“Quando a Justiça se politiza, ela perde a capacidade de ser justa”, diz socióloga

"Todo tipo de processo de característica jurídica deveria ser feito com muito cuidado" - Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
“Todo tipo de processo de característica jurídica deveria ser feito com muito cuidado” – Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

“Assistimos a um teatro midiático aliado a uma Justiça que não vem sendo objetiva nem parcial.” Foi assim que Esther Solano, socióloga e pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)  e uma das autoras do livro Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc, descreveu o atual contexto político do Brasil, no qual até a oposição contesta o surpreendente pedido de  prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a três dias antes da manifestação convocada para domingo (13) pedindo o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Me preocupo com a falta de bom senso e responsabilidade.” 

À Brasileiros, a antropóloga recomenda à presidenta Dilma Rousseff e o PT  a renovação de suas ideias para recuperar o tempo perdido. “Uuma renovação intensa, que volte às ruas, que repense seu projeto político porque existe um risco eminente de perder quatro anos de governo. Tanto Dilma quanto os líderes do partido precisam assumir uma posição de alto crítica, e de algum jeito, reformular suas ideias.” 

Brasileiros – Gostaria que a senhora comentasse sobre o pedido de prisão preventiva feito pelo Ministério Público de São Paulo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Esther Solano – É um momento muito delicado e todo tipo de processo de característica jurídica deveria ser feito com muito cuidado, delicadeza e com uma análise prévia das consequências. Eu acho que está acontecendo uma espetacularização da Justiça. Foi um grande teatro midiático quando houve a condução coercitiva do Lula,  uma Justiça que não vem sendo objetiva e parcial. Parte de juízes e advogados estão condenando o modo como as investigações vêm sido conduzidas tanto pela mídia como pelo Ministério Público de São Paulo. É obvio que se existirem provas contundentes contra Lula, alguma coisa tem que ser feita, mas me preocupa muito este tipo de justiça de espetáculo e política, que se deturpa totalmente.

O pedido de prisão preventiva do Ministério Público contribuiu para inflamar os ânimos da manifestação de domingo?

Sem dúvida! É uma falta de responsabilidade do MP ter feito isso três dias antes da manifestação. É uma coisa mal feita. Tudo vem sendo feito com pouca responsabilidade institucional. Como Ministério Público, juiz ou promotor, você tem que assumir uma responsabilidade e não ficar inflamando os ânimos. Nós podemos viver um drama no domingo. Me preocupo com a falta de bom senso e responsabilidade.

Como a senhora analisa a atual situação da presidenta Dilma?

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A antropóloga Esther Solano

 Acho que está cada vez mais claro o isolamento político e partidário dela.  É  uma  situação insustentável e parece que ela continua pensando que nada deve  mudar.  Eu acho que é o momento de uma mudança radical, caso contrário  será muito  difícil ela aguentar mais dois anos. É um governo que se limita a  mera  sobrevivência. É urgente uma virada para a esquerda para ela retomar a  posição  de  liderança, o contato com o movimentos sociais, e se aproximar do  partido. O  próprio PT precisa de uma renovação intensa, que volte às ruas, que  repense seu  projeto político, porque existe um risco eminente de perder 4 anos  de governo. O  PT está muito enfraquecido. Tanto Dilma quanto os líderes do partido precisam  assumir uma posição de alto crítica, e de alguma forma, reformular as ideias.

A senhora acredita que esse “teatro midiático” contribui para reacender o clima de impeachment da presidenta Dilma?

Absolutamente, contribui para reacender o clima de impeachment e de polarização política. Mas por outro lado, é uma jogada arriscada, tanto a do Ministério Público, quanto a do juiz Moro pode ser um tiro no pé. Ontem o gabinete jurídico do PSDB criticou o modo de como foi conduzido o pedido de prisão preventiva de Lula. A oposição também está jogando esse jogo, que está muito perigoso. Todos sabem que o Lula tem uma capacidade política enorme. Esse tipo de justiça política pode ser um “tiro pela culatra”, pois a ideia de tentar enfraquecer a figura do Lula pode resultar o oposto e fortalecer a figura dele.

A oposição se manifestou contra Ministério Público. O que achou disso?

A oposição conhece muito bem a força do Lula. Eles pensam que pode ser um risco ter o Lula como alvo, tendo em vista que ele pode mobilizar milhões de brasileiros. Ele é um forte adversário nas eleições de 2018 e ainda poderá se apresentar como perseguido político. A oposição sabe muito bem que o Lula é uma ameaça política infinitamente maior que a Dilma. Eles sabem que as coisas estão saindo do controle,  o próprio Aécio foi citado na deleção do Delcídio [do Amaral]. Todos estão reféns da Lava Jato.

O que achou da repercussão da delação do senador Delcídio? 

Os vazamentos contínuos da operação Lava Jato provocam uma situação muito delicada, não deveria ser vazado para a imprensa. É um jogo político. sem dúvida alguma. É uma operação que já surgiu política: quando a justiça se politiza, ela perde a sua capacidade de ser justa. Perde toda sua parcialidade e credibilidade e isso é muito perigoso para o País como um todo. Se for para lutar contra a corrupção, vamos lutar contra todos os tipos de corrupção de uma forma séria e responsável. O resultado de tudo isso vai ser um enfraquecimento institucional.

A relação de Dilma com PMDB está desgastada a ponto de se romper?

Se o Lula aceitar o ministério [proposto na semana passada pelo governo], ele dará uma força para presidenta, tendo em vista que o governo está super enfraquecido. Seria uma guinada para esquerda, ele tem um capital político enorme. O problema é o contexto atual. Seria interpretado como uma forma de fugir da Lava Jato. Se a proposta fosse feita há dois meses, antes de tudo isso ter acontecido, teria sido uma boa jogada da presidenta. O contexto mudou totalmente. Uma jogada dessas prejudicaria a imagem dele. No dia da quadra dos bancários, quando Lula discursou, transmitiu a ideia de estar disposto a ser investigado e que ele vai revidar a tudo isso.

 


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