O PSDB apoiou o afastamento de Dilma Rousseff e, após muita hesitação, aceitou participar do governo. O presidente interino, Michel Temer, entregou um ministério a cada um dos presidenciáveis do partido: o senador Aécio Neves (MG) indicou Bruno Araújo para a pasta das Cidades, o governador Geraldo Alckmin (SP) indicou Alexandre de Moraes para a Justiça e o senador José Serra (SP) ocupou, ele próprio, o Ministério de Relações Exteriores. Agora, os sinais de que o próprio PMDB planeja ter um candidato próprio à sucessão presidencial começam a incomodar diversos líderes tucanos, que se sentem traídos pelo aliado.
Essa suspeita ganhou corpo depois que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que o próprio Temer deveria ser o candidato: “Se o Michel for confirmado presidente, e o governo chegar a 50% de ótimo e bom, ele é que será o candidato do nosso campo, quer queira, quer não”. Depois disso, alguns tucanos passaram a expressar preocupação com a movimentação do Planalto, que parece ter desistido de implementar uma agenda impopular no Congresso Nacional.
O ex-governador paulista Alberto Goldman criticou as concessões de Temer na questão dos gastos públicos: “Compreendo a cautela do presidente, mas, na minha opinião, é cautela demais. Ele está temeroso demais com a pressão das corporações”. O deputado federal Jutahy Junior (PSDB-BA), ligado a José Serra, reclamou abertamente: “É óbvio que precisamos de uma gestão mais austera”.
O cientista político Armando Boito Jr., professor titular da Unicamp, considera que existem muitos indícios do afastamento do PSDB em relação ao governo do PMDB, mas avalia que não há como prever se eles já estão próximos do rompimento. Segundo Boito, não resta dúvida de que existe uma diferença estrutural entre o PSDB e o PMDB: “O PSDB é o representante orgânico do capital estrangeiro no Brasil. Já o PMDB é um saco de gatos, que reúne desde setores nacionalistas, como no caso do Paraná (Roberto Requião), herdeiros do PMDB da época da ditadura, até setores fisiológicos. Não é um partido coeso”.
Outro cientista político, Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, acha muito improvável que o próprio Temer esteja disposto a se candidatar em 2018, como defendeu o novo presidente da Câmara: “Temer é muito impopular e carrega a marca de um governo ilegítimo. É muito improvável que ele tente se candidatar em 2018. Além disso, ele já tem 75 anos. Terá 78 anos na eleição de 2018. É muito difícil”. Apesar disso, ele acredita que “o PMDB está preparando uma alternativa de poder diferente da representada pelos tucanos, talvez centrada na candidatura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles”.
Fornazieri observa que o PSDB está muito incomodado porque o PMDB não está cumprindo o que prometeu em seu documento Uma Ponte para o Futuro: “Um dos motivos alegados para tirar a Dilma era que ela não conseguia fazer o ajuste fiscal. E o PSDB se aferrou a esse pacto político em torno do ajuste. Só que o Temer também não está fazendo isso”. Isso tem causado muito desconforto, porque os tucanos não querem chegar à eleição presidencial de 2018 sem um discurso convincente.
Na opinião de Armando Boito, em tese existem três cenários possíveis: num extremo, o governo Temer poderia prosseguir com a mesma política adotada pelo governo Dilma Rousseff; no outro extremo, ele poderia cumprir as promessas feitas antes de sua ascensão ao poder e adotar o programa neoliberal do PSDB, restaurando as diretrizes do governo Fernando Henrique Cardoso; e, o que talvez seja o cenário mais provável, ele deu início a um longo período de crise da hegemonia, tal como ocorreu nos governos de João Figueiredo (1979-1985) e José Sarney (1985-1990); “O governo Temer pode ser um governo de crise de hegemonia”, diz Boito, que lembra a falta de firmeza do presidente interino em suas decisões. Em várias ocasiões Temer anunciou medidas e logo depois voltou atrás: “Ele recua do recuo”.
Segundo Boito, a única área em que Temer tem desenvolvido uma política menos hesitante — a política externa — é onde ele tem obtido os resultados mais desastrosos. A hostilidade de Serra contra a Venezuela despertou o receio das empresas que têm créditos a receber daquele país: nada menos do que US$ 3 bilhões. Um empresário comentou: se hoje já está difícil receber dos amigos, imagina receber dos inimigos. Um exemplo do fiasco da nova estratégia do Itamaraty pôde ser constatado na abertura da Olimpíada: só 18 chefes de Estado e de governo presentes, contra mais de 70 em Pequim (2008) e mais de 90 em Londres (2012). E nenhum líder dos Brics apareceu.
Na área econômica, há muitas dúvidas sobre a capacidade de Temer de implementar o ajuste fiscal, já que seus aliados no Congresso têm bloqueado a adoção de medidas impopulares, como o aumento de impostos. Sem isso, a recuperação deve caminhar de forma lenta: “Os políticos do Congresso não vão aprovar medidas impopulares num ano eleitoral”, disse Fornazieri.
Para ele, nem mesmo a aprovação definitiva do afastamento de Dilma Rousseff resolverá essas dificuldades. “Ele ainda tem dívidas com os setores que apoiaram o impeachment e terá de fazer mais concessões. Essa ideia de que Temer assumiria e resolveria facilmente todos os problemas já se desfez. A política brasileira não é assim.”
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