O conceito de “Escola sem Partido” surgiu nos Estados Unidos, onde é chamado de “No Indoctrination”. No Brasil, o movimento é encampado pelo advogado Miguel Nagib. O que ofendeu Nagib foi uma analogia feita pelo professor de sua filha, que comparou Che Guevara, líder da Revolução Cubana, a São Francisco de Assis, popular santo da Igreja Católica. Para Nagib, ao fazer essa comparação, automaticamente os alunos compreenderiam que Che Guevara é um santo. Procurador do Estado de São Paulo, Nagib tentou sensibilizar outros pais para a questão. Ninguém se interessou.
Mas o advogado estava decidido a ir mais fundo. Em 2004, fundou a associação Escola Sem Partido, que diz não ter vinculação política, ainda que sua principal crítica recaia sobre a doutrinação de esquerda. “Que as escolas brasileiras se transformaram, umas mais, outras menos, em centros de doutrinação política e ideológica a serviço dos partidos e organizações de esquerda, disso já não resta a menor sombra de dúvida”, escreveu Nagib. “Continuarão os estudantes brasileiros submetidos ao monopólio ideológico imposto pela esquerda?” O movimento “Escola Sem Partido” alega que os docentes seriam “militantes travestidos de professores”, que se aproveitariam da liberdade de ensinar e do espaço da sala de aula para doutrinar alunos.
Clã Bolsonaro e a Escola sem Partido
Em 2015, o movimento ganhou visibilidade com o apoio da família Bolsonaro. O vereador Carlos Bolsonaro (PP-RJ) apresentou à Câmara Municipal do Rio de Janeiro o projeto de lei 867/2014. Seu irmão, o deputado estadual Flavio Bolsonaro (PSC-RJ), por sua vez, enviou o PL 2974/2014 para a Assembleia Legislativa.
Neste ano, com a abertura do processo de impeachment e a gestão do presidente interino, Michel Temer (PMDB), o senador Magno Malta levou ao Congresso o PL 193/2016, que inclui o Projeto Escola sem Partido entre as diretrizes e bases da educação nacional. “Precisamos de uma escola que ensine, não que pregue ideologia”, defendeu o senador, com apoio do colega Jair Bolsonaro (PP-RJ).
Em Alagoas o projeto havia sido aprovado. Mas o Supremo Tribunal Federal e a Advocacia Geral da União (AGU) consideraram a proposta inconstitucional ao infringir o artigo 206 da Constituição, que garante a pluralidade de ideias no ambiente de ensino.
Educadores e pesquisadores que conhecem a área educacional a fundo criticam a proposta. Para o coordenador da Ação Educativa, Sergio Haddad, mestre em História e Sociologia da Educação, a proposta é “um retrocesso absoluto”. “Estamos diante de uma ameaça terrível em relação à liberdade de expressão e de ciência, de construir e rever conhecimento em sala de aula, de restringir a participação de alunos e professores. É uma ameaça muito grande”, alerta Haddad.
O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, também é veementemente contra a iniciativa. “Toda criança e adolescente tem direito a se apropriar da cultura e a ler o mundo de forma crítica. A educação escolar é uma atribuição do Estado brasileiro. E o cidadão brasileiro tem o direito de aprender o evolucionismo de Darwin, a história das grandes guerras, a luta pela abolição da escravatura no Brasil, a desigualdade entre as classes sociais”, disse, ao Portal da EBC. “O professor fará uma escolha ideológica – e isso deve ficar claro aos alunos, é uma questão de honestidade intelectual.”
O Projeto Escola Sem Partido propõe afixar um cartaz em todas as salas de aula de Ensino Fundamental e Médio mostrando os “deveres do professor”, o que facilitaria que alunos e pais pudessem denunciar o docente que tocasse em ideologias dentro do ambiente escolar.
Conheça o anteprojeto de lei federal no qual se baseiam as iniciativas apresentadas nas casas legislativas:
ANTEPROJETO DE LEI FEDERAL
Inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o “Programa Escola sem Partido”.
Art.1º. Esta lei dispõe sobre a inclusão entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, do “Programa Escola sem Partido”.
Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:
I – neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;
II – pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;
III – liberdade de aprender e de ensinar;
IV – liberdade de consciência e de crença;
V – reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado;
VI – educação e informação do estudante quanto aos direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;
VII – direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções.
Art. 3º. O Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero.
Art. 4º. No exercício de suas funções, o professor:
I – não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias;
II – não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;
III – não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;
IV – ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;
V – respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções;
VI – não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.
- 1º As instituições de educação básica afixarão nas salas de aula e nas salas dos professores cartazes com o conteúdo previsto no anexo desta Lei, com, no mínimo, 90 centímetros de altura por 70 centímetros de largura, e fonte com tamanho compatível com as dimensões adotadas.
- 2º Nas instituições de educação infantil, os cartazes referidos no caput deste artigo serão afixados somente nas salas dos professores.
Art. 5º. As escolas confessionais e as particulares cujas práticas educativas sejam orientadas por concepções, princípios e valores morais, religiosos ou ideológicos, deverão obter dos pais ou responsáveis pelos estudantes, no ato da matrícula, autorização expressa para a veiculação de conteúdos identificados com os referidos princípios, valores e concepções.
Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput deste artigo, as escolas deverão apresentar e entregar aos pais ou responsáveis pelos estudantes material informativo que possibilite o pleno conhecimento dos temas ministrados e dos enfoques adotados.
Art. 6º. Os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio serão informados e educados sobre os direitos que decorrem da liberdade de consciência e de crença assegurada pela Constituição Federal, especialmente sobre o disposto no art. 4º desta Lei.
Art. 7º. Os professores, os estudantes e os pais ou responsáveis serão informados e educados sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente, especialmente no que tange aos princípios referidos no art. 2º desta Lei.
Art. 8º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato.
Parágrafo único. As reclamações referidas no caput deste artigo deverão ser encaminhadas ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente, sob pena de responsabilidade.
Art. 9º. O disposto nesta Lei aplica-se, no que couber:
I – às políticas e planos educacionais;
II – aos conteúdos curriculares;
III – aos projetos pedagógicos das escolas;
IV – aos materiais didáticos e paradidáticos;
V – às avaliações para o ingresso no ensino superior;
VI – às provas de concurso para o ingresso na carreira docente;
VII – às instituições de ensino superior, respeitado o disposto no art. 207 da Constituição Federal.
Art. 10. Esta Lei entra em vigor no prazo de sessenta dias, a partir da data de sua publicação.
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