A Operação Lava Jato ainda pode ir para a história por colocar, pela primeira vez, os corruptores nas manchetes de jornal? Talvez sim, mas isso vai depender da imparcialidade da Justiça, cada dia mais questionada desde que o juiz do caso, Sergio Moro, decidiu forçar um depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vazou grampos telefônicos ilegais para evitar a posse do petista na Casa Civil.
Em entrevista para a próxima edição da Revista Brasileiros, o diretor-executivo do Instituto Data Popular, Renato Meirelles, comenta a reação entusiasmada de Moro com os aplausos da rua e de como Lula perdeu capital político ao tentar colocar Dilma Rousseff nos holofotes.
Leia um trecho da entrevista:
Revista Brasileiros – Qual o perigo desse vazio político? Essa falta de líder no Brasil.
Renato Meirelles – A maior crise do Brasil é de perspectiva, é não ver luz no fim do túnel. Cerca de 89% do brasileiros não conseguem dizer o nome de alguém capaz de tirar o Brasil da crise, e, quando o primeiro nome aparece, é o do papa Francisco. Quando o brasileiro escolhe um argentino como a solução mais provável para tirar o Brasil da crise é porque existe uma crise de liderança. O Brasil tem uma grande crise econômica, mas está longe de ser a maior crise econômica que o Brasil já teve, nós já tivemos crises econômicas com 80% de inflação ao mês, com 25% de desemprego, sem ter um centavo de reserva internacional. Só que as pessoas pelo menos tinham a impressão que a gente estava indo para algum lugar, que o Brasil tinha algum rumo a partir dali. E hoje o brasileiro não enxerga isso, não enxerga no governo e não enxerga na oposição.
Como se explica que um presidente como o Lula, que chegou a 80% de aprovação, hoje tenha quase 70% de rejeição?
Lula tem uma capacidade gigantesca de se comunicar com a população, e isso era favorecido à medida em que a economia crescia porque é mais fácil você gostar das pessoas quando a sua vida econômica está melhorando, mas o Lula fez uma opção, ao meu ver errada, de com medo de ofuscar o mandato da presidenta Dilma, se furtar do debate político público. Eu não tenho duvida de que, após eleger Dilma muito por seu legado, Lula tentou fortalecer o protagonismo da presidenta e, de alguma forma, abriu mão do seu protagonismo como líder político. Acho que foi um erro que fez com que pouco a pouco a população esquecesse um dos motivos que a levaram a avaliar bem o ex-presidente e a eleger e reeleger Dilma. Não é uma defesa de personalidade, mas a defesa de um projeto de Pais. A consequência disso foi que a defesa desse projeto enfraqueceu. O auge foi o processo de reeleição de Dilma. Se é verdade que o Lula elegeu a Dilma no primeiro mandato, ela foi reeleita pela defesa de um projeto, a Dilma não foi reeleita porque as pessoas gostavam dela, achavam uma líder carismática, simpática. Dilma foi reeleita porque tinha um conjunto de projetos, como o Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida, o Prouni, que eram a razão para acreditar que poderia existir luz no fim do túnel na crise econômica. Tanto é assim que ela ganhou uma eleição em que 73% dos brasileiros queriam mudança. A oposição perdeu a eleição porque não foi capaz de oferecer um projeto de futuro, dialogar com o anseio da população. Achou, como muitos deles ainda acham, que apenas o discurso do contra serviria para ganhar a eleição.
Você acha que é nesse vácuo que aparece o Sérgio Moro e os justiceiros?
Toda sociedade em um momento de crise procura duas coisas: achar culpados e buscar salvadores da pátria. No Brasil, 92% dos brasileiros concordam com a frase “todo político é ladrão”. Oito em cada dez brasileiros acreditam que os políticos que querem o impeachment só querem ocupar o lugar da Dilma em vez de melhorar as coisas de fato. Não tem, na classe política de hoje, um salvador da pátria, como um juiz Sergio Moro. A popularidade do Moro cresce entre os que buscam o discurso do justo. Dos que não confiam nas instituições, em ninguém, mas apenas e tão somente confia em quem está fazendo cumprir a lei, pelo menos a que está no imaginário dessas pessoas. O papel que o Sérgio Moro está cumprindo, de uma forma mais estratégica do que o Joaquim Barbosa no mensalão, tem uma agenda claramente definida e que cresce e é fortalecida por essa vontade de sangue que a população brasileira está. A Operação Lava Jato trouxe grandes contribuições para o debate ético e moral no Brasil ao apontar os corruptores como agentes da corrupção porque, historicamente, pouco se fala dos corruptores no Brasil. Mas isso só vai entrar assim para historia se o poder Judiciário for imparcial.
Coisa que não existe agora ao seu ver?
Separar o juiz do carrasco é fundamental para a construção do Estado democrático de direito. O processo de condução coercitiva do ex-presidente Lula ascendeu esse farol. É inquestionável o caráter político da divulgação das gravações e dos grampos. Vamos entender o que aconteceu: tudo ocorreu em segredo de Justiça, no momento em que se indica Lula para a Casa Civi o juiz Sérgio Moro aparece tirando o segredo de Justiça da ação, mandando para os veículos de comunicação as gravações e no dia seguinte escrevendo uma carta falando da necessidade de publicidade daquilo que estava acontecendo. Se isso não é um ato político, eu não sei o que é o ato político. Ninguém faz o debate sobre a corrupção que a Lava Jato fez sem ter plena noção das consequências políticas de um ato deste. Ele não é ingênuo, nunca foi ingênuo. A pergunta que tem que ser feita é se cabe no judiciário o posicionamento político. O grande pecado é comprometer os avanços que a operação trouxe para o combate à corrupção no Brasil. É mais ou menos o seguinte: você está em uma final de campeonato, Flamengo e Fluminense. Ninguém vai respeitar essa final de campeonato se suspeitar da indenidade do juiz. Agora imagina que você está em um campeonato, a torcida do Flamengo xinga a mãe do juiz e imediatamente o juiz em retaliação marca um pênalti a favor do Fluminense. Foi exatamente isso que o juiz Sérgio Moro fez. Quando o juiz se deixa influenciar pelo posicionamento da Justiça e não pelo posicionamento das leis, quando a política entra nos tribunais algo de ruim sempre acontece. Agora imagina o cidadão comum, movido por uma vontade genuína do combate à corrupção, se deparando com esse cara, que vem ganhando notoriedade, começa a ganhar um monte de prêmio. Ele começa a ir com a esposa em um restaurante e começam a bater palma quando ele entra. Os pais e os coleguinhas do filho dele na escola viram e falam “olha que pessoa legal”. O vizinho vira e fala “a se todo político fosse igual a você. O Brasil precisa de um presidente como você”. Essa pessoa começa – ou não – a se perguntar se ela não pode ser presidente da República.
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