Caetano Veloso chegou, em 7 de agosto, aos 71 anos. Em 1968, quando completou 26, portanto há 45 anos, o jovem compositor baiano celebrou a data em grande estilo, com o lançamento oficial do álbum-manifesto Tropicália ou Panis Et Circensis (saiba mais no blog Efemérides do Éfmello). Feito de forma coletiva, o LP reuniu Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Nara Leão, os poetas Torquato Neto e Capinam, e o maestro Rogério Duprat. Afeito as vanguardas e a ideias progressistas, o grupo foi signatário desta espécie de “carta de intenções”, que pretendia colocar em rebuliço o status quo da produção musical e cultural do País.
Eram tempos difíceis. Meses depois do lançamento, o regime de exceção dos militares seria imposto, definitivamente, com a publicação do AI-5, em 13 de dezembro. Nesse ambiente opressor, a classe artística estava para lá de divida. Parte dos jovens integrava ala tida como engajada e nacionalista, que “militava” por meio dos CPC’s, os Centros de Cultura Popular da UNE – União Nacional de Estudantes, ou pela canção de protesto, personificada na figura de Geraldo Vandré. Na contramão, autores de grande apelo comercial eram acusados de colonização cultural, por verterem o rock n’ roll americano e britânico no movimento que assolou o País, sob o nome assertivo de Jovem Guarda – cujo aspirante a Rei, Roberto Carlos, era tido por muitos desses “militantes” ufanistas como um alienante vilão.
Arquitetado por Gil e Caetano, o movimento tropicalista veio justamente exterminar, municiado de espírito anárquico e debochado, essa grande celeuma. Endossados pelo grupo que integrou a produção de Tropicalia ou Panis Et Circencis, os baianos propuseram a união desses elementos, aparentemente divergentes, e conseguiram arejar o ambiente cultural do País, com uma releitura atualizante do antropofagismo defendido por Oswald de Andrade. O movimento durou pouco. Foi sepultado oficialmente por seus próprios criadores, no programa Divino, Maravilhoso, apresentado por Caetano e Gil que, pressionados pelos militares, partiriam, meses depois, para um exílio de quase dois anos em Londres, na Inglaterra.
Se o movimento em si durou pouco, sua influência é perceptível até hoje. E é possível dizer que ela foi absorvida – voluntariamente ou não – até mesmo no calor da situação, por artistas que pouco ou nada tinham a ver com o grupo de vanguardistas. Brasileiros traz uma lista com dez álbuns lançados naquela virada de década – diretamente associados ao tropicalismo ou não –, que comprovam essa tese. São obras que seguiram à risca o propósito de criação de um “som universal”, como queriam os tropicalistas, a partir do cruzamento de matrizes brasileiras e influências musicais estrangeiras.
Confira quais são os discos |
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Os Brazões (RGE, 1969) Banda de apoio nos shows Gal Costa, Os Brazões também tiveram relações estreitas com Tom Zé e o anárquico Jards Macalé – apresentaram-se com ele no IV Festival Internacional da Canção, de 1969, defendendo Gotham City e foram recebidos com hostilidade e vaias por uma plateia que ressonava o discurso nacionalista. O único álbum autoral gravado pelo grupo é testemunho da força do quarteto – os guitarristas Miguel de Deus e Roberto, o baterista Eduardo Rocha e o baixista Taco. Tempos depois, Miguel de Deus lançaria um novo grupo, Assim Assado (referência clara aos Secos & Molhados), e enveredaria de vez, em 1977, no movimento Black Rio, ao sair em carreira-solo, com o antológico álbum Black Soul Brothers. |
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Os Mutantes (Polydor, 1968) O II Festival Internacional da Canção de 1967 (tema do documentário Uma Noite em 67) foi, de fato, momento divisor para nossa música. Convenhamos, a repercussão e a influência exercida posteriormente por Domingo no Parque (de Gil, o segundo lugar) e Alegria, Alegria (de Caetano, a terceira colocada) foram muito maiores do que a da vencedora, Ponteio, do grande Edu Lobo. Se o recado era: o Tropicalismo chegava para romper tradições, o impacto de tal mensagem jamais poderia ter sido alcançado sem o auxílio dos Beat Boys (grupo argentino de rock que deu suporte a Caetano) e dos Os Mutantes (o anárquico trio paulistano). Portanto, nada mais justo que a trupe mutante ter, na praça, seu disco de estreia. O álbum também completa 45 anos em 2013 e dispensa maiores comentários. Se não ouviu, ouça! |
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Raulzinho e Impacto 8 – International Hot (Equipe, 1968) Repleto de grandes sucessos internacionais (tem até James Brown), como sugere o título, o álbum que encerra o ciclo de carreira no qual o trombonista Raul de Souza assinava como Raulzinho é um clássico. Não só pela alquimia de ritmos – jazz, funk, soul, rock, samba, bossa – como também pela turma da pesada reunida nele. Dois anos mais tarde, depois da partida de Raul para o México (tempos depois, o trombonista consolidaria importante carreira nos EUA) parte do grupo de músicos formaria com o pianista Dom Salvador, o lendário noneto Abolição, um dos embriões do movimento Black Rio, que lançou em 1971 o clássico álbum Som, Sangue e Raça. |
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Jorge Ben (Philips, 1969) Em 1969, Jorge Ben Jor queria dar novos rumos à sua carreira. Depois de abrir mão de grandes músicos – como os pianistas Dom Salvador e Luiz Carlos Vinhas; os bateristas Dom Um Romão e Edison Machado; e maestros como Lindolfo Gaya e J.T. Meirelles –, o Babulina procurava, então, expandir horizontes. Havia passado uma temporada na casa de Erasmo Carlos em São Paulo, onde lançou, em 1967, o álbum O Bidu, Silêncio no Brooklin. A saída encontrada por ele contou com o auxílio de seu novo grupo, o Trio Mocotó. Tropicalista desde a capa, o álbum homônimo de 1969 foi conduzido pela batuta alquimista do maestro Rogério Duprat. E é repleto de clássicos: Cadê Teresa, Bebete Vãobora, Take it Easy My Brother Charles, entre eles… |
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O Som Psicodélico de LCV – Luiz Carlos Vinhas (CBS, 1968) Morto em 2001, Luiz Carlos Vinhas foi pianista egresso do mítico trio Bossa Três, que era formado por ele, o baixista Tião Neto e o avassalador baterista Edison Machado. Em 1963, o Bossa Três foi o primeiro combo de samba-jazz brasileiro (vertente instrumental da bossa nova) a assinar contrato com uma gravadora multinacional, a americana Audio Fidelity. Músico de trânsito internacional, Vinhas também foi decisivo para o som primoroso do álbum de estreia de Jorge Ben, Samba Esquema Novo. Lançado em 1968 pela CBS, o segundo álbum solo de Vinhas (o antecessor, Novas Estruturas, obrigatório!), O Som Psicodélico de LCV, promove uma fusão de gêneros, das mais deliciosas. Nele, cabe de tudo: sambão quadrado, bossa, funk, soul e boogaloo (o jazz de acento latino, e altamente dançante, que fez a cabeça de muitos jovens na virada dos anos 1960 para os 70) |
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Mustang Côr de Sangue ou Corcel Cor de Mel – Marcos Valle (Odeon, 1969) Egresso da chamada segunda geração da Bossa Nova, o compositor Marcos Valle fez grande sucesso, com composições de sua autoria e do irmão, o letrista Paulo Sérgio Valle. Uma delas, Samba de Verão, rodou o mundo em dezenas de versões e tornou Marcos conhecido na Europa e nos EUA. Em 1969, com o ambiente opressor pós-AI-5 e o celebrado Milagre Econômico, que seduzia milhões de novos consumidores de uma ascendente sociedade industrial, Marcos e Paulo Sérgio lançaram esse grande álbum – primoroso, tanto na crítica incisiva que fazia ao deslumbramento desmesurado com esses novos hábitos, como também pela rica mistura de gêneros brasileiros e estrangeiros. |
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Tom Zé – Grande Liquidação (Rozenblit, 1968) O baiano Tom Zé precisou enfrentar um ostracismo de mais de duas décadas para ser resgatado, acidentalmente, por David Byrne. Em um longo processo de mea culpa, iniciado depois do crivo de Byrne, ele foi reconhecido, até mesmo pela imprensa internacional, como gênio. Antes tarde do que nunca, diriam alguns… Fato é, desde sua estreia, em Grande Liquidação, Tom Zé deixou claro à que veio. Gravado com o grupo de rock Os Brasas, o álbum é uma pequena-obra prima. Traz além do clássico São, São Paulo, Quero Sambar, das músicas mais significativas do baiano, espécie de síntese das intenções tropicalistas, na qual ele canta “não quero vender flores / nem saudades perfumadas”. |
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É Ferro na Boneca – Os Novos Baianos (RGE, 1970) A faixa título, Colégio de Aplicação, De Vera, Curto de Véu e Grinalda, Dona Nita e Dona Helena, entre outras, não deixam dúvidas: Os Novos Baianos nasceram tropicalistas, no osso e na medula. O disco também afirma o endiabrado Pepeu Gomes – egresso do grupo de rock Os Minos –, como um dos maiores guitarristas do País. A experiência antropofágica, lógico, ganharia novos horizontes, com a aproximação do grupo e o guru João Gilberto, em álbuns posteriores, como o clássico Acabou Chorare, considerado um dos mais importantes da história da MPB, e seu sucessor, Futebol Clube, no qual, com o perdão do trocadilho raso, os baianos batem um tremendo bolão. |
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Fórmula 7 – Som Psicodélico (Parlophone, 1968) Liderados pelo trombonista e maestro Nelsinho, o Fórmula 7 foi uma das bandas instrumentais mais quentes do circuito Rio-São Paulo. Reuniu ao longo de sua história importantes músicos, como o trompetista Marcio Montarroyos, o baixista Luizão Maia, o guitarrista Hélio Delmiro e o vocalista Gerson Cortês (que depois se tornaria famoso como Gerson King Combo), entre outros. Lançado em 1968, Som Psicodélico não tem rodeios. É uma seleção festiva e dançante de temas internacionais, com uma levada explicitamente brasileira. Espécie de tropicalismo involuntário, pois, se Gil compôs Bat Macumba, e deu ao nome do morcego super-herói um poema concretista, em Som Psicodélico, uma releitura do tema de Batman também ganha acentos antropofágicos nas mãos do Fórmula 7. |
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Ronnie Von (Polydor, 1968) Chamado de Pequeno Príncipe por seus súditos de Jovem Guarda, o cantor Ronnie Von abriu mão do principado para deixar fãs e gravadora atônitos, em 1968, ao lançar um disco de forte acento tropicalista e zero apelo comercial. Homônimo, o disco mergulha no psicodelismo, desde a capa, até as vinhetas entre as faixas – como a da abertura, da canção Anarquia, na qual Ronnie telefona para o maestro Damiano Cozzella para saber dele sua opinião sobre a moda, e Cozzella responde: “Olha, Ronnie, eu acho que a moda está fora de moda!”. Antenado com as vanguardas britânicas e americanas do rock, Ronnie convocou Cozzella e o grande letrista Arnaldo Saccomani (hoje, pasmem, jurado do programa Ídolos), para compor essa pequena obra-prima, disputada a tapas por colecionadores. |
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