Só mesmo o show midiático das últimas semanas para mobilizar a parcela da população que começou 2015 disposta a derrubar Dilma Rousseff da presidência, mas que terminou o ano menos convicta disso. Exemplo foi a diminuição dos protestos ao longo de 2015 justamente quando o impeachment prosperou no Congresso. Qual o paradoxo?
Um dos autores do livro Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc, o pesquisador, filósofo e professor da USP Pablo Ortellado arrisca um palpite. Em entrevista à Brasileiros, ele concorda que, de fato, quem vai às ruas neste domingo (13) gosta pouco do PT, mas não é só. “Os manifestantes são antipetistas, mas também têm uma descrença profunda no sistema político brasileiro. Para eles, o PT é um caso mais extremo de corrupção que está espalhado por todo o sistema.”
Essa parcela da população também “começa a sentir que estava sendo usada por esse sistema corrupto para tirar Dilma e substituir por atores políticos talvez mais corruptos do que o PT, em particular o deputado Eduardo Cunha, sobre quem as denúncias foram se acumulando no decorrer do ano”.
O protesto de hoje “tenderia a ser pequeno dado o envolvimento de grupos políticos”, mas a ação do Ministério Público do Estado de São Paulo na semana passada – que pediu a prisão do ex-presidente Lula – e a ação de Sérgio Moro, na anterior, concentrou a indignação popular contra o PT, incensando os manifestantes. “Do ponto de vista político, a ação do MP de São Paulo terá um duplo papel. Por um lado estimula a mobilização deste domingo porque as pessoas mobilizadas têm o sentimento de que a situação de Dilma está chegando perto de sua conclusão. Por outro lado, os setores que defendem o governo vão usar o episódio para deslegitimar a Lava Jato.”
Veja os principais trechos
Brasileiros – O que esperar das manifestações deste domingo?
Pablo Ortellado – Vai mostrar o grau de mobilização da sociedade. Os dados prévios que temos mostram que a mobilização vai ser maior, bastante grande e vai reverter uma tendência do ano passado. Se a gente acompanhar a mobilização dos grupos anti-Dilma, ela foi decrescente. Ela começa grande em março e termina muito menor, ainda que permaneça grande, em dezembro. É paradoxal, porque à medida que o processo de impeachment avança e que a mobilização popular é mais importante, porque o impeachment realmente passa a ser viável do ponto de vista legislativo, a mobilização diminui. A explicação que eu tenho para esse paradoxo é que os manifestantes são antipetistas, mas também tem uma descrença profunda no sistema político brasileiro. Em todo o seu espectro. Para eles, o PT é um caso mais extremo de corrupção que está espalhado por todo o sistema. Mas o resto do sistema também está corrompido. À medida que o processo de impeachment avança, as pessoas começaram a sentir que estavam sendo usadas por esse sistema corrupto para tirar a Dilma e substituir um governo corrupto por atores políticos talvez mais corruptos do que o PT, em particular o deputado Eduardo Cunha, sobre quem as denúncias foram se acumulando no decorrer do ano. Ela tenderia a ser pequena dado o envolvimento de grupos políticos. É a primeira manifestação que foi chamada por partidos políticos. No entanto, esses últimos fatos (a condução coercitiva, prisão preventiva do Lula) devem mobilizar. Isso explica o alto numero de pessoas confirmadas.
A manifestação da esquerda também deve ser maior?
Já as mobilizações em defesa do governo federal, essas também vão ser maiores. As mobilizações de dezembro já tinham sido relativamente grande, não tão grandes quanto as pelo impeachment, mas relativamente grandes. E as do dia 18 vão ser seguramente maiores porque o partido dos trabalhadores está nas cordas. Para ele agora é uma questão de vida ou morte. Vão ser usados todos os recursos disponíveis. Vai ser muito maior porque a situação é urgente.
As manifestações ganharam força com pedido de prisão de Lula?
Do ponto de vista político, a ação do MP de São Paulo terá um duplo papel. Por um lado estimula a mobilização deste domingo porque as pessoas mobilizadas contra Dilma têm o sentimento de que a situação está chegando perto de sua conclusão final. Por outro lado, os setores que defendem o governo vão usar o episódio para deslegitimar a Lava Jato
No resto do Brasil o que acontece?
São Paulo é uma coisa muito diferente do Brasil. Essas mobilizações são decrescentes, mas mesmo assim elas permaneceram num nível muito alto. Isso não é verdade para o resto do Brasil, onde elas praticamente desaparecem no segundo semestre do ano passado. No entanto, não importa muito o que acontece no resto do Brasil, porque os meios de comunicação representam a realidade e eles praticamente só retratam Rio e São Paulo. Então se acontece em algum desses lugares é como se acontecesse no resto do Brasil.
A polarização aumenta?
Vejo com muito temor. Estamos indo rapidamente para uma situação parecida com a da Venezuela, que se acostumou a ver gente morrendo em passeata. Eu acho que a gente caminha para um cenário assim. À medida que o processo de impeachment avançar, o PT não tem outra saída a não ser se mobilizar de maneira cada vez mais forte. Do contrário ele vai desaparecer como força política, sendo empurrado para esse processo de fortalecimento e radicalização das mobilizações. O outro lado está hiper-radicalizado também. O processo de polarização que já está insuportável vai se intensificar ainda mais.
Como a população vai reagir se Dilma cair?
É muito difícil fazer qualquer tipo de previsão porque toda semana tem um fato novo. Concretamente não tem nenhuma base solida para o impeachment. As pedaladas fiscais são uma manobra contábil puramente técnica, um fato quase ridículo. As denúncias da Lava Jato sobre o apartamento e sítio do Lula, financiamento de campanha, são muito débeis ainda. Será gravíssimo se o depoimento do Delcídio for comprovado. Ele diz que a Dilma designou um ministro do STF para liberar da cadeia empresários que tinham sido presos na Lava Jato. Aí é um crime de verdade, gravíssimo, que mudaria completamente a situação da presidenta. Muitos setores que estão apoiando ela e as instituições democráticas dariam um passa atrás.
O desgaste de Lula afeta diretamente o impeachment de Dilma?
Do ponto de vista político, sim. A presidente Dilma é fraca politicamente. Ela não tem capacidade de articulação política, de fazer um discurso, tem a pior aprovação da história. Com o Lula preso ou deslegitimado, ela não teria força política de se manter no governo.
Lula deve assumir um ministério?
Tem dois efeitos. Ele ganha foro privilegiado e o STF tende a ser mais cauteloso que os procuradores de Curitiba. Por outro lado, com relação à opinião pública, vai parecer um movimento para tentar fugir da Justiça, o que pode desgastar a imagem dele. Politicamente, depende do papel que ele desempenhar. Um dos maiores problema da Dilma é que ela é muito inábil politicamente. Ela não teve capacidade de costurar uma aliança sólida para continuar governando. Lula é, de longe, o maior articulador político do País. Se ele for para o governo e a Dilma o empoderar a agir politicamente como uma espécie de superministro, acho que o governo dela pode ter uma sobrevida.
E a esquerda?
A esquerda está muito dividida, uma parcela está ascendendo, com todas as críticas à política econômica do governo Dilma, estão apoiando o governo porque sentem que é a alternativa menos pior. E que qualquer movimento de mudança vai ser uma mudança para pior, então tem um pedaço que apoia o governo ou as instituições democráticas, considerando que qualquer ação que implique impeachment ou cassação do mandato é um ataque. E uma outra parcela acha que as acusações estão se tornando cada vez mais graves e têm medo de se vincular a um governo que, além de talvez incorrer em práticas condenáveis, está implementando políticas econômicas muito regressivas.
E o PMDB, que ameaça desembarcar do governo?
O PMDB é muito plural. Os três grandes líderes, Temer, Cunha e Renan Calheiros, divergem basicamente em tudo. O partido está rachado. Uma parte está na oposição e a outra na situação. A tendência, se as coisas seguirem como estão, é o PMDB deixar o governo. A não ser que haja uma grande virada, com a entrada do Lula, o governo não terá condições de sobreviver até o final de 2018.
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