“Se impeachment fosse analisado por um juiz, Dilma estaria absolvida”, diz jurista

1º secretário da Mesa Diretora, dep. Beto Mansur (PRB-SP), lê o pedido de impeachment ao lado de Cunha - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Primeiro secretário da Mesa Diretora deputado Beto Mansur (PRB-SP), lê o pedido de impeachment ao lado de Cunha – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Faltam razões jurídicas para tirar o mandato da presidenta Dilma Rousseff que, se julgada por um juiz, seria absolvida. A opinião é do jurista Fernando Neisser, doutorando em direito eleitoral pela USP, em entrevista à Brasileiros. A decisão, no entanto, está nas mãos de deputados e senadores, muitos dos quais interessados em enfraquecer a presidenta e o PT. A consequência será um desastre: o Brasil vai escolher uma solução fácil para uma situação complicada.

Neisser explica que o País não vive no Parlamentarismo, onde se troca o primeiro-ministro sem a necessidade de que ele tenha cometido um crime. “No presidencialismo é preciso um plus, não uma mera crise política. É por isso que a Constituição pede a necessidade de um crime de responsabilidade para aprovar um impeachment.”

Mas como quem vota não é o judiciário, o nosso Parlamento vai tomar uma decisão política com ares jurídicos. “Primeiro surgiu a vontade de tirar Dilma, depois foram atrás de um crime de responsabilidade. Impeachment é o contrario: primeiro temos o crime, depois a necessidade de cassar.”

Brasileiros – Há provas para um impeachment?

Fernando Neisser – O sistema brasileiro é engessado. Faz com que a única forma de desenrolar uma crise dessas seja o impeachment. Isso é muito raro em nível nacional, mas nas prefeituras é comum. Quando o prefeito perde apoio, os vereadores acham uma motivação e tiram o prefeito. Se o Brasil fosse um parlamentarismo e seu primeiro-ministro perdesse apoio no Congresso, bastaria que um deputado protocolasse uma moção de censura para que ele perdesse o mandato.

Qual a vantagem?

Não tem trauma. Se houver maioria para cassar, forma-se um novo governo. Isso torna mandatos mais curtos e mais instáveis. Por outro lado, as trocas são menos traumáticas para o sistema. Quando um partido é tirado do poder, não se joga a população contra o partido, não radicaliza a disputa. É do jogo. Isso não acontece no presidencialismo. Tanto o parlamentar quanto o presidente receberam o poder do povo. Para tirar, é preciso um plus, não uma mera crise política. É por isso que a Constituição pede a necessidade de um crime de responsabilidade para aprovar um impeachment. Isso torna o sistema mais estável, mas torna as crises mais agudas porque, para derrubar um presidente, é preciso provar a existência de um crime.

Um julgamento tão delicado deveria ser avaliado por políticos com interesses envolvidos?

O parlamentar não é juiz e não sabe se houve ou não crime de responsabilidade. Eu pessoalmente acho que não há razão para impeachment. Primeiro, não é possível responsabilizar um gestor por outro mandato. Então, os argumentos de pedalada fiscal, uso da máquina e mentira na campanha não embasam juridicamente o pedido de impeachment. Sobre o estouro do Orçamento este ano, a lei aprovada ontem pelo Congresso protege a presidente. Se em 2015 ela descumpriu a lei orçamentária, agora o Parlamento deu aval para que ela tenha um déficit de R$ 120 bilhões. A lei autoriza gastar até 31 de dezembro. O que ela vinha gastando, torna-se lícito. Enfim, se o processo fosse analisado por um juiz, Dilma seria absolvida.

Mas a Câmara não pode alegar que votou assim para salvar a economia?

A votação de quarta fragilizou esse argumento, mas o deputado decide como quer. O que está havendo é uma enorme insatisfação popular com o governo, forte crise econômica e demanda por uma solução, que no momento acham que é cassando o mandato da presidente.

Esse momento que a gente vive se assemelha mais com a era Collor ou com a situação vivida por João Goulart antes do golpe de 1964?

Não vejo nenhum paralelo com o Collor. Naquela época, a lei não permitia doação de empresas para campanhas. Collor se endividou muito à medida que crescia no pleito. Quando terminou, estava endividado. Ele, então, assume a presidência e encarrega seu tesoureiro [PC Farias] a ir até o empresariado achacar com chantagens para conseguir dinheiro para cobrir essa dívida. Eles quitaram a dívida, mas continuaram arrecadando. Contra o Jango não havia acusações pessoais. A situação é bem mais parecida com a que vivemos hoje.

Quais as consequências para o futuro?

O nosso Parlamento vai tomar uma decisão política com ares jurídicos. Estamos empregando mal o impeachment como solução de crise política e econômica e tenho receio de que fique no inconsciente coletivo essa forma simples de resolver uma questão que é complexa. Primeiro surgiu a vontade de tirar Dilma, depois foram atrás de um crime de responsabilidade. Impeachment é o contrario: primeiro temos o crime, depois a necessidade de cassar.


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