Moro, Lula e o tribunal canguru

O juiz Sérgio Moro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Reprodução / EBC
O juiz Sérgio Moro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Reprodução / EBC

Durante a corrida do ouro na Califórnia, no final do século XIX, os americanos criaram a expressão “kangoroo court”, para se referir a julgamentos que saltavam sobre formalidades e evidências com o objetivo de chegar, rapidamente, a um veredito. Diz a Wikipédia, traduzida do inglês: “Um tribunal canguru é feito para ter a aparência de um julgamento justo e correto, mesmo que o veredito já tenha sido decidido antes do julgamento começar”.

Desde a segunda-feira, dia 19, quando o juiz Sergio Moro acatou a denúncia apresentada pelo Ministério Público contra Lula, é possível temer que seja montado em Curitiba um tribunal canguru de dar inveja aos filmes de faroeste. Do espetáculo da denúncia contra Lula, apresentada em rede de TV na sexta-feira, 16, os juristas afirmam que não saiu nenhuma evidência para amparar as teses do Ministério Público, que chama Lula de “comandante máximo”, “grande general” e “grande maestro” daquilo que descreve como a “propinocracia” do PT.

Apesar dos adjetivos bombásticos, não se ofereceram provas. Em lugar delas, o procurador apresentou hipóteses, ilações e as suas exaltadas convicções.

Deltan Dallagnol disse que Lula, como presidente da República, nomeou pessoas com o intuito de desviar dinheiro da Petrobras para o PT, contribuindo para os objetivos de (1) perpetuar o PT no poder, (2) obter governabilidade e (3) enriquecer ilicitamente.

Maquiavel, o fundador da Ciência Política, poderia lembrar que permanecer no poder e criar condições de governar é o objetivo de todo líder político, mas o autor de O Príncipe morreu em 1527 e não poderá ser chamado como testemunha de defesa de Lula.

Acusado por Dallagnol de todos os crimes, Lula foi formalmente denunciado somente pela reforma de um apartamento no Guarujá, na qual teriam sido gastos R$ 2,4 milhões.

Na versão do procurador, o custo da obra teria sido pago pela empreiteira OAS com dinheiro de propinas para o PT, desviado de obras superfaturadas. Isso tornaria Lula beneficiário direto da corrupção. Mas o procurador não apresentou evidências que demostrassem a conexão. Ficou apenas na tese.

Outra tese, igualmente plausível, é que a OAS fez a reforma do apartamento de Lula para agradar o político mais poderoso do País, sem contrapartida de qualquer espécie — mas essa hipótese não rende dez minutos no Jornal Nacional.

Supondo que Lula aceitou o mimo da empreiteira sem oferecer nada em troca – o que ele nega – isso o transformaria num político menos ético do que todos gostariam, mas não no bicho-papão descrito em Curitiba.

Num país em que as pessoas enriquecem descaradamente na política, onde ninguém pergunta como se formou o vasto patrimônio dos velhos e novos poderosos, é quase cínico acusar Lula pela reforma de um apartamento – depois que sua vida e a vida de sua família foram viradas do avesso pela polícia e pela Receita Federal, sem que se achasse nada mais substancial para incriminá-lo.

As contas suíças de Paulo Maluf, Eduardo Cunha e dos funcionários-bandidos da Petrobras indicam que grandes corruptos se apropriam de grandes quantias e deixam grandes rastros.

A dificuldade em incriminar Lula depois de tanta e tão demorada investigação sugere que ele é bem menos culpado – ou muito mais inocente – do que sugere o Power Point apresentado em Curitiba.

Feita, porém, a denúncia escandalosa, o juiz Moro rapidamente a acolheu. Não foi surpresa para ninguém. Do cárcere de Curitiba têm saído histórias de pressões para que os delatores incriminem Lula. Até agora, apesar de longas e sombrias prisões temporárias, não houve qualquer delação formalizada nesse sentido. Talvez porque não haja muito o que delatar.

Mesmo antes de ter Lula sob sua guarda, Moro já violou os direitos constitucionais do ex-presidente em duas ocasiões: ao ordenar a “condução coercitiva” do ex-presidente, que nunca se negara a depor, e ao gravar fora do prazo e divulgar ilegalmente as conversas telefônicas de Lula com a ex-presidente Dilma.

Esse comportamento mereceu uma recriminação pública do Supremo Tribunal Federal e lançou dúvidas sobre a isenção de Moro para julgar Lula, mas não foi suficiente para afastá-lo do caso – apesar dos insistentes pedidos dos advogados do ex-presidente.

Outro indício de um julgamento  injusto para Lula é a proximidade exagerada entre o Ministério Público e a Justiça de Curitiba.

O direito brasileiro prevê que o juiz deve analisar com distanciamento as denúncias oferecidas pelo Ministério Público, assegurando que a lei seja cumprida e que os direitos dos acusados sejam respeitados no processo.

Juristas e advogados dizem que ao longo da Lava Jato Moro não tem agido assim. Acusam-no de atuar simultaneamente como acusador e julgador – em parceria, não em contraponto ao Ministério Público – atentando contra o direito básico de defesa dos que caem sob sua alçada.

Se Moro julgar Lula pelo que diz Dellagnol, e não pelas evidências que apresenta, o Brasil corre o risco de ver em Curitiba uma condenação movida por convicções e ideologia, não por fatos.

Em outros tempos, a mobilização de juristas e da opinião pública seria suficiente para proteger um líder importante como Lula de qualquer espécie de tribunal canguru, mas vivemos tempos incomuns.

O impeachment da presidente Dilma enfraqueceu, dividiu e desorganizou a esquerda. A direita prospera com a crise econômica e o discurso lacerdista de combate (localizado e circunscrito) à corrupção. Na imprensa e nas redes sociais, pede-se a cabeça de Lula como de um bandido perigoso.

Moro virou o herói da classe média que deseja limpar o País do PT e do petismo. Alimentadas há uma década pela indústria goebbeliniana do ódio, essas pessoas não pedem que se faça justiça. Querem ver Lula humilhado, encarcerado e destruído.

Esse desfecho também interessa aos grupos políticos e econômicos que desde 2002 foram incapazes de vencer o PT numa eleição nacional. Lula fora do páreo é garantia de vitória em 2018.

Nos bons faroestes, cabe ao xerife enfrentar a turba de linchadores e os interesses escusos dos grandes fazendeiros para manter a ordem e fazer valer a lei. Não na trama brasileira de 2016.

De Moro exige-se que organize o linchamento moral e jurídico do político mais importante da história recente do Brasil, satisfazendo a malta e pavimentando o caminho para os interesses econômicos e políticos obstruídos pelo PT.

Será uma surpresa se Moro fizer o contrário do que se espera dele e der a Lula um julgamento que mesmo os milhões de admiradores do ex-presidente possam perceber como isento e justo, não um tribunal canguru.


Comentários

2 respostas para “Moro, Lula e o tribunal canguru”

  1. nao acredito nisso, sergio moro tem absolvido muita gente na lava jato que pensava q iria pra cadeia, acho que o autor que apenas aparecer sem analisar o processo em si, so analisando pelo quea mídia corporativista diz.

  2. Avatar de Sidney London
    Sidney London

    Não existe evidência? O pior cego é o que não quer enxergar.

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