O Ministério Público de São Paulo vai investigar se construtoras e incorporadoras participaram do esquema em que servidores da Subsecretaria da Receita da prefeitura de São Paulo são acusados de terem desviado recursos do sistema de arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS), cobrado do ramo imobiliário. O Ministério Público estima que foram deviados entre R$ 200 milhões e R$ 500 milhões.
Segundo o promotor de Justiça Roberto Victor Anelli Bodini, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime de Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos (Gedec), ainda não é possível saber se as empresas participaram das fraudes ou foram vítimas dos agentes públicos.
Bodini não revelou os nomes das empresas e nem dos funcionários, pois a investigação está sob sigilo de Justiça. Ele também não precisou a quantidade de empresas que podem estar envolvidas.
“Vítima se comporta como vítima. Para analisar e caracterizar criminalmente a situação de cada um, temos que analisar qual foi a conduta dessas empresas. Se elas não tinham outra forma de agir, se elas eram obrigadas a fazer esse pagamento na conta dos fiscais, elas são vítimas de concussão. Por outro lado, se ficar caracterizado que elas optaram por pagar menos, pagando por fora para a conta do fiscal e recolhendo um valor ínfimo para a prefeitura, a conduta delas vai ser caracterizada [como corrupção]”, disse Bodini.
Algumas empresas chegaram a ser chamadas pelos promotores de Justiça e questionadas se houve erro no recolhimento do ISS. Segundo o promotor, todas negaram a ocorrência de falhas.
Durante a Operação Necator, deflagrada na manhã de hoje (30), quatro auditores fiscais da Subsecretaria da Receita da prefeitura foram presos temporariamente. O promotor disse que ainda não há indícios de participação de secretários no esquema.
O esquema fraudava o recolhimento do ISS, calculado sobre o custo total da obra. Esse recolhimento é condição necessária para que o empreendedor obtenha o “habite-se”, para que a construção possa ser ocupada. Para construir um prédio, as incorporadoras e construtoras estabelecem um modelo de organização social conhecido como Sociedade de Propósito Específico (SPE). Cada empresa ou incorporadora pode ter vários SPEs. Quando se está em uma etapa próxima do término da obra, é necessário fazer o recolhimento do ISS e obter a certidão de quitação do imposto.
O que ocorria é que os auditores fiscais emitiam as guias de recolhimento do ISS com valores inferiores ao exigido e cobravam das construtoras ou dos incorporadores o depósito de altos valores, geralmente em espécie, em suas contas bancárias. Sem esse “pagamento”, os certificados de quitação do ISS não eram emitidos e o empreendimento não era liberado para ocupação.
“Ao final da obra, a empresa ou incorporadora submete ao Poder Público as notas fiscais, para que seja feito o cálculo de eventual resíduo do ISS. Essas notas fiscais eram recolhidas pelo departamento da prefeitura, operada por esses quatro investigados. Eles faziam o cálculo, chegavam a um número real ou irreal e, em cima desse número, exigiam que a empresa, em vez de recolher 100% da guia para a prefeitura, fizesse o pagamento de uma parte desse valor para uma empresa que foi constituída em nome de um dos fiscais e da esposa dele. E, em nome da prefeitura, era recolhida uma ínfima quantia perto do valor que era depositado na empresa”, explicou Bodini.
A suspeita do Ministério Público é que os auditores eram extremamente rígidos na cobrança das empresas. “Esses auditores fiscais podiam ou não reconhecer as notas [entregues pelas empresas] como aptas à dedução do ISS com muita liberdade. O que conseguimos detectar é que eles eram extremamente rígidos. Em muitos casos, eles diziam que as notas não eram aptas à deduzir do ISS e se chegava a um número absurdo ou até real. Eles faziam essa análise rígida para chegar a um valor inicial alto de resíduo de ISS, por exemplo, de R$ 1 milhão. Ou seja, além de tudo o que já foi recolhido durante toda a obra, a empresa ainda deveria pagar R$ 1 milhão. O modo correto seria: ficou esse resíduo de R$ 1 milhão, expede-se esta guia e se paga esta guia [no valor de R$ 1 milhão]. E então dá-se a certidão de quitação”, explicou.
“O que os fiscais faziam: em cima desse valor de R$ 1 milhão, eles davam um desconto de 50%. Ou seja, a empresa teria então que pagar R$ 500 mil. Dentro disso, a empresa recolhia um valor ínfimo como guia, cerca de R$ 16 mil [que ia para a prefeitura], e o restante, os R$ 484 mil, era depositado na conta da empresa do auditor ou de sua esposa”, acrescentou.
De acordo com a Controladoria do Município, a arrecadação do imposto nas obras controladas por esses servidores era sempre menor do que a obtida na mesma área por outros servidores. Em seis meses, foram identificados depósitos superiores a R$ 2 milhões de incorporadoras em uma das contas dos investigados.
Segundo o MP, em um dos casos, uma empresa recolheu, a título de ISS, R$ 17,9 mil. No dia seguinte, a mesma empreendedora depositou o valor de R$ 630 mil na conta da empresa de propriedade de um dos auditores fiscais. O valor da propina correspondia, em alguns casos, a 35 vezes o montante destinado aos cofres públicos.
As incorporadoras ou construtoras que transferiram dinheiro para a conta das empresas dos auditores fiscais terão que justificar o pagamento ao Ministério Público. Segundo o promotor, essas empresas serão intimadas (não de forma judicial) para prestar esclarecimentos.
O esquema ocorria desde 2007, de acordo com o Ministério Público. Dos quatro auditores presos, três ocupavam cargos de confiança e foram exonerados entre dezembro e fevereiro deste ano. Segundo o controlador-geral do Município, Mário Spinelli, os quatro servidores são efetivos.
O Ministério Público pediu o bloqueio e sequestro de bens dos auditores presos. “O sequestro e bloqueio de bens, que foi determinado hoje [pela Justiça], é o primeiro passo para que haja esse ressarcimento. Todo esse patrimônio, constituído de barcos, imóveis, flats e fazendas, tudo o que foi apreendido hoje, já está vinculado a esta nossa investigação. Se não for comprovada a origem lícita desses bens, tudo isso será revertido ao Poder Público”, disse o promotor.
As empresas que se julgarem vítimas do esquema podem procurar a prefeitura para refazer o cálculo e recolher o imposto devido, de acordo com o promotor.
Procurado pela Agência Brasil, o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi) informou, em nota, que “foi procurado pelo Ministério Público e aceitou colaborar com a promotoria nas investigações de combate à corrupção, mantendo o sigilo das informações, conforme solicitado pelo MP”.
“O Secovi-SP permanece em constante diálogo com o MP e a prefeitura de São Paulo, a fim de continuar colaborando na estruturação de mecanismos de aperfeiçoamento dos processos operacionais que possam levar a ilegalidades. No passado, o sindicato apresentou à administração pública propostas concretas”, acrescentou a nota.
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