8 Empresas alemãs que se destacam pela tradição e qualidade

No momento em que grande parte do mundo consome produtos de massa, um grupo de empresários aposta na história de suas marcas para oferecer objetos do desejo, tanto em qualidade e sofisticação, quanto em preço. São peças expostas em mercados variados – moda, design, engenharia de som, artes, da papelaria, relojoaria e vidro –, criadas por empresas alemãs seculares. Passadas de geração em geração, em uma longa linhagem familiar, essas companhias investem na tradição, sem perder o foco da contemporaneidade. No entanto, preservam seus métodos artesanais (ou quase) de fabricação.

A convite do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, a reportagem da Brasileiros viajou de Munique a Berlim, passando por cidades menores, mas não menos importantes no quesito manufaturas. Em pouco mais de uma semana, oito fábricas foram visitadas e foi possível conferir por que essas empresas têm reputação excepcional em engenharia, design e inovação. Siga o roteiro.

1- O assunto é moda

Essa história tem quase 200 anos, começou em 1839 com a fabricação de luvas de couro de altíssima qualidade. A marca é Roeckl, sobrenome da família que mantém o negócio até hoje.

Artesão mostra como é feito o corte do couro. Na outra imagem, jornalista senta-se ao lado de máquina que dá os retoques finais a peça.
Artesão mostra como é feito o corte do couro. Na outra imagem, jornalista senta-se ao lado de máquina que dá os retoques finais a peça.


A CEO Annette Roeckl é a sexta geração a assumir o comando da empresa, que hoje funciona em Munique. Segundo ela, a empresa se aperfeiçoou e está ampliada, mas o conceito não mudou nesse tempo todo. Ela explica: “A autenticidade e a atenção rigorosa na seleção dos materiais e dos detalhes é algo que não mudou e não vai mudar. Nosso foco é manter o que é bom, tornando-o sempre melhor”. As luvas artesanais, produzidas uma a uma, continuam sendo a coqueluche. Para produzir um par, o trabalho é rigoroso. Primeiro, o corte. Depois, a costura. A empresa tentou substituir as velhas máquinas de costura, mas percebeu que as novas não são tão eficientes quanto as antigas. O resultado são luvas perfeitas e macias. Alguns exemplares foram atualizados, como as luvas touchline, que podem (e devem) ser usadas também para acessar dispositivos eletrônicos, como celulares e tablets, sem despir as mãos. E há também a linha esportes, ideal para amantes de ciclismo e hipismo.

2- Pincéis dos sonhos

Ao primeiro olhar, o pincel é pequeno, simples e parece impensável que custe € 1.200 (algo em torno de R$ 4 mil). Explica-se: ele é feito de pelo de esquilo da Rússia, a melhor cerda natural para a produção de um exemplar fino, próprio para aquarelas. Até o final do século 17, os artistas faziam seus próprios instrumentos de trabalho. Durante o século 18, um grupo ambicioso de jovens de Nuremberg, no estado da Baviera, começou a dominar a arte de fazer pincéis com pelo de animais e logo ganhou reputação mundial. E é em Nuremberg que funciona a cobiçada fábrica Vinci Künstlerpinsel, onde são produzidos pincéis artesanais, de excelente capacidade de retenção de cor.

Sonho dos entusiastas da arte.
Sonho dos entusiastas da arte.

Não há artista que recuse essa marca alemã. Em um espaço até modesto, cerca de 30 profissionais manipulam linhas, colas, cabos de madeira, tesouras, em um processo lento e detalhista. Um pequeno grupo trabalha o pelo em tufos próprios para cada tipo de pincel; outro trabalha cabos, ponteiras, ferrolhos. O fato é que a produção parece acontecer em um passe de mágica, com extremo capricho e precisão. Nem um fio fora de lugar escapa. Há também os com pelo sintético para artes e para a indústria da beleza, como escovas, para barba e maquiagem. Os sintéticos, claro, têm preços mais acessíveis, mas mantêm o padrão de qualidade.

3- A encantadora fábrica de lápis

Era uma vez, em 1761, o aprendiz de carpinteiro Kaspar Faber inventou o lápis de grafite, uma novidade na época. Cem anos depois, seu neto Lothar foi elevado à nobreza pelo rei Maximiliano 2º da Baviera, justamente por ter transformado a fabriqueta do avô na maior produtora de lápis do mundo. Mais tarde ainda, descendentes dos Faber se casaram com gente da aristocracia Castell. Eis que chegamos à espetacular Faber-Castell, que continua firme como a maior fabricante de lápis do mundo – mas também produz canetas, borrachas, apontadores e suprimentos para arte. A fábrica, localizada em Stein, no norte da Baviera, ao lado do castelo da família.

Castelo da Faber e alguns lápis na linha de produção da fábrica.
Castelo da Faber e alguns lápis na linha de produção da fábrica.

As máquinas trabalham a todo vapor. O grafite, colorido ou não, é prensado entre duas partes de madeira em uma operação ágil e mecânica. Depois, passam pela tintura. É um espetáculo. Metade da produção alemã é exportada. A principal subsidiária da marca está no Brasil, com cerca de 2.700 colaboradores. Empresa de capital fechado, a Faber-Castell, quando produz fora da Alemanha, mantém uma fábrica própria. O motivo? Manter o know-how em seu país de origem. A fábrica continua nas mãos da família. Quem a pilota desde 1978 é o conde Anton-Wolfgang Von Faber-Castell, de 76 anos – oitava geração. Questionado sobre a ameaça digital, ele responde: “Todo mundo aprende a escrever, precisa de um lápis. Depois, desenha. Não é um mercado que vai desaparecer”. E há também os produtos de luxo, como os da linha Graf Von Faber-Castell (graf quer dizer conde). Uma caneta de jaspe, quartzo e ouro pode custar US$ 10 mil. Achou caro? Há exemplares que chegam a valer US$ 96 mil porque trazem diamantes e outras pedras preciosas. Não são canetas para qualquer assinatura, por isso são feitas em edições limitadas.

4- Artesanato em vidros de sopro

O nome é complicado: Glashütte Lamberts. Mas entrar nessa fábrica de vidro de sopro, líder mundial em placas de vidro para arquitetura, instalada em um enorme galpão na pequena (e fria) cidade de Waldsassen é uma experiência inesquecível.

A magia do vidro.
A magia do vidro.

Primeiro porque o dono, Hans Reiner Meindl e sua mulher, Grudun, são cozinheiros de mão cheia e costumam preparar jantares no chão da fábrica, regados a vinho, sopas e lasanha vegetariana. Depois porque a fábrica em si é uma verdadeira loucura. Fornos alimentados com carvão natural atingem temperaturas em torno de 1.500 ºC. Bem resumidamente, a produção funciona assim: ingredientes como areia, sódio, cálcio e outros componentes químicos são misturados e levados para os fornos, onde essa massa se funde se torna líquida, mas espessa e da cor do mel. Dali, segue para um molde, que dá o contorno inicial do objeto a ser criado. A temperatura vai caindo, mas ainda é muito quente (1.200 ºC). Por uma espécie de canudo, homens assopram, moldando o líquido até ele ganhar o contorno definitivo. Há outro processo, em que homens balançam e, ao mesmo tempo, assopram esses canudos. Tudo é muito rápido porque a temperatura vai caindo até o líquido ir se resfriando e ficar rígido, vidro mesmo. Meindl consegue fazer nesse galpão vidros com mais de cinco mil cores e texturas. Clientes famosos? Sim, o arquiteto inglês Norman Foster e o artista dinamarquês Olafur Eliasson.

5- Precisão recuperada

Essa história começa na metade do século 19 na pequena cidade de Glashütte, região da Saxônia da Alemanha, que hoje abriga cerca de sete mil pessoas. Foi nesse povoado que Ferdinand Adolph Lange abriu uma fábrica de relógios de bolso.

Precisão em pequenos detalhes.
Precisão em pequenos detalhes.

Não era grande, tinha 15 funcionários, mas a qualidade de seus produtos acabou atraindo profissionais da alta relojoaria de outras cidades para lá. Foi o caso de Moritz Grossmann, um sujeito de Dresden que tinha a maior habilidade com a engenharia minuciosa para a criação de relógios, além de ter sido um homem de projetos ousados. Lange e Grossmann partilhavam a mesma curiosidade pelo jeito como as coisas funcionavam e tornaram-se amigos. Com a morte de Lange, em 1875, e de Grossmann, no ano seguinte, o nome dos dois foi sendo esquecido. No entanto, há seis anos Christine Hutter e um grupo de investidores internacionais decidiram recriar a marca Grossmann na mesma Glashütte, onde tudo começou. Desde a inauguração, foram lançados quatro modelos de relógios de pulso de comando manual. São colocados por ano no mercado apenas 200 exemplares de cada tipo. Acha pouco? Mas o número é impressionante, considerando o tempo de produção de cada relógio: algo em torno de seis meses de montagem. Este é, sem dúvida, um negócio em que a destreza manual não pode competir com a precisão de um robô. Christine Hutter pretende ampliar o leque produtivo até mil relógios por ano. “Queremos crescer, mas mantendo os relógios exclusivos para colecionadores”, ela afirma.

6- Ao som de pianos

Imagine uma marca que, no século 19, foi usada por Franz Liszt e Claude Debussy. Imagine essa mesma marca em um cenário mais recente, em A Night at the Opera, de Freddie Mercury, ou Hey Jude, dos Beatles, ou mesmo estrelando no cinema, no filme O Pianista. Essa marca chama-se Bechstein, fabricante de pianos de alta qualidade.

Afinação e construção.
Afinação e construção.

Fundada em outubro de 1853, logo se expandiu para Reino Unido, França, Áustria e Rússia. Só que veio a Primeira Guerra Mundial e todos os bens da família Bechstein foram confiscados como “propriedade inimiga”. Em 1920, os Bechstein conseguiram reassumir a fábrica e retomar a produção, mantendo a qualidade e tornando-se, novamente, um dos maiores fabricantes do mundo. Veio o nazismo e a fábrica passou a apoiar Hitler, até que, em 1945, os bombardeios aliados destruíram a fábrica em Berlim. Mais uma vez, a empresa começou do zero, em 1948, e nas duas décadas seguintes se fortaleceu absurdamente – entre 1950-60, colocava mil pianos por ano no mercado. No entanto, a nova situação econômica no mundo do pós-guerra complicou o negócio. Em 1992, no entanto, a Bechstein abriu uma nova fábrica, dessa vez em Seifhennersdorf, na Saxônia. Com um investimento de 15 milhões de euros, voltou a ser um dos mais importantes fabricantes de piano do mundo. Não é pouca história.

7- Mais som, só que na caixa

Dieter Burmester chama seus sofisticados sistemas de som de artesanais. “Uma tensão criativa entre o artesanato tradicional e a tecnologia de ponta”, ele explica. Sua empresa funciona desde 1977 em Berlim, quando criou um sistema de som para uso próprio. Era um amplificador acabado em folhas de ouro. Os amigos, Dieter conta, ao ouvirem aquele som quiseram um exemplar. “Eu pretendia ter um bom som no meu carro, queria que fosse o melhor, tanto em materiais quanto em qualidade.”

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Som para ouvidos exigentes.

Deu no que deu, na Burmester Audiosysteme, líder mundial em sistema de áudio de luxo para casa e carro, com exportações para mais de 50 países. Para Dieter, seu estilo se compara ao da Bauhaus (limpo e elegante). Um sistema completo pode custar o mesmo preço de um carro de luxo, com custos adicionais em caso de manutenção. Vale lembrar que Dieter é engenheiro de formação e músico – toca guitarra.

8- Porcelanas reais

A Königliche Porzellan-Manufaktur, a KPM foi fundada em 1763 por Frederico II, da Prússia. Naquela época, o nobre senhor estava sob o feitiço do estilo rococó.

Porcelana tradicional e a instalação com as peças.
Porcelana tradicional e a instalação com as peças.

Apesar da modernidade imposta pelo tempo, a marca ainda preserva o espírito da realeza. Peças lindas de decoração. Incrível perceber como algumas formas, especialmente de vasos, mudaram pouco nesses 251 anos. A KPM mantém um museu ao lado de seu showroom. Lá estão instalados fornos antigos, que foram transformados em áreas de exposição e exibem vários estágios do processo de fabricação. Grandes artistas e designers, do rococó ao modernismo, criaram projetos para a marca, que também sofreu os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Depois do conflito, a empresa operou em vários alojamentos temporários e só em 1957 voltou a se instalar em Berlim. A partir dos anos 1990, a KPM voltou a salientar as suas tradições culturais e de artesanato, redescobrindo formas históricas, cores e padrões. Uma das peças mais importantes da coleção é o jogo de jantar Berlim, criado em colaboração com o designer italiano Enzo Mari. E a marca trabalha em parceria com outras importantes grifes, como Bottega Veneta e Bugatti automóveis. Em 2011, a KPM projetou o interior de um carro da Bugatti, a primeira a ostentar componentes de porcelana. O logotipo da KPM, em azul cobalto, antes pintado em cada peça de porcelana, agora é carimbado. Mas continua tendo o seu valor.


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