Em 1873, o escritor russo Fiódor Dostoiévski publica seu primeiro conto, “Bobók”, no qual descreve um cenário que, para alguns críticos da época, era “aparentemente absurdo”. A história se passa num cemitério. O jornalista Ivan Ivanovitch senta-se sobre uma sepultura e começa a ouvir diálogos entre os espíritos dos mortos. A sociedade tumular transforma-se numa metonímia da aristocracia russa de então, segundo ele “de caráter questionável”, forçando-o a mergulhar numa profunda “meditação de circunstância”.
Clarissa Grassi, 31 anos, natural de Campinas (SP), mas há 27 vivendo em Curitiba, faz algo nessa linha. Ela vê o cemitério como um grande museu a céu aberto, onde estão adormecidos dados e informações históricas, sociológicas, antropológicas e da própria arte. “É uma espécie de espelho da sociedade, onde registramos nossa cultura, nossos costumes e crenças. Ali repousa a história contada de trás para a frente.” Clarissa começou a se interessar pelos mistérios da morte ainda criança. Aos 8 anos, por ocasião do falecimento de uma de suas avós, entrou pela primeira vez num cemitério. Depois, já adolescente, nos enterros de familiares ou amigos, gostava de caminhar entre mausoléus e esculturas. “Para mim, a morte nunca foi a vilã. Acho que a curiosidade se sobrepôs ao medo.”
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A partir dos 19 anos, sempre que se sentia deprimida, nervosa, era no cemitério que buscava refúgio. Hoje, ela consegue encarar aquilo que para a humanidade é o maior de todos os dramas de uma forma pouco comum. “A morte é a grande sacada da vida. É ela quem nos faz viver com intensidade o dia-a-dia, por isso é tão importante não deixarmos de tê-la sempre em mente.” Sua contribuição para apimentar o debate veio com seu primeiro livro de fotos: Um Olhar – A Arte no Silêncio. Uma obra intimista, nascida ao acaso e sem maiores pretensões. Aliás, para Clarissa, formada em relações públicas, a fotografia é apenas um hobby.
Das visitas regulares aos cemitérios nasceu o desejo de mostrar este lado lúdico que seus olhos enxergam chamado arte tumular. Ela pesquisou e fotografou o Cemitério Municipal de São Francisco de Paula, em Curitiba. Seu livro apresenta 422 fotos, quase todas em preto-e-branco, distribuídas em 152 páginas de um belo projeto gráfico. “Fotografar a arte tumular foi a forma que encontrei para mostrar às pessoas a riqueza artística de nossos cemitérios.” Vale a pena conferir.
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