A benção, Raul de Souza

Raul de Souza – Embaixador da Música Universal deve ser lançado no primeiro semestre do ano que vem, uma celebração aos seus 75 anos de idade, 55 de carreira. Na realidade, a marca foi atingida em 2009, mas é só agora que a edição comemorativa está prestes a ser finalizada, com cenas inéditas do compositor e outras entrevistas.
[nggallery id=13892]

Raul, não fosse por um empurrão de uma lenda, talvez ainda se chamasse João José Pereira de Souza, como foi batizado no Rio de Janeiro, em agosto de 1934. Raulzito, o apelido que se tornou nome próprio, veio da época em que o músico se apresentou no show de calouros de Ary Barroso. Depois de conquistar dois prêmios no programa, com nota máxima dada pelos jurados, o jovem – que trabalhava em uma fábrica de tecidos, em Bangu, e também fazia parte da banda dos funcionários – chamou a atenção de um flautista.

Em 1955, o “padrinho” – como Raulzito se refere a Altamiro Carrilho – vendo o feeling que o trombonista tinha com o instrumento, fez a ele um convite à arte do improviso. Junto de Edison Machado, Baden Powell, Zé Bodega e Sivuca, que havia recém-chegado ao Rio, Altamiro e Raul fizeram dois discos com a Turma da Gafieira, como o grupo ficou conhecido. As gravações não chegaram a ser lançadas, mas, segundo o músico, ainda existem: “Eu sempre digo para o Altamiro que a gente precisa lançar a Turma, mas ele não quer saber mais disso”, ele ri.

Daí para o mundo foi um pulo. Depois de passar pela banda da Aeronáutica, em Curitiba, Raul de Souza conheceu Sérgio Sergio Mendes, participou de gravações com o Sexteto Bossa Rio, excursionou pela Europa e lançou seu primeiro LP solo, À Vontade Mesmo (1964). De volta ao Brasil, seguiu caminhos mais populares: arranjador do conjunto RC-7, que acompanhava o cantor Roberto Carlos, o compositor participou da orquestra do rei e fez uma ponta no longa-metragem Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, de 1967.

A voz rouca de Raulzito, grave, digna de um bluesman de Chicago, fala pouco durante o concerto, mas chama com entusiasmo os preciosos convidados para a gravação do DVD: João Donato, Hector Costita e Altamiro Carrilho. “Nós aqui, Altamiro, (Hector) Costita, Donato, somos os pioneiros da música instrumental moderna brasileira. A gente abriu o espaço para os músicos que gostavam do improviso”, diz ele. No repertório, além de composições suas – do samba ao fusion -, o trombone de Raul de Souza faz de Nelson Cavaquinho e John Coltrane obras ainda mais primas do que já o são por si mesmas.

Com mais de meio- século de carreira contabilizado e álbuns lançados nos Estados Unidos, ele sabe bem o que é dividir palco e partitura com estrelas. Sonny Rollins, Tom Jobim, Chick Corea, Hermeto Pascoal, Dizzy Gillespie, a lista não termina. Das vontades que passou, de gigs que foram apenas sonhos impossíveis, ele só se lembra de duas: Coltrane, “que seria a glória total da minha vida”, diz, e o trombonista alemão Albert Mangelsdorff. “Eu queria ter estudado com ele. Albert inventou os acordes do trombone. Quando fui tentar conhecê-lo, descobri que fazia alguns meses que tinha morrido. Ele era o cara”, lamenta o brasileiro.

Não seja por isso. Se o alemão inventou os acordes, a Raul coube a tarefa de experimentar sua ferramenta, que acabou se transformando no conhecido e intrigante “Souzabone” – um trombone adaptado, com quatro pistões, em notas cromáticas. Foi na década de 1970 que o músico decidiu eletrificar o instrumento e pedir a um luthier que adaptasse suas ideias, resultando em uma sonoridade diferente, facilmente percebida no disco Don´t Ask My Neighbours (1978). No concerto realizado no SESC, o músico alternou entre o formato tradicional e a sua criação, e usou pedais de efeito para dar mais molho a sua obra.

Raul de Souza é jazz, samba, gafieira e improviso. “A coisa nossa é a seguinte: o norte-americano pensa em compassos 4/4, fala em 4/4, toca em 4/4 e anda em 4/4. Nós, brasileiros, falamos em 2/4, que é o sentido do samba e da língua, do idioma. É aí que está a diferença, na nossa malícia de interpretar. Eu ensinei muita coisa para o Dizzy Gillespie.”. Estalando os dedos, Raul de Souza explica calmamente a ginga da música brasileira. E continua ensinando muita coisa.


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.