Não é de hoje que Tarso Genro (PT-RS), ministro da Educação e da Justiça do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e governador do Rio Grande do Sul até 2014, defende uma reformulação do PT. Mas nem ele imaginou o tamanho do revés que o partido sofreria nas eleições municipais deste ano. Genro diz que o PT demorou em compreender a “falência do sistema de alianças”, construído no fim do segundo governo Lula, e revisar a política econômica adotada. Defende também que a Operação Lava Jato tornou-se uma sequência de “atos de exceção” e que a expressão “Estado de Direito”, no Brasil, hoje “tem pouco significado”.
Leia a entrevista completa feita por email:
Revista Brasileiros – O senhor ficou surpreso com o resultado das eleições municipais, com o tamanho do revés do PT? Que lição o PT deve tirar disso? O PT ainda é capaz de dar os rumos para a esquerda?
Tarso Genro – Não fiquei surpreso, mas pensei que o tombo seria menor. A lição a ser tirada é simples: avaliar porque ocorreram estes danos, verificando os erros políticos que cometemos, por demorar a compreender a falência do sistema de alianças que, na minha opinião ocorreu a partir do fim do segundo Governo Lula; revisar a nossa visão programática, apontando novos rumos para a economia, já que quando começaram a cair os preços da “commodities” não conseguimos financiar as nossas políticas públicas sem endividamento; promover uma nova frente política e uma nova visão de coalizão, cujo funcionamento não mais dependa do fisiologismo e das práticas tradicionais de governabilidade do PMDB. Para recuperar a nossa capacidade de sermos hegemônicos no campo da esquerda, temos que ouvir muito os nossos parceiros do centro político, que se opõem ao projeto neoliberal, bem como os parceiros que estão a nossa esquerda e que não são sectários ou exclusivistas.
O alto número de votos brancos e nulos e de abstenções chamou atenção. A quem interessa essa campanha de criminalização da política?
No Brasil ocorre hoje um processo que pode se tornar explosivo: é o fenômeno da “criminalização da política”, bem como de “politização da criminalidade”. O primeiro é promovido pelo oligopólio da mídia, articulado com os setores de partidos e partidos que são servis ao capital financeiro global, cujos agentes controlam a dívida pública dos países devedores, porque, à medida que a maioria dos políticos e dos partidos perdem a sua capacidade de convencimento, eles, os donos da formação da opinião, passam a fazer a agenda política e a induzir as contra-reformas que eles acham necessárias, se for preciso, até derrubando presidentes legitimamente eleitos; o segundo fenômeno, da “politização da criminalidade”, decorre, em grande intensidade, pela falência das políticas do Estado nas zonas mais pobres das regiões metropolitanas, nas quais o crime organizado substitui a autoridade estatal, e assim controla a população e privatiza o território, com base nas organizações que ali operam. O rebaixamento da democracia política e dos processos eleitorais interessa quem crê que as questões a serem resolvidas pro país, devem sê-lo pela burocracia e pelos técnicos. Uma visão muito próxima do fascismo.
Quais os impactos da Lava Jato, positivos e negativos, na situação política e econômica do País? Muitos juristas apontam abusos na operação, o senhor enxerga uma afronta ao Estado de Direito?
A Lava Jato começou com uma operação normal do Estado brasileiro, combatendo a corrupção histórica que grassa no país, há séculos, e que, periodicamente, é combatida pelas instâncias legais do Estado, sem muito sucesso. Paulatinamente, ela foi se transformando numa sequência de atos “exceção””, para combater situações “excepcionais”, como declarou recentemente o juiz Moro, seu principal ator político e institucional. Daí se vulgarizaram delações premiadas com réus presos, cumprimento de penas sem trânsito em julgado, prisões e conduções forçadas totalmente desnecessárias, para apurar os fatos investigados, bem como vazamentos seletivos, com dois objetivos estratégicos que ficaram nítidos: destruir a figura do Presidente Lula e a memória do seu Governo, de um lado, e, de outro, derrubar Dilma para apressar o “ajuste”, embora a grande mídia tenha criado a ilusão que a Presidente foi “impichada” por corrupção. A expressão “Estado de Direito”, no Brasil, hoje tem pouco significado, pois ele está corroído pela exceção e machucado pelo ódio à política, promovido principalmente pelo oligopólio da mídia.
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