“Por duas vezes vi a face da morte. Hoje, só temo a morte da democracia”

Dilma Rousseff fala ao Senado - Foto: Lula Marques/AGPT
Dilma Rousseff fala ao Senado – Foto: Lula Marques/AGPT

Trinta e nove minutos de um discurso duro e emocionado marcou a fala da presidenta afastada Dilma Rousseff nesta segunda-feira (28) para o plenário do Senado Federal, em Brasília. Sem meias palavras, Dilma explicou as razões para classificar de golpe de Estado o processo de impeachment que tenta apeá-la do poder. Relembrou os pretextos dos adversários para criar o clima de golpe, negou a prática de crimes de responsabilidade e, emocionada, explicou porque não renunciou apesar das pressões: “Jamais o faria porque tenho compromisso com o Estado democrático e porque não renuncio à luta”.

Previsto para começar às 9h, o discurso da presidenta afastada só teve início às 9h51. Começou lembrando os 54 milhões e meio de votos recebidos por ela na eleição de 2014, os mesmos que teriam sido ignorados por uma “elite” com sede de poder. Ao deixar o cargo, relembrou as “duras críticas a meu governo”. “Acolho com humildade. Tenho defeitos e erros, mas, entre eles, não está a deslealdade e a covardia. Não traio os compromissos que assumo ou quem luta ao meu lado.”

Dilma, que sempre foi discreta quanto a seu passado de prisioneira política, rememorou seus tempos nos porões da ditadura. “Vi companheiros e companheiras sendo violentados e até assassinados. Na época eu era muito jovem. Tinha muito a esperar da vida, tinha medo da morte e as sequelas da tortura no corpo e alma, mas resisti à tempestade de terror que costumava a me engolir na escuridão dos tempos que vivia”, disse. “Não mudei de lado apesar da injustiça sobre os ombros. Lutei pela democracia.”

Com voz firme, lembrou que “aos quase 70 anos, não seria agora, após ser mãe e avó”, que abdicaria da luta. “Diante das acusações contra mim dirigidas, não posso deixar de sentir na boca o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio. Como no passado, resisto. Não esperem de mim, o obsequioso silêncio dos covardes.”

Dilma, então, lembrou que, se no passado, as armas que engolfaram a democracia agora querem atentar contra o Estado de direito “com a retórica jurídica”. Sobre os políticos que lideram o processo, “a mim cabe lamentar o que foram e o que se tornaram […] e resistir, resistir sempre para acordar as consciências adormecidas”.

Dilma afirmou que não lutava pelo mandato ou apego ao poder. “Luto pela democracia”, afirmou. “O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face, que mesmo marcada pelo tempo, tem força para defender suas ideias e direitos.”

História

Dilma relembrou o passado de golpes que a América Latina sofreu a cada vez que “interesses da elite política e econômica eram feridos pelas urnas”. “O presidente Getúlio Vargas sofreu uma implacável perseguição, que o levou ao suicídio. Juscelino Kubitschek, que construiu esta cidade, foi vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe… O presidente João Goulart defensor da democracia, dos direitos dos trabalhadores e reformas de base, superou o golpe do parlamentarismo, mas foi deposto e instaurou-se a ditadura em 1964. […] Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados nas urnas os interesses da elite política e econômica, vemos os riscos à democracia.”

Segundo a presidenta afastada, “a ruptura se dá por meio de pretextos constitucionais para uma aparente legitimidade a um governo sem votos”. Para que encubra “hipocritamente” o mundo dos fatos, disse, as provas seriam “meros pretextos embasados por uma frágil retórica política”.

O Clima

Dilma rememorou ainda a trajetória que propiciou o golpe. “A possibilidade de impeachment virou pauta principal política e jornalística apesar da evidente improcedência dos motivos para justificar o movimento radical.” Ao mesmo tempo, a Câmara dos Deputados impôs “forte resistência” ao equilíbrio fiscal. “Os projetos foram rejeitados. As comissões permanentes só funcionaram a partir do dia 5 de maio, uma semana antes da aceitação do processo de impeachment pelo Senado.”

“Foi criado o desejado ambiente de instabilidade para a abertura de processo e impeachment sem crime de responsabilidade”, afirmou. “Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam. Queriam aproveitar a crise econômica porque, superada, seria difícil voltar ao poder.”

Emocionada, Dilma embargou a voz algumas vezes. Em uma delas, voltou à sua biografia. “Por duas vezes, vi a face da morte. Quando fui torturada por dias seguidos e revistas que nos faziam duvidar da vida. E uma doença [câncer em 2010] que poderia ter abreviado [minha vida]. Hoje só temo a morte da democracia.”


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