Políticos, marqueteiros e cientistas sociais têm se desdobrado para entender e analisar os hábitos e gostos da chamada “nova classe média”. Constituída pelas classes C e D, ela já representa cerca de 51% da população brasileira, ou 93 milhões de pessoas. Por isso, não é à toa, que empresas e partidos políticos queiram a resposta da pergunta que vale ouro: afinal, o que deseja a nova classe média?
Criado em 2001, o Data Popular é um instituto de pesquisas que, hoje, tem funcionado como uma espécie de consultoria estratégica para empresas que queiram entender melhor a “nova classe média”. Trabalhando com métodos importados das ciências sociais, o instituto foi criado na esteira do relatório do Goldman Sachs, que lançou a sigla BRICs, para quantificar o novo peso de Brasil, Rússia, Índia e China no mercado global.
Foi só a partir de 2008, porém, que as empresas passaram a entender a relevância dessa classe média emergente. Sua importância ficou evidente após passados os efeitos da crise econômica mundial nos países dos BRICs, onde essas classes médias passaram a responder por grande parte da expansão de seus mercados internos. Renato Meirelles, diretor do Data Popular, conversou com a Brasileiros e contou como o instituto vê a questão.
Brasileiros – Onde começa e onde acaba a chamada “nova classe média”?
Renato Meirelles – Existem duas formas de classificação, que ainda não são muito boas. Existe o “Critério Brasil”, em que você pergunta qual é a escolaridade do chefe de família, quantas geladeiras têm na casa, quantas televisões, quantos banheiros e por aí vai. E existe o critério de classificação social baseado na renda familiar e que, na verdade, coloca no mesmo balaio o cara que mora sozinho e o que tem uma família de seis pessoas. O Data Popular usa esse último, mas estamos desenvolvendo uma nova forma de classificação social que considera o conceito de renda per capita familiar. Ou seja, uma coisa é uma família de duas pessoas com renda de 3 mil e outra coisa é uma família de seis pessoas com a mesma renda.
Brasileiros – Essa é a primeira geração da nova classe média?
R.M – É a primeira geração que está revolucionando as classes C e D. São os jovens que estão mudando a forma de pensar. Eles são 27 milhões de eleitores. 68% deles estudaram mais que seus pais, enquanto na elite esse numero é de só 10%. E isso está fazendo surgir uma camada na população que, até agora, não existia.
Brasileiros – Qual é a relação que ela tem com os meios de comunicação tradicionais?
R.M – Durante muitos anos a TV aberta era a única coisa consumida. Mas a gente tem visto um crescimento muito grande da penetração da Internet nas classes C e D, especialmente entre os mais jovens. Os meios de comunicação que oferecem a chance de interlocução têm sido valorizados, em detrimento dos unilaterais.
Brasileiros – Como é a relação com a propaganda? A marca é importante?
R.M – A marca é importante sim, e até mais do que para a elite, mas o motivo da importância é outro. Enquanto a elite enxerga na marca o status e o poder da diferenciação, a classe C vê um lastro de qualidade. Ela topa pagar um pouco mais caro por uma marca que ela conhece e confia, pela certeza de que ela não vai jogar dinheiro fora.
Brasileiros – E aquela ideia de que o pobre quer, na verdade, é ser rico. Como vocês enxergam isso?
R.M – Esta é a pergunta de um milhão de dólares (risos). O mercado, em geral, confunde o querer ser rico com o querer ser como o rico. O consumidor emergente da nova classe média quer ser rico, mas ele não quer ser parecido com o rico. Ele acha que o rico é um perdulário, que não tem valores familiares nem religiosos consolidados. Ele não entende por que uma dona de casa da classe A só come um franguinho com salada no almoço, podendo ter um prato cheio. Eles querem melhorar de vida, mas as referências não estão na elite. Elas estão no cara da própria classe média que está dando certo na vida. O modelo deles é o empreendedor, o cara que abriu o próprio negócio e está vencendo na vida, é o primeiro universitário da família.
Brasileiros – Então, você acha que ela assume uma identidade própria?
R.M – Sim. E é por isso que nós temos pesquisas que mostram que a melhora da autoestima do brasileiro nos últimos anos é gritante. A classe C é mais otimista que as outras classes sociais e, por outro lado, é mais grata pela melhora de vida que teve nos últimos anos.
Brasileiros – Você tocou em uma questão interessante ao falar de valores religiosos, porque muito se fala que ela é uma classe mais conservadora. Como enxerga a questão?
R.M – Os números mostram que, no discurso, ela é mais conservadora: ela é mais contrária ao aborto e mais favorável à pena de morte. Mas, quando você vai ver na prática, ela é muito mais condescendente com essas questões. Ela aceita a diversidade muito mais do que a elite. Quando fazemos pesquisa de campo, concluímos que a intolerância não faz parte da realidade deles.
Brasileiros – Já se sabe que os jovens estão tendo muito mais acesso às universidades. E a educação fundamental? As famílias têm pagado colégios particulares?
R.M – Sim, as classes C e D já representam mais da metade dos brasileiros que estudam em colégio privado. Mas a busca pela escola privada, muitas vezes, não tem só a ver com a qualidade do ensino. Tem a ver com a busca por segurança, que não se encontra na escola pública.
Brasileiros – Como ela se posiciona, hoje em dia, nessa briga partidária?
R.M – Ela vai votar em quem ela considerar que tem melhor condições de fazer com que continue melhorando de vida, como ela melhorou nos últimos anos. Se é PSDB ou PT, isso é o menos importante. Agora, obviamente que os jovens têm uma memória muito mais viva sobre a melhora de vida do que sobre a hiperinflação. Na verdade, você tem dois grandes espólios políticos sendo disputados: o do aumento do poder de compra e o do controle da inflação. E este último só fala para os mais velhos.
Brasileiros – Ela tem uma consciência política mais forte que antigamente?
R.M – Sim. E por duas razões: a primeira é que ela está estudando mais e a segunda é que ela está consumindo mais. A criação de uma camada de consumidores no Brasil contribuiu, diretamente, para a construção da cidadania brasileira.
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