4×4 Resenhas – A ficção que veio do frio

1- Anjos do Universo, de Einar Már Gudmundsson

anjos-do-universoUma das figuras mais respeitadas na Islândia atualmente, não apenas por seus livros de poesia, contos infantis e romances premiados, mas também por sua atuação decisiva em momentos críticos do país, como quando denunciou as fraudes financeiras dos bancos, no crack de 2008. Nascido em 1954, formado em Literatura Comparada, Gudmundsson ficou famoso na Europa com esse Anjos do Universo, traduzido para várias línguas, que retrata com liberdade ficcional as agruras do irmão mais velho, internado num asilo de loucos e morto precocemente. O livro foi muito elogiado por nomes como Ian McEwan e ganhou o chamado “pequeno Nobel”, que é o Prêmio Nórdico de Literatura. Páll, o desafortunado irmão, já está enterrado quando o livro começa. É ele quem narra sua própria história, num misto de delírio poético, objetividade e ironia “além-túmulo” e crônica memorialística, em que lembra episódios da família, como as aventuras do pai contrabandista ou do tio que lutou na Guerra Civil Espanhola, as brincadeiras com os amigos de infância, os deslumbres com os mistérios da paisagem e lendas islandesas, e  a condição do hospital psiquiátrico em que está confinado e de seus colegas de internação. Ainda que não linear, e fluindo na estreita linha que separa a realidade da alucinação, o romance, a um só tempo leve e intenso, cativa o leitor, que dificilmente consegue parar de ler antes de chegar ao final.

Anjos do Universo
Einar Már Gudmundsson
Tradução do islandês de Luciano Dutra
2002 páginas

2-  O Segredo do Lago, por Arnaldur Indridason

arnaldur-indridason-kleifarvatnÉ difícil dizer ao certo por que um país com um dos maiores IDHs e uma das menores taxas de criminalidade do mundo se tornou tão forte na literatura policial. Parece claro, no entanto, que a quase inexistência de violência na vida real é, ela mesma, uma grande motivação para tantos autores islandeses criarem as fictícias histórias de acontecimentos nebulosos e investigações complexas. Entre estes autores, um dos mais destacados é Arnaldur Indridasson, que tem agora seu terceiro livro traduzido no Brasil – após “O Silêncio do Túmulo” (2011) e “Vozes” (2012). Assim como nas obras anteriores, o atormentado inspetor Erlendur Sveisson é a figura central de “O Segredo do Lago”. Desta vez, ele investiga o aparecimento de um esqueleto no leito seco do lago Klefarvatn, próximo à capital Reykjavíc, em uma história que remete aos tempos da Guerra Fria e à frágil posição da Islândia em relação aos gigantes EUA e Rússia. Com dois eixos principais, a narrativa alterna os entraves da investigação no presente com o passado de Erlendur na comunista Alemanha Oriental, onde o inspetor passou seus anos universitários. As conexões entre os dois eixos, as surpresas da trama e a complexidade do personagem (com seus traumas de infância e sua conturbada relação com os filhos) fazem de “O Segredo do Lago” um livro instigante, e não só para os fãs da literatura policial.   

(por Marcelo Grinspun Ferraz)

O Segredo do Lago
Arnaldur Indridason
Tradução (do inglês) de Álvaro Hattnher
Companhia das Letras
376 páginas

3 – A Raposa Sombria – Uma lenda Islandesa, por Sjón 

3bc2fcfd-78ff-429e-8d43-055db8333f2a A prosa poética, a concisão e a capacidade de criar visual e sensorialmente mundos que transitam entre o realismo palpável e a fantasia, fazem deste pequeno livro uma obra única, traduzida para várias línguas.  Começa com a descrição minuciosa de uma caçada ao raro animal do título. O ano é 1883 e o caçador um padre, Baldur Skuggason. O duelo homem-natureza se estende até um impasse, no silêncio mítico da paisagem, quando subitamente somos transportados para o universo do naturalista Fridrik B. Fridriksson e sua protegida Abba, uma garota misteriosa com Síndrome de Down, encontrada acorrentada e famélica num navio abandonado. Junto a si ela traz uma caixa, que contém o segredo de sua história e carrega cada sentença de um suspense mágico, que só poderá ser revelado após sua morte. Fridriksonn é um personagem à parte: dandy na juventude, percorre as capitais europeias atrás de experiências dignas de um Dorian Gray, até se recolher aos estudos das plantas, numa cabana no meio do nada. Aos poucos, a ligação entre personagens tão peculiares, que inclui ainda uma anão deformado, apaixonado por Abba, vai ficando mais clara, em meio à fina camada lírica que acompanha cada página. Sjón, 51, também é poeta e autor de muitas das letras de Bjork, inclusive do musical Dançando no Escuro, pelo qual foi indicado ao Oscar. A raposa sombria (azul, no original) é seu romance mais bem sucedido, tendo recebido, assim como Einar Már Gudmundsson, o maior prêmio da Escandinávia.

A Raposa Sombria – Uma lenda Islandesa
Sjón
Tradução do islandês de Luciano Dutra
Hedra
páginas

4- Someone to Watch Over Me, por Yrsa Sigurdardottir

Captura de Tela 2014-02-25 às 15.56.38 Dentre os muitos talentos da literatura policial nos países nórdicos, Yrsa Sigurdardottir, 50,  se destaca pelo estilo mais apurado, com descrições sensíveis que por vezes se demoram em detalhes aparentemente desimportantes, mas que dão um molho especial à trama. Ela também arrisca mais nos temas e na estrutura de seus romances, que misturam elementos de dedução detetivesca a sugestivas sequências de horror gótico, algumas pitadas de humor e mesmo um certo humanismo, o que talvez tenha levado alguns a chamá-la de “a versão islandesa de Stieg Larsson” (autor da famosa trilogia Millenium). Nessa que já sua quinta aventura, a advogada Thóra Gudmundsdóttir  se  vê à voltas com o incêndio criminoso de um centro moderno para jovens com vários tipos de deficiência. Contratada para tentar reabrir o caso e provar a inocência de um rapaz com Down, ela e seu parceiro e namorado Mathew vão entrevistando um por um os pais dos jovens mortos, funcionários do centro, terapeutas e burocratas do alto escalão. A coisa se complica quando surge a revelação de que uma das vítimas, uma moça completamente paralisada, estava grávida. No Brasil a autora teve lançado seu primeiro romance, Últimos Rituais, pela Suma.

Someone to Watch Over Me
Yrsa Sigurdardottir
Hodder & Stoughton
497 páginas

 

 


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