Essa é a história de um brasileiro por adoção que plantou o negócio do turismo aqui nessas terras tropicais e cujo hobby, a música, “que levou muitos de nós” – nas palavras do jurista Hélio Bicudo – “a ouvir e a pensar na vida como uma sinfonia inacabada”.
Mayer Ambar (1926-1994), O Maestro, no título da biografia recém-lançada por Fábio Steinberg, com prefácio assinado adequadamente por João Carlos Martins (It Books/Cris Correa Editorial), trocou o Cairo pelo Rio, trabalhou na Pan Am e na Panair e fundou aquela que seria maior agência de viagens do Brasil da época, a Bel Air. A energia que exala de sua saga transforma-se em um alento para todos os que são vítimas da intolerância.
[nggallery id=14892]
Ao contrário do Egito remoto de Ramsés II – de quem Moisés e os judeus tiveram de fugir -, o Egito da primeira metade do século XX acolhia com espírito amistoso a diáspora judaica, que ali começou a se estabelecer um século antes, refugiando-se dos pogroms da Europa Oriental e das perseguições na Síria e no Iraque.
Os judeus do Egito mantiveram sua identidade e suas tradições, como o shabat, mas a convivência com os muçulmanos dentro dos mesmos bairros, prédios ou ruas transcorria em grande harmonia. “Uns e outros se cruzam com naturalidade a caminho das mesquitas ou das inúmeras sinagogas”, anota Steinberg.
Nesse ambiente de respeito recíproco em que foi criado o menino Gaston (Mayer, no registro de nascimento, mas a mãe Aimeé, antes Habiba, preferiu o apelido afrancesado), os judeus egípcios galgaram status social e prestígio intelectual (basta lembrar um pioneiro, o historiador inglês nascido em Alexandria, Eric Hobsbawm). Os Ambar – o pai, Saleh, a mãe e quatro filhos, antes do caçula Mayer – estavam entre os que desfrutavam dos tempos de bonança e concórdia.
Os ventos do deserto só começaram a soprar contra a comunidade judaica ao fim da Segunda Guerra, com a turbulenta instalação do Estado de Israel nas vizinhanças e o acirramento do nacionalismo árabe e do sentimento antissionista. A decisão de partir amadurece em Ambar, ao se encharcar no livro de outro desterrado célebre, Stefan Zweig, judeu austríaco que encontra no Brasil “o país do futuro”, com a promessa de um eldorado do outro lado do Atlântico. Por Zweig, ele dispensa a Argentina, então mais próspera, destino natural dos emigrados. No encantamento de Zweig, ele escolhe o Rio de Janeiro.
Chega em 1948, com a família a tiracolo. Começo difícil, acidentado, mas logo Mayer – ele aqui deixa para trás, de vez, o Gaston da infância – irá trilhar, com sua energia de visionário, o caminho aberto por seu melhor atributo: sua simpatia carismática e cativante.
Apóstolo da harmonia e filho da tolerância, Mayer Ambar jamais se deixará contaminar por aquele ethos empresarial baseado na cotovelada e no conflito. De sorridente atendente de aeroporto a dono de sua própria agência de turismo, Mayer manterá até o fim da vida essa coerência que junta audácia e dinamismo com amizade e solicitude.
Passou pelo mundo como quem soletrasse a partitura da Sinfonia no 7, de Beethoven, aquela que, menino ainda, o fez aprender piano e se apaixonar pela música. Empreendedor de sucesso, Mayer foi, muito mais que isso, uma figuraça. A elegante narrativa de Fábio Steinberg faz enfim justiça a ela.
|
Deixe um comentário