Sempre achei intrigante a dicotomia entre o “Primeiro Mundo” e o “Terceiro Mundo”. Pergunto ao leitor, o “Terceiro Mundo” pode ser definido geograficamente ou é um estado de espírito? Considere este exemplo: Quando voltei aos EUA do Brasil (1968), após três anos no dito “Terceiro Mundo”, um americano formado em uma faculdade e executivo de uma companhia então “internacional”, me perguntou:
“O Brasil tem televisão?” Não resisti. Respondi que televisão tinha, mas não tinha eletricidade portanto todo mundo assistia TV à luz de vela. Quem é “Terceiro Mundo” ali, hein? Cansei de ir para coquetéis e festas no Brasil e ver americanos aparecerem com a sua própria água ou gelo para não ter de tomar a água local – mesmo filtrada! Saliento que tomei água em todo lugar no Brasil sem sequer passar uma só dor de barriga no País. Será que é porque sou de New Jersey?
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Desfecho: A única maneira que o cliente encontrou para resolver a questão foi enviar um e-mail para o presidente da companhia. Depois de resolver a questão, adivinha qual foi a resposta da empresa: removeram do site da internet todos os endereços de e-mails dos executivos da companhia!!
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Basta? Considere o seguinte diálogo, também a mais pura verdade:
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Esses dois casos são reais. O primeiro caso foi de uma companhia de renome de telefonia celular nos EUA. O segundo foi de um banco muito grande nos EUA (há alguma dúvida por que os bancos americanos estão com problemas?). Pode-se inferir que no Primeiro Mundo a confiança nas instituições e no “sistema” é tão grande que nem a realidade pode interferir no andamento da carruagem. As regras têm de ser seguidas – mesmo depois de morto! No “Terceiro Mundo” sabe-se que as coisas e os sistemas são falhos. Portanto, a fé das pessoas é depositada mais numa realidade que possa conflitar com o ideal do que com o “ideal” propriamente dito.
Agora, vamos projetar essa constatação para a crise atual. É surpresa que os países “emergentes” estejam em melhores condições que os países “desenvolvidos”? O Brasil, por exemplo, como país “emergente” (antigo “Terceiro Mundo”) fez tudo “errado”. Controlou os bancos supostamente em demasia. Manteve bancos “estatais” quando “deveria” tê-los privatizado. Não desregulamentou o setor financeiro como os desenvolvidos. No momento atual, os “vícios” do “Terceiro Mundo” tornaram-se virtudes. E as virtudes do Primeiro Mundo viraram vulnerabilidades.
Nos anos 1960 os “emergentes” de hoje eram tachados de “subdesenvolvidos”. “Sub” qualquer coisa tem uma conotação ruim. Contudo, nos anos 1970 e 1980 os “subdesenvolvidos” passaram para o “Terceiro Mundo”. Não eram mais “subs”, mas o termo ainda continha um certo desprezo. As características do “Terceiro Mundo” eram semelhantes às dos subdesenvolvidos: distribuição de renda distorcida a favor dos ricos; sistema educacional falho e pobre em termos de dinheiro e conteúdo; subemprego; legislaturas insensíveis às necessidades do país; funcionários mal treinados; e outras coisas mais. Bastava achar um país que satisfazia esses requerimentos e era um antigo “sub” que graduou para o “Terceiro Mundo” e hoje seria “emergente”.
O líder do mundo “desenvolvido”, isto é, o chamado Primeiro Mundo, certamente não exibe essas características – ou exibe? Falo, é claro, dos EUA. Sugiro que o caro leitor dê uma olhada nas características acima citadas quando aplicadas aos dados dos EUA. Não entrarei em detalhes – os dados falam por si e o comportamento do Congresso americano nesta crise oferece ampla evidência de insensatez aos problemas do país. E esta é a legislatura que Mark Twain uma vez disse que é o melhor que se pode comprar! Os “bônus” milionários pagos para os executivos que fizeram o banzé financeiro atestam a questão de distribuição de renda e a fragilidade das instituições tanto públicas quanto privadas. E os casos no começo deste artigo oferecem exemplos de como os funcionários são bem treinados e despachados.
Suspeito, caro leitor, que o termo “emergente”, produto da globalização e dos anos 1990, foi criado para poder abranger todos que reduziram a sua condição de “primeiro”. Afinal, quem quer ser chamado de “sub” ou “terceiro”?
Já que os EUA e outros do Primeiro Mundo entraram para o rol dos países pobres, o termo “emergente” dói um pouco menos para aqueles que tiveram de reduzir o seu status. Tamos todos “emergindo”! Uau!
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