Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil (Editora Cosac Naify, 745 páginas) tem a mesma importância de algo como os dicionários Houaiss e Aurélio ou História da Música Popular Brasileira e Nosso Século, da Editora Abril: uma obra com fôlego imenso, capaz de conter um universo inteiro em si mesma.
E, nesse caso, o universo que Chico Homem de Melo encontrou para conter – e Elaine Ramos arrumou para podermos olhar – é talvez mais revelador. A língua portuguesa está intuída na fala, a música no ouvido e a memória política nas discussões sobre o governo. Mas o modo de representar o olhar é algo muito reprimido na cultura brasileira. Para dizer o mínimo, não há nenhum retrato de nenhuma pessoa que tenha vivido em São Paulo antes do século 19. Desse período só foram encontrados ralos desenhos da cidade, cujo número cabe nos dedos de uma mão. O mesmo vale para todo o restante do Brasil.
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As únicas atividades visuais permitidas eram as esculturas de santos e a decoração. Não se tratava de algo ibérico ou católico, mas de uma política específica da metrópole lusitana. Enquanto, no mundo espanhol, Lima tinha jornais diários no século 17 e as reduções jesuíticas do Paraguai tinham gráficas para imprimir bíblias em guarani, Portugal perseguiu cada tipógrafo que entrou no país. O único real sucesso da colonização foi prender e processar todos que tentaram, até 1808.
Isso basta para explicar por que o design no Brasil só começou depois dessa data. Mas o real valor do livro é mostrar como a atividade que se iniciou muito tarde construiu um olhar para o País que se fez por fora da balofa cultura de elite – tanto imperial como das várias aristocracias republicanas.
O livro mostra duas linhas se cruzando ao longo do tempo. De um lado, a cultura popular: jornal, revista, disco, cordel, rótulo de cachaça. Em paralelo, os insatisfeitos com a imitação, os que olhavam mais ao redor que o mundo distante: romancistas nacionalistas no século 19, vanguardas variadas no século 20.
Só esses foram capazes, por muito tempo, de enxergar aquilo que João do Rio definia como “a alma encantadora das ruas”. Longe dos salões, dos ambientes fechados, foram construindo uma imagem iconográfica realista do Brasil – obra monumental que aparece em sua inteireza nesse livro.
Na esteira de trabalhos como a do pioneiro Milton Cipis sobre rótulos de cachaça, a avaliação criteriosa dessa imensa produção estética dá um passo imenso com esse trabalho. Foram três anos de imensa pesquisa entre páginas e objetos que raramente merecem a benevolência de um olhar interessado. Tudo posto junto, o conjunto salta aos olhos.
É especialmente eficaz a sistematização por tipos de produção. Se pode eventualmente provocar a exclusão de algumas obras, tem a grande vantagem de permitir comparações claras entre períodos, revelando tendências e rupturas. As 745 páginas do volume valem uma por uma. E a soma de todas traz uma nova dimensão para um olhar sobre nós mesmos.
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