O Brasil descobriu as artes visuais desde a última década. Eventos como a mostra do Painel Guerra e Paz, de Cândido Portinari, no ano passado, que conseguiu levar mais de 200 mil pessoas ao Memorial da América Latina, em São Paulo, é um termômetro disso. Ao mesmo tempo, surgem espaços para esse segmento em todo País numa velocidade impressionante. Somente no Rio, até 2014, serão três novos museus. O mesmo número de Belo Horizonte. Em São Paulo, dez equipamentos do gênero estão em construção. Quem vai alimentar tanta produção necessária para preencher esses locais? Que artistas e tendências farão parte? Quem está por trás dessas iniciativas? Haverá curadores para tanta demanda? Certamente que não, no caso da última pergunta, pois, enquanto no exterior cada curador trabalha com dois eventos por ano, no Brasil, chega a atender 35 projetos.
[nggallery id=16207]
Essas foram as questões propostas hoje, na abertura do Seminário Internacional ARTE!Brasileiros: Quem é Quem na Arte Contemporânea, quando palestrantes propuseram debate sobre expansão do mercado nacional. O evento, com entrada gratuita e que está sendo realizado no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, foi pensado para se conhecer melhor os meandros da arte contemporânea no século 21. Realizado em parceria a Latitude – Platform for Brazilian Art Galleries Abroad, o seminário reúne ao longo do dia importantes nomes do país e do exterior. A iniciativa debaterá o mercado de arte, os espaços expositivos, as instituições culturais e a geopolítica da arte, entre outros assuntos. Os integrantes dos painéis são profissionais que se destacam pelo seu trabalho e na pesquisa em diversas áreas das artes plásticas.
Afonso Luz, diretor do Museu da Cidade de São Paulo e que representou o secretário municipal Juca Ferreira, propôs uma série de pontos para discussão, com destaque para o desafio de tratar a nova realidade que se estabeleceu a partir da última década, quando o mercado de arte no Brasil expandiu tanto interna quanto externamente – passou de 0,8% para 1% do segmento mundial. Existe, segundo ele, um problema estrutural em consequência dessa aceleração espontânea, num setor de capacidade limitada. “É como se tivéssemos dois sistemas de artes”. De um lado, iniciativas que conseguem atrair 70 mil pessoas em quatro dias, de origem emergente, que começam a financiar o mercado e a dialogar com o mesmo. Do outro, um esquema secular, acadêmico, tradicional e fechado. “O desafio é conciliar os dois, estabelecer canais de diálogo.” Luz também enfatizou a urgência da criação de escolas formadoras de curadores para suprir a carência. A política cultural do município, afirmou ele, está em sintonia com esse novo cenário e é voltada para diversificar o setor de arte, com ações independentes, com postos abertos para que novos modelos de galerias surjam.
O secretário de Estado da Cultura, Marcelo Araújo, destacou o evento como espaço para reflexão das artes contemporâneas num mercado multifacetado e complexo, em mutação, porém em interação, e a necessidade de se saber quais os papeis dos agentes individuais ou públicos. No segundo caso, ressaltou o que sua secretaria tem feito como fomentadora e criadora de condições para a dinamização, a ampliação e a circulação do que se produz em São Paulo. O primeiro exemplo desse empenho é a Pinacoteca do Estado, fundada em 1908 e que sempre foi gerida com a preocupação de acompanhar o que se faz em cada época. Daí seu amplo acervo incluir obras de contemporâneos de diversos períodos, como os modernistas. Houve, porém, uma identificação maior com a contemporaneidade a partir da década de 1970.
Araújo também anunciou a construção de uma unidade da Pinacoteca em Botucatu, a primeira no interior, que será instalada no antigo fórum da cidade, projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo. A recuperação do prédio começa este ano e em 2014 deverá ser aberto ao público. “Isso abre uma nova perspectiva em nossa estratégia para ampliar a difusão de cultura no Estado”, observou. Outros modelos, destacou ele, têm sido o Passo das Artes e o Museu da Imagem e do Som (MIS). O primeiro, por dar ênfase ao experimentalismo, através da Temporada de Projetos, em sua 10ª edição. “Há total liberdade de linguagem e aposta no desenvolvimento de novos olhares para as artes”, observou o secretário. O MIS tem se evidenciado pelo foco na fotografia, com seis exposições anuais, além de bolsas para residentes e intercâmbios internacionais. O PROAC, desde o ano passado, criou um concurso para fomentar espaços visuais. Cinco foram selecionados em 2012 e cada um recebeu suporte de R$ 50 mil. Nos programas de formação, afirmou Araújo, evidentemente não se espera que todos virem artistas, mas que seja plantado nessas pessoas o interesse pela arte, que vai acompanhar a pessoa por toda a vida.
Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural apresentou alguns pontos para reflexão, em consequência das manifestações ocorridas nas ruas de todo o País ocorridas nos últimos três meses. Entre as causas dessas mudanças está o fato de que cada vez mais a legalidade se afasta da legitimidade. Não tem sido diferente com as instituições culturais. O desafio, disse ele, é ficar mais perto de quem produz arte, buscar convergência. Nesse contexto, o modelo de curadoria precisa se reinventar, apesar de pouco envolvimento das universidades para atender a demanda de pessoas que querem ser gestores, artistas etc. É preciso de reflexão na produção, na gestão ou na formação para ampliar a reflexão sobre o que está acontecendo. Enfim, aproximar o legal do legítimo. A gerente executiva da Latitude, Mônica Novaes Esmanhotto, destacou o trabalho de sua empresa na formação de pessoas e na promoção de ações culturais e intercâmbios com formadores de opinião, críticos e colecionadores, com ótimos resultados. Como aquisição de obras de artistas brasileiros. O seminário se tornou uma oportunidade pela primeira vez para levar a público a troca de experiências com nomes internacionais.
Fabio Cypriano, jornalista, crítico de arte e professor da PUC-SP, abriu o ciclo de debates lembrando que na sua universidade, há seis anos, existe um curso de formação de críticos e curadores. Depois, sugeriu temas de discussão ao longo do dia, como a importância das instituições para fomento das artes contemporâneas. Para entender o presente, é preciso compreender o passado e ele citou experiências que, em seu tempo, apostaram no novo. O que deve ser continuado hoje. A Judson Church, nos Estados Unidos, fez bem esse papel e continua, atualmente, dar espaço para novidades. A igreja protestante, de tendência progressista, tornou-se berço da dança contemporânea, com nomes como Trisha Brown e Merce Cunningham, expoentes na área. No Brasil, Walter Zanini, morto este ano, representou bem esse radar, ao comandar, entre 1963 e 1978, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), e atuar como curador das 16ª e 17ª edições da Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 1981 e 1983 respectivamente. Ele fez do MAC um laboratório, um importante espaço de experimentação para jovens talentos, como Regina Silveira e Cildo Meirelles.
Deixe um comentário