Com o bordão “discos obscuros (e fundamentais) da música brasileira de 1960 a 1980”, dei início a coluna Quintessência, em 15 de agosto deste tumultuado 2013 que agora chega ao fim. A frase não deixa dúvidas: haveria um limitador temporal para os álbuns aqui reverenciados, o ano de 1980.
Anuncio, pois, com menor cara de pau do que satisfação, caro leitor: nesta quinta-feira, abriremos exceção e falaremos de um clássico lançado em 1982: Robson Jorge e Lincoln Olivetti. A justificativa? Simples: hoje faz exatos 20 anos que Robson nos deixou, muito precocemente, em decorrência de um alcoolismo que o fez definhar e morrer, jovem, aos 39 anos.
Sim, poderíamos aqui falar sobre o belo disco solo lançado por ele em 1977, mas, aí sim, este colunista quebraria regra intransponível (que, aliás, muitas vezes me impede de escrever sobre títulos obrigatórios): não haveria como recomendar a audição do álbum homônimo, pois ele não está disponível na rede. Sendo assim, ouça a canção Amor Tão Lindo, e veja o clipe de Tudo Bem, produzido pelo Fantástico, da Rede Globo. As duas pérolas do soul brazuca estão no disco solo de Robson, de 1977.
A parceria entre Lincoln Olivetti e Robson Jorge é desses felizes encontros que sugerem comentários do tipo “foi o destino” ou o “universo conspirou”. Cariocas, os dois nasceram em 1954 com apenas uma semana de diferença – Robson em 23 de abril, Lincoln no dia 16. Aos 13 anos, em 1967, o prodígio Lincoln já liderava, como tecladista, uma banda de baile que tocava nos subúrbios do Rio de Janeiro. Guitarrista e violonista, Robson passou a tocar com ele no começo dos anos 1970, quando ambos foram arrebatados pelo nascente movimento Black Rio (leia posts sobre União Black e Miguel de Deus). Interesse comum que fez a amizade cada vez mais forte.
Com o domínio de novas linguagens dançantes (especialmente a disco music, derivada do funk), de modernos instrumentos musicais (Lincoln foi um dos pioneiros no uso de sintetizadores no Brasil), e um talento ímpar para produção e arranjos, a dupla se tornou quase onipresente na indústria fonográfica dos anos 1980. Pelas mãos de Robson e Lincoln, em maior proporção, trabalhos de Tim Maia, Luiz Melodia, Fagner, Gal Costa, Jorge Ben Jor, Hyldon, Maria Bethânia, e um sem número de artistas – incluindo-se aí até Xuxa e Balão Mágico – ganharam irresistível apelo dançante e comercial.
Tamanha vocação para transformar canções aparentemente ordinárias em hits avassaladores e o deslumbramento com aparatos tecnológicos surgidos nos anos 1980, fez com que Robson e Lincoln fossem subestimados, desprezados e até mesmo vilanizados por grande parte da crítica musical, que colocou sob as costas de ambos o peso de toda decadência que a música popular brasileira experimentaria naquela nascente década. Patrulha das mais tendenciosas que ignorava o fato óbvio de que eles agiam como verdadeiros “operários”, pois apesar do talento a toda prova, eram funcionários da Som Livre, selo fonográfico da Rede Globo que, convenhamos, nada tinha a ver com liberdade artística.
Vamos, então, ao que interessa: para desgosto dos detratores da dupla, resiste ao tempo, com a mesma força de quando embalou pistas de dança “transadas”, o brilhante álbum feito por Robson e Lincoln em 1982. Lançado pela mesma Som Livre que deu aos dois fama e generosas compensações financeiras, o LP reúne 12 inspiradas composições. Todas elas escritas a quatro mãos, com “meia” exceção, o medley Baila Comigo/Festa Braba, que funde instrumental inédito com o sucesso de Rita Lee – aliás, arranjado por Lincoln no ano anterior.
À primeira audição, é patente a influência de grupos como Kool & The Gang e Earth, Wind & Fire, mas, apesar de apelar para estruturas rítmicas das matrizes americanas, especialmente nos inspirados arranjos funky do poderoso naipe de cinco metais (trobone, sax alto, sax tenor, sax barítno e trumpete), o repertório defendido por Robson e Lincoln é carregado de brasilidade. Zé Piolho, samba-funk que peca apenas por ser muito curto, é prova inconteste dessa faceta brazuca, mas todos os temas reunidos no álbum são irresistíveis. Impossível ficar indiferente ao apelo dançante de Prét-a-Porter, Squash, Eva e Aleluia que, à época, chegou a ter grande execução nas rádios FM.
Entre os músicos reunidos para registrar o álbum homônimo de Robson e Lincoln, no estúdio Sigla, da Rede Globo, há feras como o saxofonista Oberdan Magalhães e o percussionista Ariovaldo, ambos da Banda Black Rio; os bateristas Picolé, Paulinho Braga e Mamão, do poderoso trio Azymuth; o cantor Tony Bizzaro, que assume backing vocals; e o trompetista Marcio Montarroyos. Lógico, as guitarras são de Robson, mas, multi-instrumentista, ele também toca contrabaixo, piano elétrico, Mini Moog (o clássico sintetizador portátil dos anos 1970) e acrescenta Vocoder (processador que dá a voz timbres metálicos) nos esparsos vocais que faz.
Chamado de “Feiticeiro dos Estúdios” e “Mago do Pop”, não bastasse a perda súbita do amigo Robson, nos anos 1990, Lincoln amargaria um longo período de ostracismo, lembrado apenas por Ed Motta (fã devoto que, aliás, o considera nosso Quincy Jones) e Lulu Santos. Em 2003, ele voltou a trabalhar com o Babulina ao escrever os arranjos do Ácustico MTV Jorge Ben Jor.
Em outubro de 2011, o “Feiticeiro” fez apresentação memorável no festival 4° Copa Fest, promovido pelo Copacabana Palace Hotel. Na ocasião, o documentarista Ramon Moreira gravou episódio de sua série Cotidiano – O olhar de um cidadão, e registrou parte da apresentação de Lincoln, além de reunir depoimentos de fãs que lá estavam, como Jorge Ben Jor, e músicos que participaram do show, como Davi Moraes, Kassin e Donatinho. Vale conferir.
Aqui, caros leitores, a íntegra de Robson Jorge e Lincoln Olivetti
Boas audições, até a próxima Quintessência e viva Robson Jorge!!!
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