O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) e a 2ª Promotoria de Justiça denunciaram nesta quinta-feira (11) quatro policiais militares pelo crime de corrupção ativa de testemunhas. Eles estão envolvidos no desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, em 14 de julho de 2013, após ter sido interrogado na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Favela da Rocinha, na zona sul do Rio. De acordo com o MP-RJ, o crime foi praticado duas vezes durante as investigações. A decisão é contrária ao parecer da Corregedoria da Polícia Militar (PM), que havia pedido o arquivamento do caso.
Além do major Edson Raimundo dos Santos e do tenente Luiz Felipe de Medeiros, presos por decisão cautelar da 35ª Vara da Capital, foram indiciados os soldados Newland de Oliveira Júnior e Bruno Medeiros Athanasio. Até hoje, 25 policiais foram denunciados por tortura, 17 por ocultação de cadáver, 13 por formação de quadrilha e quatro por fraude processual.
Após apresentar provas da corrupção praticada pelo policiais durante o inquérito policial militar (IPM), o MP-RJ incluiu novo laudo pericial de exame de voz, produzido pelo próprio Centro de Criminalística da Polícia Militar. O documento concluiu que o policial militar Marlon Campos Reis se fez passar pelo traficante Thiago da Silva Neris, o Catatau, em uma ligação telefônica em que o suspeito assumiria a responsabilidade pela morte de Amarildo. Marlon já é réu no processo comum, mas na Justiça Militar ainda não está denunciado.
Em outra análise, a Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia do MP-RJ, comparando a voz dos 34 PMs citados no processo, descobriu que o soldado Marlon foi o autor da ligação, acompanhado do soldado Vital. Com o telefone monitorado, eles ligaram do bairro de Higienópolis, no subúrbio do Rio. A interceptação dos celulares particulares também revelou que eles estavam na mesma Estação de Rádio Base da ligação.
De acordo com o MP-RJ, a corregedoria da PM informou que os crimes cometidos pelos policiais denunciados já são julgados na Justiça comum e, por isso, não seria necessária a denúncia. Para o promotor Paulo Roberto Mello Cunha Junior, eles foram denunciados por fraude processual, mas a corregedoria entendeu que o crime seria o mesmo denunciado hoje.
A propina tinha por objetivo a compra de um testemunho que acusasse o traficante Catatau pela morte de Amarildo e inocentasse os policiais militares. “O Ministério Público leu o IPM, fez a análise e entendeu que os crimes não são os mesmos, principalmente porque os fatos que justificam as imputações não são os mesmos. A fraude processual se refere a telefonemas fraudulentos trocados durante a investigação do desaparecimento de Amarildo e a corrupção ativa de testemunhas às testemunhas que receberam benefícios para prestarem depoimentos no âmbito da Justiça Militar. Portanto são fatos diversos”, explicou Mello.
Segundo ele, o IPM demonstrou que as tentativas existiam e que demonstram altíssima periculosidade, “pois eles se valeram da condição de policiais, do conhecimento das instituições e do funcionamento do sistema legal para manipular provas. Isto demonstra que são efetivamente perigosos e capazes de manipular qualquer investigação”.
Para o promotor, o laudo da PM se justifica, porque comprova que, nesse contexto, o major Edson articulou uma série de ações para fraudar a prova. Mello acrescentou que, “embora os telefonemas forjados não façam parte da denúncia na auditoria militar, o fato está comprovado e é importante, pois demonstra que o major Edson tinha a intenção clara e deliberada de fraudar as provas e manipular os fatos, tentando incriminar o tráfico de drogas e livrar-se de sua própria responsabilidade”.
De acordo com a denúncia, os policiais pagaram R$ 850 para uma moradora da comunidade da Rocinha, identificada como Lucia Helena, e teriam pago mais R$ 500 a uma testemunha identificada apenas como Wellington. Segundo os promotores, Lucia Helena voltou atrás e confessou ter recebido propina para mentir em depoimento. Em agosto deste ano, a filha de Lucia Helena registrou o desaparecimento da mãe na Delegacia de Homicídios. Wellington nunca mais foi visto, mas não há registros comprovando seu desaparecimento.
Newland e Bruno eram interlocutores do major Edson e vigiavam as testemunhas. Eles usaram carros particulares para mudá-las de residência. Uma das testemunhas chegou a receber fraldas descartáveis como propina. Para a promotora de justiça Isabella Pena Lucas, as interceptações telefônicas e quebras de sigilo de dados permitiram identificar contatos próximos entre policiais militares e as testemunhas.
A denúncia oferecida pelo MP é uma só, com dois crimes de corrupção ativa de testemunhas. De acordo com os promotores, o Ministério Público não é obrigado a concordar com o parecer da Corregedoria da PM. Segundo eles, a denúncia será recebida normalmente. Caso condenados pelo crime, os quatro poderão cumprir até 16 anos de prisão nesse novo processo.
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