Vice-presidentes no Brasil: 125 anos de instabilidade institucional

Fotos: Floriano Peixoto, Michel Temer e Itamar Franco -Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil (Temer) e Presidência
Fotos: Floriano Peixoto, Michel Temer e Itamar Franco -Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil (Temer) e Presidência


A figura do vice-presidente foi introduzida na história brasileira pela Assembleia Constituinte de 1891, copiada da Constituição dos Estados Unidos. Mas a transplantação das estruturas políticas norte-americanas para a realidade brasileira logo se revelou uma fonte de instabilidade institucional. Enquanto nos EUA o vice era alguém que pertencia ao mesmo partido do presidente, no Brasil abriu-se a possibilidade de eleger para o cargo um político de orientação antagônica. Isso criou uma tensão entre o presidente e seu vice, que passou a figurar como um polo alternativo de poder para os descontentes.

A primeira crise não demorou um ano. Em fevereiro de 1891, a Constituinte elegeu o presidente e o vice. O chefe do governo provisório, Deodoro da Fonseca, apresentou sua candidatura à Presidência tendo como vice o almirante Eduardo Wandenkolk. Do outro lado, a oposição apresentou como candidato Prudente de Morais, apresentando como vice o marechal Floriano Peixoto. Deodoro foi eleito presidente, mas Floriano ficou sendo o vice, porque as eleições para os dois cargos foram feitas separadamente (uma regra que persistiu até 1966).

Nos meses seguintes, os congressistas tentaram reduzir os poderes de Deodoro, que acabou fechando o Legislativo em 3 de novembro. Floriano estimulou os militares a reagir: no dia 23 de novembro, o almirante Custódio de Melo, a bordo do encouraçado Riachuelo, ameaçou bombardear o Rio. Para evitar o confronto, Deodoro renunciou. Floriano assumiu: decretou o estado de sítio, prendeu e desterrou opositores e ameaçava os ministros do Supremo Tribunal Federal para que não concedessem habeas corpus aos seus adversários.

Em 1894, na primeira eleição direta para presidente da República, o paulista Prudente de Morais foi eleito, tendo como vice o senador Manuel Vitorino, da Bahia. Admirador de Floriano, Vitorino logo começou a se afastar do presidente. Assumiu a Presidência em 10 de novembro de 1896, quando Prudente adoeceu, e mudou o governo.

Trocou os ministros, comprou uma nova sede para o governo (o Palácio do Catete), arrendou estradas de ferro, mandou uma nova expedição federal contra Canudos. Mas, no dia 4 de março de 1897, sem avisar, Prudente de Morais se apresentou e reassumiu o cargo. No dia 5 de novembro, o presidente foi alvo de um atentado. Vitorino foi indiciado, mas acabou não sendo incluído na sentença. Mas sua carreira política acabou.

Outro vice problemático foi Café Filho. Candidato à Presidência em 1950, Getúlio Vargas nunca gostou dele, mas foi obrigado a aceitar seu nome por imposição do então governador paulista Adhemar de Barros para ter o apoio do PSP à sua candidatura à Presidência. Getúlio e Café foram eleitos, mas as divergências continuaram: Café criticava o “intervencionismo estatal” de Getúlio e sua legislação trabalhistas. Em 1954, o vice propôs a Getúlio que os dois renunciassem, mas o presidente recusou. Café discursou no Senado sobre o fato, o que foi considerado um ato de rompimento público.

Após o suicídio de Getúlio, Café se alinhou com a UDN, principal partido de oposição, mas não conseguiu evitar que a aliança entre PSD e PTB elegesse a chapa Juscelino Kubitschek e João Goulart (Jango, inclusive, teve mais votos que Juscelino). Com a conivência de Café Filho, os militares ligados a UDN se mobilizaram para impedir a posse de Juscelino. Para se preservar, Café Filho “adoeceu” e deixou a Presidência da República com Carlos Luz que, embora pertencesse ao PSD, era adversário de Juscelino.

O golpe contra a posse dos eleitos foi abortado pelo ministro da Guerra, Henrique Lott, que depôs Carlos Luz e depois  impediu a volta de Café Filho ao cargo. O Congresso aprovou o impeachment dos dois. A carreira política de Café terminou ali.

A tensão entre presidente e vice reapareceu em 1960, quando Jânio Quadros foi eleito presidente com o apoio da UDN, mas João Goulart foi reeleito vice pelo PTB. Desta vez, quem tentou explorar o antagonismo foi Jânio: em minoria no Congresso, e tendo perdido o apoio até da UDN, o presidente tentou forçar o Legislativo a lhe dar mais poderes, renunciando ao cargo no exato momento em que Jango estava visitando a China. Jânio fracassou, mas provocou uma reação militar que levou à introdução do parlamentarismo e, mais adiante, à deposição do próprio Jango, em 1964.

A partir de 1969, o vice-presidente passou a ser eleito na mesma chapa do presidente – e deixou, com isso, de receber votos. Após o restabelecimento da democracia, em 1985, a legislação permitiu que a chapa fosse composta por políticos de partidos diferentes. Isso já provocou problemas na primeira eleição direta após a ditadura, em 1989.

Itamar Franco, um político nacionalista oriundo do antigo PTB que depois fundou o PMDB, se filiou ao PRN de Fernando Collor apenas para disputar a eleição presidencial, mas os dois não tinham nenhuma afinidade programática. As divergências públicas entre eles apareceram após a posse de Collor, em 1990, quando Itamar começou a  criticar as privatizações de estatais. Quando a oposição a Collor se fortaleceu, Itamar logo começou a despontar como uma alternativa de poder.

Os presidentes seguintes, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, tiveram a sorte de contar com vices de partidos diferentes, mas extremamente fiéis aos titulares: Marco Maciel, do PFL, e José Alencar, do PL. Dilma Rousseff deu azar.


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