O Partido dos Trabalhadores – Uma reflexão

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder sindical nos anos 1980
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder sindical nos anos 1980


Numa palestra na USP nos anos 1990
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um conhecido intelectual que mais tarde compôs o governo Lula afirmou que o PT não era um partido socialista ou comunista, ele era simplesmente um partido ético. Ainda que o discurso socialista animasse a militância, o partido projetou na sociedade uma imagem limpa. Ela desabou na crise de 2005, cuja gravidade o PT não compreendeu. Dois ex-presidentes da legenda foram condenados e presos sem que o PT reagisse.

É que há tempos o partido tinha naufragado nas águas turvas do discurso “republicano”, derivado daquela “ideologia ética”. Explico-me ao leitor: não é que um partido não deva defender a ética, mas jamais pode acreditar que a política “normal” se confunda com ela. Já que está longe de um comportamento revolucionário, o PT poderia ter aprendido com o sociólogo alemão Max Weber, e senão com ele, ao menos com seu comentador brasileiro Fernando Henrique Cardoso: há que se diferenciar uma ética da convicção e uma outra da responsabilidade.

O político deve responder pelas possíveis consequências dos seus atos e levar em consideração as fraquezas humanas, os costumes, o senso da proporção e a construção de sua imagem. Se é verdade que a grande imprensa sempre tratou o PT com parcialidade e, portanto, é ela quem forja a imagem do partido, o problema continua existindo e não poderia ser resolvido com lamentações. A história cobra caro o leite derramado.

Um exemplo: o julgamento político

Uma vez no poder o PT montou uma base de sustentação corrupta com o argumento de que a política brasileira funcionava assim. Ela funciona, mas não para ele. Se FHC obteve a emenda de sua reeleição da forma que o leitor conhece, nem por isso Lula podia esperar a mesma compreensão dos seus adversários. Afinal, líderes do próprio PT pediram a renúncia ou o impeachment de FHC. Mas nem apresentaram o pedido e nem mobilizaram a sociedade para isso. Uma vez mais a história cobra caro aqueles que agem como revolucionários no Parlamento e como parlamentares nas ruas, como diria o velho Marx.

O PT esquecera que tinha alcançado o poder depois de uma história de luta de classes e defesa da “ética”. Não podia esperar que fosse tratado como os demais. Também não podia invocar “as bases” em sua defesa porque “corromper os corruptos” para aprovar medidas contra os trabalhadores (vide a Reforma da Previdência) não representava exatamente uma “ética revolucionária”, segundo a qual os fins absolveriam determinados meios.

Uma vez enredado na política corrompida, o partido cometeu novo erro. Conseguiu a proeza de nomear juízes que conduziram um julgamento político de seus líderes. Ora, ninguém acredita que, especialmente no Brasil, órgãos como o STF e a Polícia Federal sejam compostos por pessoas sem opinião política e sem anseios monetários.

Não entro no mérito sobre culpabilidade dos réus da ação penal 470 (chamada de “mensalão”). O fato, atestado por inúmeros juristas é que, não havendo nos autos prova cabal contra José Dirceu, ele foi condenado com base em uma teoria estapafúrdia: a do domínio do fato. Ives Gandra Martins e Celso Bandeira de Melo, dois juristas de posições políticas opostas, consideraram incorreta a condenação.

Acontece que Dirceu, Genoíno e outros dirigentes petistas já estavam condenados pela imprensa. A única resposta do PT foi a de que em seu governo as instituições funcionam com independência. Como sabe o leitor que nenhum político é ingênuo, a ideia só pode ser atribuída ao medo que os dirigentes petistas sempre tiveram do confronto político.

Polícia política

Em 2012 a Polícia Federal invadiu o escritório da presidência da República em São Paulo. Dilma Rousseff declarou que a PF agia com liberdade… Não me recordo de invasão parecida no governo FHC. Aliás, ele usou a PF para desmoralizar Roseana Sarney, quando ela despontava como adversária dos tucanos. E antes dele, Collor mandou a PF invadir a Folha de São Paulo. Assim como em 2014 a mesma Polícia Federal revistou o senador Lobão Filho (PMDB) no aeroporto de São Luiz, então candidato apoiado pelo PT ao governo do Maranhão. Ah, é claro, a polícia é do Estado, e não do governo…

Mesmo depois de flagrados em apoio ao candidato do PSDB em 2014, policiais federais continuaram atuantes e até fizeram escuta telefônica do próprio ministro da Justiça, o qual só demonstra força quando se trata de apoiar a repressão dos novíssimos movimentos sociais pós junho.

Isso significa que o PT deveria violar a “neutralidade” das instituições? Evidentemente, não. Mas os agentes que cometem investigações seletivas, vazamentos de informações e achaques públicos não podem alegar que encarnam as instituições. E o governo que os mantêm impunes não merece ser tratado “republicanamente”.

 

Junho

A vitória de Dilma em 2010 pareceu sacramentar o caminho escolhido. Jogavam-se ex-dirigentes históricos ao mar para que os demais se salvassem. Acontece que a crise mundial de 2008 desarranjou o pacto social rentista, que sustentava o modelo neopetista de governo. Mais que Lula, Dilma governou sob o efeito da crise. A insatisfação social aumentou.

As Jornadas de Junho mostraram que a militância petista que ainda tinha se mobilizado em 2005 simplesmente não podia mais sair às ruas. A pecha de corrupto colou em cada petista. Junho polarizou a sociedade civil e por isso a presidenta teve que radicalizar o discurso de campanha da reeleição. Vitoriosa, decepcionou uma militância social que se organizara fora do PT e que a apoiara. Anunciou ministros conservadores e um “reajuste fiscal” que sempre combatera.

A situação difere totalmente de 2003. Lula manteve a política econômica de FHC e nomeou o neoliberal Palocci, é verdade, embora ele fosse petista. Mas não era uma surpresa. Ele tinha lançado a Carta ao Povo Brasileiro dizendo o que faria. Ademais, Lula era “petista histórico” e o Brasil começava a sair de uma crise e tinha perspectivas de crescimento.

Dilma disse na campanha de reeleição o contrário do que fez no início de seu governo e, além disso, ela não é Lula. Sequer é uma petista de origem.

O maior problema do PT é que ele descobriu tarde demais que já não é um partido de militantes e nem pode ser um partido de governo, aceito pela Ordem vigente.

Ao contrário do que se esperava, a direção petista nada aprendeu com o chamado “mensalão”. Aparentemente sofisticou a arrecadação de recursos das empresas para as campanhas eleitorais, esperando assim ser julgada de maneira republicana. Mas o PT jamais será tratado como os outros partidos. A superação da crise de 2005 deu a ele uma segunda oportunidade. Alguém precisa informar que não haverá uma terceira.

*A História do PT (Ateliê Editorial, 4a edição) e A Batalha do Livro (mesma editora, no prelo)                                            


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