Renúncia de Cunha priva Temer de seu principal articulador

Eduardo Cunha deixa a Câmara dos Deputados - Foto: Foto: José Cruz/ Agência Brasil
Eduardo Cunha deixa a Câmara dos Deputados – Foto: Foto: José Cruz/ Agência Brasil
A renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara tem dois efeitos imediatos: de um lado, ela elimina uma fonte de problemas crônicos, causados pelos vínculos que uniam o deputado ao governo Michel Temer; mas, de outro, reduz a coesão e a capacidade de articulação do Planalto.

Na opinião do cientista político Cláudio Gonçalves Couto, da FGV (Fundação Getulio Vargas), a renúncia de Cunha foi, no final das contas, vantajosa para o governo. Segundo ele, “a permanência do deputado na presidência da Câmara estava trazendo tanta celeuma e tantos problemas para Temer que a renúncia virou um ganho”. Ele adverte porém que a ausência do deputado acirrou a disputa pelo poder na coalizão governista: “Agora há uma série de lideranças que estão buscando um quinhão de poder”. 

Em contrapartida, a saída de Cunha representa a perda de um articulador político importante. Como observa Danilo Martuscelli, professor da UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul), o governo Temer tem uma articulação política frágil, tanto assim que já perdeu vários ministros em dois meses. Nesta semana, escolheu um general para presidir a Funai e depois teve de voltar atrás. Nesse cenário, “a figura de Eduardo Cunha dava certa coesão ao governo. Sem ele, a base governista tende a se dividir”.

Martuscelli assinala que a queda de Cunha, em certo sentido, era previsível. “Nas grandes crises, os personagens que se destacam muito tendem a cair”. O cientista político recorda que isso aconteceu com Ibsen Pinheiro, o presidente da Câmara que conduziu o impeachment de Fernando Collor em 1992; com José Dirceu, o grande articulador do governo Lula; e se repetiu agora com Eduardo Cunha, o maior adversário de Dilma: “Personagens que apareceram demais durante as crises depois sofreram revezes”. 

Ele explica ainda é preciso averiguar “se o presidente Michel Temer tem mesmo uma base de verdade”. O peemedebista chegou ao poder porque “havia uma grande disposição para tirar Dilma Rousseff do poder. Mas, a partir daí, a coisa se complicou um pouco”, porque o Congresso é muito conservador no que diz respeito aos costumes, mas que resiste a assumir posições demasiado ortodoxas sobre temas econômicos, como um ajuste fiscal que aprofunde a crise. Mesmo “os setores empresariais que apoiaram o impeachment defendiam remédios amargos a curto prazo, mas não remédios amargos a longo prazo”.

Além disso, recorda Martuscelli, a adesão a Temer não é programática. A maioria dos parlamentares pertence a partidos de patronagem, que esperam cargos no Executivo ou a liberação de verbas: à medida que o Planalto reduz a distribuição dessas contrapartidas, tende a perder apoio no Congresso.

Um sintoma desse fato foi a recente derrota de Temer na Câmara: embora o governo tenha, em tese, mais de 400 deputados em sua base de apoio, obteve apenas 253 votos na votação do pedido de urgência para a tramitação do projeto que alonga as dívidas dos Estados com a União. Na avaliação do cientista político Cláudio Gonçalves Couto, da FGV, “essa votação foi uma sinalização de insatisfação dos deputados com o governo, cobrando o atendimento de certos pleitos. Mas eles não recusaram inteiramente o projeto. É algo que pode ser revertido mais adiante. Mas foi um sinal de insatisfação”.

Por sua vez, Martuscelli observa que em agosto deve começar a campanha eleitoral, o que vai reduzir o espaço para a defesa de posições impopulares. Ele recorda que as pesquisas indicam que o governo Temer tem uma elevada rejeição e que até agora não conseguiu exibir nenhum grande trunfo na área econômica. A inflação continua alta, assim como o desemprego: “Isso cria dificuldades para os parlamentares”. Nesse contexto, o governo enfrentará grandes dificuldades para aprovar projetos que aumentem impostos sobre a renda do trabalho ou que afetem direitos sociais e trabalhistas”.    

Apesar disso, a oposição não tem mostrado força para aproveitar as fragilidades do atual governo. As mobilizações de rua refluíram: “Talvez elas ganhem corpo durante a Olimpíada. É quando esses agrupamentos devem voltar às ruas. Já há sinais disso em episódios envolvendo a passagem da tocha olímpica”. Mas, até agora, a oposição não conseguiu articular uma reação à altura.


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