Você provavelmente engrossa o coro daqueles que se espantaram, no meio da semana, com a eleição de Donald John Trump ao mais alto escalão do poder global.
Não apenas você, mas toda a mídia internacional ficou sem palavras para dizer o que significa a ascensão à presidência dos Estados Unidos de um homem cuja visão de mundo se situaria, com muita generosidade, na transição do século XIX para o século XX.
E, como se sabe, quando não se tem palavras é que advém a verborragia, ou seja, aqueles que têm pouco a dizer são os que mais vociferam quando a realidade contraria suas expectativas.
Até mesmo o venerável The New York Times, surpreendido pela vitória do ogro republicano, registrou que o resultado das urnas chocou o mercado, representando um manifesto de repúdio ao establishment.
No Brasil, a nata da mídia hegemônica também não dissimulou seu espanto e sua contrariedade com aquilo que parecia inadmissível: Hillary Clinton era o ideal de modernidade com sobriedade que as elites imaginavam.
O Globo afirma, em editorial, que “as forças do atraso”, contrárias à integração entre as sociedades e economias, ganham um reforço com Trump na Casa Branca. Ele representaria, segundo a opinião do poderoso jornal carioca, o avanço de grupos políticos nacional-populistas, xenófobos, anti-imigrantes e outras características típicas de movimentos reacionários contra a globalização.
Poderíamos citar outros textos da imprensa dominante no Brasil para registrar o que pode ser analisado como um exemplo de extrema hipocrisia ou de baixa percepção da realidade por parte da elite das empresas de comunicação.
Há aqui valiosas lições a serem absorvidas por todos, mas principalmente para os midiotas, que acreditam piamente no conteúdo do noticiário e do opiniário de maior audiência.
Mas vamos por partes: primeiro, é preciso considerar seriamente o vergonhoso fracasso dos institutos de pesquisas credenciados pela imprensa – todos eles erraram os prognósticos. Seriam as pesquisas apenas um instrumento adicional de convencimento da midia?
Em segundo lugar, como admite o New York Times, convém refletir como os principais analistas do jornal mais influente do mundo foram incapazes de captar os sinais de sublevação que acabaram dando a vitória a Trump.
Em terceiro e não menos importante, o episódio alimenta as teses segundo as quais o modelo de jornalismo que criou a mídia contemporânea está falido: nem o uso intensivo de tecnologias altamente sofisticadas de prospecção da opinião e da vontade dos indivíduos foi capaz de oferecer um mínimo de eficácia diante dos fatos objetivos.
Faliu, portanto, o prognóstico da objetividade, principal justificativa moral do jornalismo como atividade corporativa.
Mas há outro aspecto que precisa ser analisado: a mídia hegemônica do Brasil não entendeu que o processo de despolitização da sociedade produz uma bola de neve cujo crescimento só o caos pode interromper.
O que se quer aqui dizer é que não se pode, impunemente, deflagrar uma campanha de descrédito dos políticos. A consequência mais natural será que em algum momento as massas se voltarão contra a política em si, o que abre caminho para o fascismo.
Com todos os defeitos, a política democrática, que subentende a tolerância aos divergentes, é a solitária garantia de que as escolhas de uma sociedade irão fortalecer a democracia. Ainda que muitos detestem o resultado dessas escolhas.
Para ler (em inglês): O espanto do NYTimes.
Deixe um comentário