A arte sonora de Lenora de Barros

Aarte sonora tem feito uma curiosa reentrada na cena e no mercado da arte, ao menos desde o início da última década. Os espaços para obras com e sobre o som se ampliaram e diferentes ruídos, conversas, discursos, sinfonias, noites com DJs, canções, palavras de amor ou ódio têm sido ouvidos em bienais internacionais e feiras de arte. Mas essa nova posição (de crescente nobreza) da arte sonora mantém intocável seu maior e mais encantador mistério: é impossível encontrar para o gênero uma definição exata. Ele é sempre uma surpresa, como mostra a instalação Sonoplastia, de Lenora de Barros, em exibição na Galeria Millan, em São Paulo.

O encontro entre a artista e o som não é em nada banal. Quando fala sobre Sonoplastia, procurando definir situações que geraram a nova obra, Lenora usa as palavras infância, memória, rádio, conversa, espionagem. Ao situar a instalação no quadro geral de seu percurso de 30 anos, fala sobre um “salto”, pular de um viaduto para, em seguida, cair com os pés firmes para continuar caminhando com um ar de que nada aconteceu. Sonoplastia envolve essas relações, mas elas não pertencem apenas a Lenora. O espectador, no espaço de exibição, tem a possibilidade de ouvir sobretudo a si mesmo.
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Sonoplastia é um ambiente que ocupa a galeria da seguinte forma: nas paredes estão uma foto da artista e caixas acústicas camufladas, quase invisíveis, emitindo vozes que evidenciam diferentes situações. Alguém diz (ou reclama) estar a porta fechada, outra voz diz que quer sair, frases que definem momentos que podem ser entendidos como corriqueiros ou fantásticos, mágicos. A imaginação e a sensibilidade de quem escuta as vozes é o que define para qual lado ir e nenhum é superior ao outro. Em tudo, há alguma forma de contato, e contato é o que Sonoplastia propõe com palavra dita e ouvida.

Lenora manteve sempre uma relação estreita com a linguagem e o modo como esta traduz o mundo e a experiência de uma existência. Ela é filha de Geraldo de Barros, pertencente ao núcleo da Arte Concreta paulista no início dos anos 1950, e na formação da artista há ainda o Concretismo dos poetas Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Mas ela soma a essas influências, de um extremo rigor intelectual, o acontecimento cultural mais marcante para sua geração (e todas que vieram em seguida): o movimento punk, que fez de qualquer espaço um campo livre, ao mesmo tempo palco, prisão, centro de poder, zona de guerra, desfile de moda e show sobre a revolta juvenil e a anarquia. Trata-se de uma forma de energia voltada para a estratégia política do choque e do confronto do qual a artista tem feito uso ao exibir seu rosto, frases e imagens em exposições.

Em Sonoplastia, essa mesma Lenora permanece, há a palavra, a ironia e a provocação, mas dispostas de outra maneira. Se antes havia dramaticidade de impacto, agora tudo se passa sob um tom de contenção. A instalação é sonora, mas há uma dose de silêncio presente, porque as palavras e os eventos estão do outro lado da parede, toda a ação está lá. A galeria é a antessala dos acontecimentos. Lenora imagina a situação de uma criança, espreitando a parede, querendo saber mais sobre o que se passa do outro lado. É uma condição sem saída, fisicamente impenetrável e ainda sim guiada pela vontade, pelo desejo de saber.

Assim, Sonoplastia se parece com um jogo de pergunta e resposta, caixa de ressonância para as ansiedades dos ouvintes e espaço para a exploração nostálgica em torno dos acontecimentos apresentados pelas vozes. Para Lenora, o som é uma forma organizada de mensagem, transmitida não apenas no assunto sobre o qual as vozes falam, mas no modo como falam e se expressam, em seus variáveis tons de calma ou histeria. Há a melancolia, claro, mas ela não guia a instalação, é só um efeito colateral dessa expectativa não cumprida, a de atravessar a parede.

Para Lenora, atravessar para o outro lado tem sido na verdade um mandamento: atravessar para o outro lado da palavra, da poesia, da realidade em direção ao rosto escondido atrás da máscara. Quebrar de alguma forma a barreira ou, ao menos, produzir uma marca em sua sólida superfície a manteve motivada a fazer uso do vídeo, instalação e performance para bater contra o muro. Com Sonoplastia, ela chega a uma excitante e poderosa conclusão sobre suas experiências com imagens, linguagem e palavras: os sons atravessam as paredes, são uma forma de verdade, e podem levar os ouvidos e os sentidos a lugares onde os olhos não poderão jamais estar.

*Escritor, editor e curador de projetos culturais e de artes plásticas.

» Sonoplastia Galeria Millan (rua Fradique Coutinho, 1.360, São Paulo). Até 23/12.


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