, vi a edição do debate feita pela emissora e pensei: “Pronto, o Collor vai ganhar”. Deram quatro, cinco minutos para o Collor e dois para o Lula, e editaram a fala dele, mostrando o candidato gaguejando, dizendo coisas sem sentido. E Lula iria ganhar, ia passar o Collor. Depois disso, em 1990, um repórter de uma TV inglesa independente me entrevistou para o documentário Muito Além do Cidadão Kane, de Simon Hartog. Ele queria que eu reconstituísse essa história do Lula subindo e depois descendo por causa da edição do debate. Contei a ele, e a Globo me cortou. Nunca mais fiz pesquisa para ela. Outra história interessante foi a da eleição para prefeito em São Paulo, em 1985. Fernando Henrique Cardoso estava na frente do Jânio Quadros nas pesquisas, mas começou a cair depois que Boris Casoy lhe perguntou, na TV, se ele acreditava em Deus. FHC se complicou todo. Não só não respondeu à pergunta como disse a Boris que aquilo “não estava combinado”. Eu assistia a tudo e pensei na hora: “Ih, perdeu as eleições”. E foi isso mesmo: Jânio ultrapassou FHC por uma margem muito pequena, detectada e divulgada por nós. Nas eleições seguintes, em 1989, para a Prefeitura de São Paulo, também fomos os primeiros a antever a virada de Luiza Erundina sobre Paulo Maluf.

Como era sua relação pessoal com os personagens do cenário político?
Eu fui muito amigo do Ulysses Guimarães. Ele me telefonava sempre, pedindo informações sobre as nossas pesquisas. Chegava com aquele vozeirão e perguntava: “Mas o que o amigo acha…?”. Em 1988, ele me chamou em Brasília quando terminou a Constituinte. Os jornais o mostravam sob uma chuva de papel picado, ele estava feliz, eufórico. Mas eu tive que dar a ele uma péssima notícia: o povo achava que a Constituinte não havia passado de um grande balcão de negócios por que a população se sentiu alheia a todo o processo. Isso foi constatado em pesquisa. O Congresso sempre teve uma péssima imagem.


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