O Festival de Curitiba, realizado de 29 de março a 10 de abril, chegou à sua 20a edição. Nessas duas décadas, o evento tornou-se um referencial no cenário teatral brasileiro. Pelos palcos e praças da cidade, uma plateia superior a 200 mil expectadores teve a oportunidade de assistir a mais de 400 espetáculos, divididos em 31 peças nacionais, sendo oito estreias, uma internacional e 373 outras que compõem o Fringe (franja ou margem), mostra paralela incorporada a partir de 1998.
Na primeira edição do Festival, em 1992, foram 14 apresentações: 12 em teatros e duas nas ruas. A ideia surgiu um ano antes, quando cinco jovens com idades entre 18 e 22 anos resolveram apostar no sonho de promover um Festival de Teatro. “A cidade contava com uma boa estrutura de teatros e salas de apresentação, mas pouca coisa acontecia em termos de espetáculos. Inspirados no Festival de Cinema de Gramado, resolvemos apostar na ideia”, recorda o hoje diretor-geral do Festival, Leandro Knopfholz, que, na época, tinha 18 anos. Mas a ousadia foi além. Na primeira edição, foram convidados os diretores Antunes Filho, José Celso Martinez Corrêa, Gabriel Vilela, Cacá Rosset e Gerald Thomas, entre outros. Para representar o Paraná, foi escolhido Edson Bueno.
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A busca por patrocínio era o maior desafio. “Sem dúvida, o Banco Bamerindus, uma instituição com raiz paranaense e que não existe mais, foi fundamental nessa empreitada. Aceitou o desafio e tornou-se o principal patrocinador”, afirma Knopfholz.
O apoio oficial também foi um ingrediente crucial. Por questões políticas, o governo do Estado não permitiu que o Teatro Guaíra fosse utilizado como palco principal das apresentações. Os jovens empreendedores, então, foram bater à porta da prefeitura para pedir socorro ao então prefeito Jaime Lerner. “Para nossa sorte, Lerner tinha como um de seus projetos administrativos a construção de mais um teatro na cidade. Como também se empolgou, afinal, já tínhamos um patrocínio acertado, ele resolveu antecipar a obra. Em um guardanapo de papel e, exercitando sua genialidade de arquiteto, esboçou o que quatro meses depois viria a ser a Ópera de Arame.” Na noite de 19 de março de 1992, a peça Sonho de uma Noite de Verão, dirigida por Cacá Rosset, abria o 1o Festival de Teatro de Curitiba e inaugurava a nova casa.
Crescimento espetacular
Para se ter uma ideia da importância atual do evento, nos 13 dias do festival a cidade recebeu cerca de três mil profissionais de teatro. Para a diretora e atriz Edna Ligieri, do grupo paulista RSC e que pela primeira vez participa da mostra com apresentações no Fringe, o Festival é um referencial para exposição e troca de experiências. “Estar em Curitiba nesse período é sinônimo de visibilidade.”
Se a opinião de que se trata de uma vitrine é unânime, no outro lado da trincheira a classe teatral curitibana se ressente de medidas duradouras que incentivem os artistas locais. João Paulo Godinho, diretor do grupo Por Mares Nunca Dantes Navegados, diz que os dias de glória do teatro paranaense duram apenas o período de vida do festival. Logo depois, a realidade vem à tona. “Não sinto um interesse maior do público em função do evento. Para a cidade, como atração, é um enorme sucesso, mas, como incentivo, é muito pouco.” Na mesma linha de raciocínio, o professor, escritor e mestre em Estudos Literários, Geraldo Peçanha de Almeida, da Universidade Federal do Paraná, autor do livro Palco Iluminado – 10 Anos de História do Festival de Teatro de Curitiba, que aguardava o final da 20a edição para lançar uma nova versão que discute e analisa o período 2003-2011, afirma que para a cultura os benefícios são nulos. “Em termos quantitativos, é um grande espetáculo do crescimento, afinal, de 14 peças, em 1992, evoluiu para mais de 400, em 2011. Mas isso não representa absolutamente nada para a cultura e muito menos incentivo ao teatro paranaense”, afirma. Como exemplo, lembrou que entre as 31 peças selecionadas à mostra principal, nenhuma foi produzida no Paraná, sendo 27 vindas do eixo Rio-São Paulo ou estreladas por atores globais.
Segundo Celso Curi, tradicional colaborador da Brasileiros e um dos curadores do Festival ao lado de Lúcia Camargo e Tânia Brandão, não se trata de uma questão regionalista, mas de uma série de fatores. “Não podemos dividir o Festival geograficamente. As variáveis são muitas na hora de decidir. Algumas companhias têm compromissos de agenda; outras, problemas com ensaios, atores ou mesmo dificuldades técnicas.” A seleção é feita após uma criteriosa avaliação que retrata o perfil do teatro brasileiro naquele momento.
Em relação ao Fringe não existe critério de seleção, basta a inscrição. Curi ressalta que neste ano os grupos tiveram uma participação mais intensa. “Gostei da peça Oxigênio, apresentada pela Cia. Brasileira de Teatro. Trouxemos para Curitiba 11 produtores americanos ligados a instituições culturais, museus ou independentes. Eles ficaram interessados pelo grupo Couve-flor que, aliás, não estava incluído em nenhuma mostra. Com isso, nasceu a possibilidade de uma turnê internacional.”
Outro detalhe observado pelo curador foi o interesse que o Festival despertou nos jovens. Na plateia de Murro em Ponta de Faca, de Augusto Boal e direção de Paulo José, o estudante e aluno de teatro, Maurício Gabardo Jr., 13 anos, era um dos atentos expectadores. “Gostei da história, do desempenho dos atores e ainda tive o privilégio de ver o Paulo José dirigindo o ensaio. Por ser muito jovem, não compreendi alguns fatos, mas, como lição, foi excelente”, diz Gabardo Jr.
Repercussão na mídia
A crítica enfatizou a performance de diretores, autores e atores. “Ainda que tenha acertado em algumas escolhas do eixo Rio-São Paulo, Curitiba não se destacou pelo que trouxe de fora. Ao contrário, surpreendeu pelos sinais de fortalecimento que o seu próprio teatro exibe”, escreveu a jornalista Maria Eugênia de Menezes, de O Estado de S. Paulo. O economista César Trevisan, um velho habitué dos festivais, também é da opinião de que neste ano as apresentações do Fringe foram superiores aos anteriores. Ele lamentou o fato “dessa efervescência cultural não ser permanente”. Gustavo Fioratti, da Folha de S.Paulo, selecionou cinco peças que chamou de apostas de Curitiba: Savana Glacial, Adultério, Oxigênio, Hieronymus nas Masmorras e As Próximas Horas Serão Definitivas. Apesar do morno fogo cruzado, a 20ª edição da mostra foi um sucesso de público e de resultados. “Um festival nem sempre tem espaço necessário para abarcar todos os talentos de uma só vez”, sintetizou o curador Celso Curi. O importante é que pode surgir uma nova geração de talentos. Para Maria Eugênia, talvez só reste uma certeza: “Nos próximos anos, prometem soprar do Sul os ventos que irão movimentar o novo teatro brasileiro”.
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