Marcelo Backes fala sobre o manifesto dos escritores contra a espionagem

Marcelo Backes, escritor. em seu apartamento no Rio de Janeiro. Foto: Bel Pedrosa.
Marcelo Backes. Foto: Bel Pedrosa.
Marcelo Backes é um dos assinantes brasileiros do manifesto dos escritores contra o esquema de espionagem, assinado por mais de 500 autores de 82 países, entre eles cinco Prêmios Nobel de Literatura  – J. M. Coetzee, Günter Grass, Tomas Tranströmer, Orhan Pamuk e Elfriede Jelinek – e outros escritores importantes, do calibre de Ian McEwan, Paul Auster, Don DeLillo e David Grossman.

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O manifesto foi publicado simultaneamente ontem em vários dos principais jornais do mundo como o The Guardian, o Frankfurter Allgemeine Zeitung, o Le Monde, o El País e o La Reppublica. No depoimento abaixo, exclusivo para o portal Brasileiros, Backes conta como ficou sabendo do ideia, dá os motivos de sua adesão, defende a importância do manifesto e especula – negativamente – sobre as possibilidades de se alcançar algo concreto com ele. Segue: 

Num domingo qualquer, Juli Zeh me escreveu falando do manifesto, que já havia sido mencionado por Ilija Trojanow – junto com Juli Zeh ele é um dos líderes do movimento – quando esteve por aqui para a Bienal de Literatura. Posteriormente, discuti o assunto com Ingo Schulze, quando ele me visitou aqui no Rio de Janeiro, e também troquei algumas ideias com outros escritores. A importância do manifesto era óbvia pra mim, sobretudo porque achava que ele vinha sendo bem pouco discutido no Brasil (apesar de uma matéria de capa da Revista Brasileiros, da qual vim a saber depois), e porque de antemão considerava que não existe, atualmente, frase mais ingênua do que: “Eu não tenho nada a esconder”.

Quando eu era criança, e todos nós em alguma medida fazemos isso, um dia fechei a porta do meu quarto para que meus pais não vissem o que eu queria fazer, e assim criei meu primeiro espaço mais evidente de liberdade, um campo de privacidade, e comecei a construir minha identidade. Hoje, ao que parece, isso não é mais possível.

O manifesto vai direto ao centro da questão e talvez ajude os inocentes a perceber tudo aquilo que, em última instância, está em curso: um processo universal – que em âmbito mais restrito já teve consequências terríveis no passado – de eliminação de liberdade, de subjetividade e até de identidade, vide Hannah Arendt.

Historicamente, sempre demoramos a perceber as coisas e o manifesto talvez ajude a arrancar as traves que encobrem nossa vista. O caso Dreyfus de certa forma foi o embrião nem um pouco metafórico do holocausto – um judeu na França que depois se transformaria em todos os judeus, perseguidos pela Alemanha nazista –, e à época muitos fecharam os olhos diante do que estava acontecendo, e quando descobriram o que estava acontecendo continuaram a esconder a verdade debaixo do tapete pra salvar a honra de uma nação mentirosa.

No capítulo chamado “O grande inquisidor”, de Os irmãos Karamázov de Dostoiévski, o referido grande inquisidor diz que os homens estão mais convictos do que nunca de que são plenamente livres, e entretanto levam eles mesmos sua liberdade e a depositam obedientemente aos pés do que hoje seriam os vigias, os bisbilhoteiros universais. Não estamos nos curvando mais uma vez ao nosso desejo mesquinho de submissão, escravizados a um pãozinho de segurança e preferindo aquilo que chamamos hipocritamente de paz à toda a liberdade de escolher o que queremos fazer, protegidos por nossa perdida privacidade? E o grande inquisidor de Dostoiévski ainda alega que apenas o fato de ter conseguido fazer com que os humanos vencessem sua liberdade lhes propiciou a felicidade – é do que também tentam nos convencer os grandes inquisidores de hoje.

Embora eu seja bem cético em relação à possibilidade de resultados, os interesses inclusive econômicos na espionagem são demasiado grandes, não é porque todos se fazem de surdos que podemos deixar de gritar. É preciso tentar alcançar uma consciência universal – e ela envolve inclusive os governos – que pleiteie o desarmamento dos mecanismos de vigilância como única saída, uma consciência equivalente por exemplo àquela que promoveu a necessidade dos acordos de desarmamento nuclear. Não se trata de um meteoro gigantesco vindo do espaço ao qual não teríamos como fazer frente, mas de um aspecto que pode ser danoso do mesmo jeito, e ao qual precisamos descobrir que é preciso, simplesmente, dizer não. É preciso, pois, recuar, já que estamos apenas a alguns passos do abismo em que a catástrofe nos vigia. 


Para conhecer o autor, acesse.


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