A falta de participação popular e o esgotamento do programa de alianças que o governo do PT também assumiu nos últimos anos criou na população um clima de insatisfação com a política, que agora pode acabar ocupada por correntes conservadoras que surgem em meio a essa crise de representatividade.
Essa é a análise do professor de direito da UnB (Universidade de Brasília) e especialista em política da América Latina Gladstone Leonel Jr. em entrevista à Brasileiros. Para ele, o próprio PT criou medidas impopulares que devem vir à tona agora que o partido deve fazer oposição ao governo. “Eles aprovaram a lei antiterrorismo, que agora deve enquadrar as lutas dos movimentos sociais do qual o próprio PT vai participar.”
Segundo o professor, o governo petista perdeu a oportunidade de fazer uma grande reforma política no Brasil nos anos em que esteve no poder. “Não foi feita uma reforma tributária progressiva, taxação das grandes fortunas, reforma agrária, reforma dos meios de comunicação. Uma reforma política concreta para, de fato, retirar as distorções do sistema de representação”.
Leia os principais trechos da entrevista:
Manifestações populares:
A avaliação que faço desse processo político é que se vem observando há alguns anos, principalmente nas manifestações de junho de 2013, que existe um desgaste das instituições representativas no Brasil. A gente observou isso de uma forma muito rigorosa nas manifestações, justamente em razão de uma forte representatividade política da juventude, das mulheres, que são mais de 50% da sociedade, e quando a gente olha para o Congresso, não vemos nem 10%. Os negros, que são mais de 50% da população brasileira, também têm menos de 10% de representação no Congresso, além do poder econômico ter uma ingerência muito grande no sistema político do País. Em razão desses fatores, o povo não se vê representado no sistema político vigente. Uma vez considerada essas questões, a gente observa que as instituições tendem a ter problemas para o seu funcionamento, uma vez que elas se encontram até certo ponto com uma sub-representação de determinados setores, uma ingerência muito forte de setores econômicos, que atrapalham uma democracia mais pungente. Esses são alguns elementos que contribuem para esse desgaste institucional no Brasil.
Como você analisa os anos do governo petista?
O pacto de aliança feito pelo PT com o Executivo e com outros partidos da base mexeram com as estruturas da sociedade, como os programas sociais implementados. O fato de o Brasil ter saído do mapa da fome da ONU e a criação de universidades federais são conquistas muito importantes, mas que, por outro lado, não vieram com reformas estruturais dentro da sociedade. Não foi feita uma reforma tributária progressiva, a taxação das grandes fortunas, não foi realizada reforma agrária, não foi realizada reforma dos meios de comunicação para retirar os monopólios das grandes mídias. Era necessário uma reforma política concreta, para, de fato, retirar essas distorções do sistema político de representação.
Quais são os impactos da falta de reformas?
A falta das reformas estruturais e do fortalecimento das organizações de base acaba repercutindo um pouco no cenário que a gente se encontra, um cenário em que a conciliação de classes sociais dos últimos anos do governo do PT se encerrou por hora. As classes, sobretudo o setor financeiro, e boa parte do capital produtivo, não querem mais o projeto do PT se e descolou desse projeto para fazer valer outro, neoliberal. O PT poderia ter avançado em determinadas reformas estruturais, necessárias dentro da própria sociedade civil, se organizando um pouco e dando poderes para o povo, para que o povo pudesse se organizar, e isso não foi feito. O que aconteceu diante desse cenário: criou-se um vácuo na política. Hoje a gente vive em uma sociedade com caráter um pouco mais conservador, que levanta bandeiras fascistas justamente por esse vácuo político em que surge um discurso autoritário de quem não se sente representado pela política. Acontece uma conversão de valores porque se levantam bandeiras de revolta contra a classe política, justamente porque as pessoas não se sentem representadas. Só que em vez de verem a possibilidade de democratização, de reforma do sistema político como uma saída, agem de maneira autoritária. Aí surgem pessoas com discurso fascista como Jair Bolsonaro, um discurso conservador voltado para igreja, por setores evangélicos fundamentalista, como Marcos Feliciano, que tem uma maior repercussão nos dias de hoje. Em decorrência desse vácuo político que foi ocupado por esse discurso pentecostal fundamentalista.
E qual será o futuro PT e da esquerda?
A única saída do PT e dos movimentos sociais é buscar a unidade porque se eles se fragmentarem cada vez mais vão criar dificuldades nos próximos períodos, nas batalhas que vão ter de enfrentar com um projeto impopular, antidemocrático e golpista. Diante de uma crise, é importante lembrar que surge a possibilidade de um novo projeto para a sociedade. Um diferente do que o PT apresentou até hoje, puxado pelas frentes populares, movimentos sociais e o PT. A Frente Brasil Popular tem ocupado um pouco esse cenário, estimulado essas ações pensando em projetos diferente para o próximo período. No momento de crise se gera um protagonismo da juventude, das mulheres, das forças populares para levar à frente um projeto popular diferente, que vai alem das pautas que o PT já apresentou até então.
É necessário repensar a estratégia?
O próprio governo criou políticas impopulares, aprovaram, por exemplo, a lei antiterrorismo, que agora deve enquadrar as lutas dos movimentos sociais do qual o próprio PT vai fazer parte. Inúmeros equívocos que foram cometidos não podem se repetir mais. Agora é hora de botar nas ruas os projetos populares para enfrentar o caráter golpista desse governo capitaneado por Michel Temer, que tem que ser denunciado como um golpe parlamentar que fere de forma profunda o processo democrático e o andamento normal das instituições.
Deixe um comentário