A candidata presidencial do PSOL nas eleições do ano passado, Luciana Genro, revelou nesta quarta-feira (29) que não planejou a cena que se tornou famosa durante a campanha, quando, no debate do primeiro turno organizado pela TV Globo, ela mandou o candidato Aécio Neves (PSDB) abaixar o dedo durante um confronto direto entre os dois. O vídeo do momento em que ela responde ao tucano já foi vista por mais de 870 mil pessoas no Youtube.
“Eu tive dois momentos muito felizes durante a campanha, em que um foi planejado e outro não. O planejado foi falar mal da Globo dentro da casa deles. De fato, foi um escândalo o que eles fizeram durante a campanha eleitoral, em que o Jornal Nacional mostrava a Dilma, o Aécio e a Marina (Silva, do PSB) todos os dias e a mim e ao Zé Maria [PSTU], além dos outros candidatos, uma vez a cada 15 dias e ainda na edição de sábado. Uma coisa ‘maquiavelicamente’ pensada para dizer que a gente não valia. O outro, que vocês devem imaginar, foi quando eu mandei o Aécio baixar o dedo. Eu fiquei impressionada com a repercussão, porque na hora eu não dei conta daquele fato. As mulheres ainda levam muito dedo na cara e a gente precisa mandar baixá-los”, revelou ela durante um debate no auditório do prédio de História da Universidade de São Paulo (USP).
Além dela, estiveram na mesa os professores Ruy Braga, do Departamento de Sociologia, e Henrique Carneiro, do Departamento de História da instituição.
Luciana também criticou duramente a postura do Partido dos Trabalhadores (PT), que venceu as eleições com Dilma Rousseff, mas admitiu que é preciso encontrar um modelo que sirva de alternativa ao País em meio ao período de crise política e econômica. “O partido que era o carro-chefe da esquerda brasileira faliu, se desmoronou enquanto tinha condições de liderar um processo de transformação no Brasil. Esse processo de apodrecimento do PT não é de hoje, mas agora chega ao seu ápíce com esses recentes escândalos e com os ajustes econômicos propostos pela Dilma. O fim do PT abre um vazio na esquerda brasileira”, disse ela.
“Afirmar um novo projeto político nessa conjuntura onde não há um modelo a mostrar é muito complexo. Onde eu vou, em todos os debates, alguém me pergunta: ‘mas qual é o modelo que vocês propõem?’. A nossa resposta é: ‘nós não temos um modelo para propor’. Esses modelos acabados que fazem parte do socialismo real se demonstraram falidos por um conjunto de razões que caberia um debate inteiro para discutir. Não temos um modelo acabado, mas temos experiências que estão se desenvolvendo de forma positiva”, completou, citando os partidos Syriza, da Grécia, e o Podemos, da Espanha.
Crise no País
Para o professor de Sociologia da USP, Ruy Braga, a crise política no Brasil tende a se aproximar do momento vivido pelos países do sul da Europa, como Grécia, Espanha e Portugal, que registraram aumentos das taxas de desemprego e tiveram que adequar suas economias a um pacote de austeridade proposto pela Alemanha e pela França. Além disso, segundo ele, o período pelo qual atravessa o País será de perdas trabalhistas. “Nós estamos diante de um período longo de assalto, roubo e pilhagem dos direitos dos trabalhadores, de mercantilização do trabalho, da terra, da natureza e do dinheiro, com um reforço de financeirização. Este é o horizonte”, disse. “O capitalismo brasileiro é uma lástima: o empresariado se acomodou em ganhar dinheiro fácil, explorando ao máximo, intensificado o ritmo e emprestando dinheiro com juros para o governo. É um capitalismo sem risco, sem dinâmica tecnológica e sem investimentos. O ponto aqui não é chegar aos salários chineses, de 300 a 400 dólares por mês, que são pagos aos trabalhadores da costa da China, porque esses já são os nossos salários. Nós já recebemos de 300 a 400 dólares por mês majoritariamente. Chegamos a receber menos do que isso. O problema não é salarial, mas dos nossos direitos. Na visão dos empresários, encarece”, explicou.
Henrique Carneiro, professor de História na mesma universidade e também na mesa de debate, salientou o crescimento da violência no País, o colapso da falta d’água no Sudeste e, principalmente, a ascensão de setores de direita que, para ele, estão dominando o discurso político. “A gente precisa de uma alternativa clara de esquerda para apontar os rumos que devemos seguir, porque temos algumas direitas aí: uma no governo, que é de direita, que está aplicando um ajuste fiscal para beneficiar os bancos. A Dilma terceirizou o governo e quem está governando é o PMDB, com o Renan Calheiros e Eduardo Cunha. […] Uma nova direita que se manifestou contra a Dilma nas ruas e que tem um aspecto que precisa ser bem compreendido, porque não tem medo de dizer o seu nome. É racista, misógina, homofóbica, militarista, puritana e fundamentalista”, afirmou.
O debate, intitulado “Para onde vai o Brasil?”, foi organizado no auditório do prédio da História da USP e reuniu cerca de 250 estudantes. No evento criado no Facebook pela página de Luciana Genro, havia 2,4 mil confirmações, número 200 vezes maior que a capacidade do local. Segundo a USP, cabem 185 pessoas no auditório. Muitas delas sentaram no chão e outras ficaram nas portas para acompanhar o debate.
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