O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, vetou integralmente o projeto de lei aprovado no mês passado pela Assembleia Legislativa (Alerj) que previa o fim da revista íntima de visitantes no sistema penitenciário do estado. O veto foi publicado nessa segunda-feira (6) no Diário Oficial do Estado.
De acordo com a justificativa do veto, o projeto contém vício de iniciativa e inconstitucionalidade formal, já que propostas sobre estruturação e atribuição das secretarias vinculadas ao governo são de iniciativa exclusiva do governador. Além disso, o texto diz que nem todos os objetos proibidos são detectados pelos equipamentos de segurança e que vetar completamente a revista íntima poderia colocar em risco os funcionários e internos do sistema prisional, bem como a “sociedade em geral”.
Na justificativa, Pezão argumenta que, caso o projeto entre em vigor, “certo se tornará o ingresso nos estabelecimentos penais” de objetos cortantes de cerâmica, gás em recipientes não metálicos e pistolas Glock, que são feitas com elementos de plástico.
Para o defensor público Daniel Lozoya, todos os argumentos para o veto são improcedentes e refletem a “lógica de tratamento diferenciado arraigado ainda em muitas autoridades”. “O projeto de lei regula o procedimento a que os cidadãos são submetidos quando vão visitar um ente e isso não tem nada a ver com atribuições. Se, num aeroporto ou nos fóruns, há um detector de metal e uma revista, quando há uma fundada suspeita, por que o tratamento diferente com relação aos visitantes de presos?”, questionou Lozoya.
Quanto à possibilidade de ingresso das armas, Lozoya disse que pesquisas apontam o contrário. “Uma pesquisa feita em São Paulo – e não temos motivo para acreditar que seja diferente no Rio – em um universo de dois anos de visita, com mais de 3 milhões de revistas, não houve uma tentativa de ingresso de arma nas revistas realizadas. No entanto, foram realmente apreendidas armas no interior das unidades prisionais, o que aponta para outra via de ingresso desses objetos ilegais.”
Segundo levantamento da campanha “Pelo fim da revista vexatória”, da Rede de Justiça Criminal de São Paulo, apenas 0,03% das revistas íntimas nos presídios leva à apreensão de algum material proibido, como drogas, armas e celulares.
A advogada do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) Raphaela Lopes, que também faz parte da Rede, alega que a revista íntima é inconstitucional, em um sistema penitenciário que vive uma realidade precária e com ausência de respeito às garantias fundamentais. “A revista vexatória talvez seja a violação mais séria que se detecta hoje, porque o principal afetado é a família do preso. E vemos aí então que há uma certa transferência da punição, algo vedado pela Constituição. Vê-se uma violação muito grande da sua privacidade, da sua intimidade, e essa prática atinge principalmente mulheres.”
O projeto de lei é dos deputados Marcelo Freixo (PSOL), Jorge Picciani (PMDB) e André Ceciliano (PT). De acordo com Freixo, a proposta já tinha sido discutida com o Executivo: “Eu achava que estava tudo acertado. Nós chegamos a ter uma conversa com o novo secretário de Administração Penitenciária [coronel Erir Ribeiro Costa Filho], que falou bem do projeto de lei e só reclamou de um artigo. Mas o governador, para nossa surpresa, vetou a lei inteira. Então, agora cabe à Alerj derrubar ou não o veto. Espero que derrube.”
Presidente da Alerj, Picciani lembrou que o projeto foi aprovado por 47 votos a favor e apenas 2 contra. Em nota, ele afirmou que o processo legislativo se completa com o exame dos vetos. “O Rio vai avançar com o fim da revista vexatória. Submeterei rapidamente ao plenário o exame do veto.”
De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária, o sistema do estado conta atualmente com 63 banquinhos detectores de metais, 110 portais detectores de metais, 70 detectores de metais manuais (raquetes) e nove raios X de bagagem, além de um scanner de raio X corporal na portaria do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu. O estado tem 51 unidades prisionais e 47 unidades recebem em média 2 mil visitas por dia.
Em setembro, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária recomendou o fim da revista íntima nos presídios brasileiros, considerada uma prática “vexatória, desumana ou degradante” .
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