Era 1990 quando o presidente sul-africano Frederik de Klerk foi a público admitir: o apartheid havia fracassado, Nelson Mandela – agora solto e na mesa de negociações – ajudava a costurar uma aliança nacional que viabilizaria as primeiras eleições democráticas, previstas para 1994: o marco da reconciliação nacional. Outros grandes pactos selaram a união em países divididos, como o Brasil de agora. Mas será que por aqui um acordo suprapartidário é possível a partir de segunda-feira (18), dia seguinte à votação do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados?
É no que aposta Dilma e seu vice, o agora arqui-inimigo Michel Temer (PMDB-SP), acusado pela situação de conspirar contra o governo para tomar o poder. O discurso de um pacto nacional, com todos os partidos na mesa de negociação, está no roteiro de ambos. Em seu pronunciamento à população, na noite de sexta-feira (15), a presidenta agradeceu as manifestações em “defesa da democracia” e disse que “somente o respeito à ordem democrática pode assegurar a reunificação nacional”.
O tom foi o mesmo utilizado por Temer ao responder o pronunciamento da agora adversária. Ele rebateu a acusação de que é “golpista” ao pregar a conciliação: “Defendo a unificação e pacificação dos brasileiros. Não o caos, o ódio e a guerra”. Já no áudio vazado no começo da semana passada, em que ele ensaia um discurso de vitória antes mesmo da votação deste domingo, ele falava em “pacificação”, “reunificação” das forças do País. “Aconteça o que acontecer no futuro, é preciso um governo de salvação nacional e de união nacional. É preciso que se reunam todos os partidos políticos e todos estejam dispostos a dar sua colaboração para tirar o País da crise.”
“Não estaremos nessa de união nacional; não vamos colaborar”, desabafou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos bastidores. O recado, dado aos aliados que buscam barrar o impeachment, tinha endereço certo: Temer, a quem Lula pede para disputar as eleições em 2018 em vez de investir em um “golpe de Estado”.
Ao contrário de Temer e Dilma, Lula expressaria o que todos pensam de verdade: a partir do dia 18 de abril, o Brasil deve conflagrar, independente de quem saia vitorioso. “Esse pacto de Temer e Dilma não tem nenhuma relação com o que aconteceu na África do Sul, no Chile ou na Espanha”, acredita o cientista político Paulo Roberto de Camargo, professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco. “No país sul-africano havia uma pressão internacional para o fim do apartheid, especialmente dos Estados Unidos. Forçou-se uma Constituição que permitisse que outros partidos entrassem nas eleições.”
Sobre os pactos chileno e espanhol, ele lembra que os países saíam de uma ditadura, e o retorno a uma democracia era razão suficiente para um clima de união nacional. “É diferente aqui. Não existe nenhum consenso que legitime o processo. Eu acho que vai haver disputa nas ruas. Não vejo possibilidade nenhuma de um pacto a curto prazo.”
Socióloga, Esther Solano concorda. “Um pacto suprapartidário me parece muito difícil levando em consideração que o impeachment tem sido uma manobra totalmente ilegítima. Os mesmos que tentaram tirar a presidenta do poder com essa manobra vão pactuar com o PT agora? Não faria muito sentido. Acho que um pacto se dá quando tem disposição ao diálogo, como por exemplo na Espanha depois da guerra civil.”
>Esther, que pesquisa as manifestações populares desde junho de 2013, não vê um Brasil conciliado independentemente do que a Câmara decidir. “Se o impeachment não sai, o governo ficará em uma situação de muita fragilidade e com sua base destruída. Por outro lado, um governo Temer teria muitos problemas de legitimidade, reformas econômicas impopulares, um PMDB fragmentado, refém das negociatas.”
Camargo lembra que um acordo depende de um “projeto, direção, convivência para a governabilidade”: “Com o Temer e Cunha vai ser muito difícil o diálogo”, acredita. Os ânimos nas ruas devem ser acirrados porque a situação teria passado “do ponto do diálogo”. “Dependeria de outros fatores, além do Congresso. Precisa de acordo com a mídia, Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], sindicatos. Se eles não entrarem no jogo político, vai ficar muito difícil.”
Para a socióloga, se Temer ganhar, os movimentos sociais não vão dar sossego contra o que chamarão de “governo ilegítimo”. Se Dilma ficar, no entanto, suas chances dependerão de uma guinada clara para a esquerda. “Se ela não fizer amplas reformas e mudar seu estilo de política, ela não será capaz de governar mesmo que ganhe a batalha do impeachment.”
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