O surgimento da Caixa Preta de Itamar Assumpção, contendo os dez discos de sua carreira e mais dois inéditos, é mais um passo na construção da memória de um dos mais originais compositores brasileiros. Pretobrás, biografia e songbook em dois volumes, trazendo o trabalho autoral de Itamar, inaugurou, em 2006, esse processo que tem continuidade com lançamento do filme produzido pelo Itaú Cultural que traz a trajetória do artista.
Há quem sonhe com um portal do Beleléu na internet. O songbook-biografia foi editado pela Ediouro e ainda se encontra em estoque. A Caixa Preta saiu pelo SESC e a exemplo de todas as iniciativas tem o aval de Elizena, a Zena, viúva do artista, e de Anelis e Serena, filhas do casal. Itamar Assumpção morreu em 2003. Em 13 de setembro de 2010, completaria 61 anos.
Na verdade, a Caixa Preta de Itamar é responsável por esse mutirão formado pela família, amigos, jornalistas, pesquisadores, admiradores e fãs. Na virada do milênio, o gênio genioso cismou em reunir sua obra em uma caixa. Exigente, não pensou em simplesmente reeditar os discos. Afinal, como todo artista independente, Itamar ia gravando onde e como dava e foram poucas as fitas master que sobraram de seus 10 discos. Explica-se: master são os registros originais das gravações, seja em fita ou arquivo de computador, seja lá qual o sistema utilizado, essa master conserva as interpretações originais antes de qualquer tratamento ou efeito – antes da era digital, a cada etapa, a qualidade ia se perdendo. A existência de todas as fitas master de Jimi Hendrix, Beatles, Milton Nascimento, Wilson Simonal e outros artistas ligados a grandes gravadoras permite que os discos originais sejam remixados e que músicas, versões alternativas e conversas de estúdio, sejam recuperadas com a máxima fidelidade. No caso dos independentes, os estúdios realizavam a mixagem (opção artística de cada faixa) em uma segunda fita e masterizavam (faziam os ajustes técnicos necessários) em uma terceira que era enviada para a fábrica para a prensagem do disco. Disco pronto, os técnicos pegavam as fitas master e de mixagem e, por questões econômicas, as reaproveitavam, gravando por cima. Bye, bye.
Pois o doido do Itamar cismou em regravar todos os seus discos com os arranjos originais. Tocar tudo de novo. Para isso, recrutou as Orquídeas – banda feminina que criou nos anos 1990 que era composta por Lelena Anhaia, Nina Blauth, Míriam Maria, Geórgia Branco, Clara Bastos, Adriana Sanchez, Simone Sou, Renata Mattar, Simone Julian e Tata Fernandes. Às interpretações dessas, seriam somadas participações dos músicos da banda Isca de Polícia e outros artistas. A Orquídea baixista Clara Bastos foi encarregada de transcrever a “itamarália” para as partituras. Aí, veio a doença e ele se foi. Mas o trabalho prosseguiu. Assim, a parte songbook de Petrobrás foi escrita exclusivamente por Clara – a parte editorial ficou a cargo de Mônica Tarantino e deste que vos escreve.
A CAIXA NO PALCO | |||
A Caixa Preta será lançada com uma série de shows dedicados a cada disco que serão realizados no SESC Pompeia, em São Paulo, na segunda quinzena de outubro. Confira a programação: | |||
Dia 15, sexta-feira – choperia –Beleléu, Leléu, Eu(1981) – Show de Isca de Polícia com participação de Lenine –Às Próprias Custas S/A(1982) – Show das Porcas Borboletas com BNegão e Denise Assunção Dia 16, sábado – choperia Dia 23, sábado – teatro |
Dia 24, domingo – teatro –Bicho De 7 Cabeças – Vol. III –Ataulfo Alves Por Itamar Assumpção – Pra Sempre Agora(1995) – Show das Orquídeas do Brasil com Jards Macalé e Zezé Motta Dia 29, sexta-feira – teatro Dia 30, sábado – teatro
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DISCOS | |||
– Beleléu, Leléu, Eu (1981) – Às Próprias Custas S/A (1982) – Sampa Midnight (1985) – Intercontinental! Quem diria! Era só o que faltava!!! (1988) – Bicho de 7 Cabeças – Vol. I, II e III (1993) – Ataulfo Alves por Itamar Assumpção – Pra Sempre Agora (1995) – Pretobrás Vol. I – Por Que Que Eu Não Pensei Nisso Antes… Vol. I (1998) – Vasconcelos E Assumpção – Isso Vai Dar Repercussão (2004) – Pretobrás II – Maldito Vírgula (2010) – Pretobrás III – Devia Ser Proibido (2010)
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Na presente Caixa Preta, o trabalho de remasterização foi feito a partir dos discos em vinil, o mais perfeito possível para compensar a ausência das fitas master (exceto nos poucos casos em que existiam). Os CDs são apresentados em versões similares às lançadas originalmente, e a caixa é acompanhada por um livreto, com uma foto de Vânia Toledo na capa, com textos para cada disco escrito por pessoas relacionadas ao trabalho de Itamar, caso de Marta Amoroso, Théo Werneck, Patrícia Palumbo, Zélia Duncan, Paulo Betti, Leide Moreira Jacob, Arnaldo Antunes e Carlos Rennó. As ilustrações e a concepção visual são de Antonio Peticov e o projeto gráfico, do Estúdio Amarelo. Os 12 CDs e o livreto foram acondicionados em um modelo de caixa preta, caixa preta mesmo, aquelas de avião, que, na verdade, são abóbora.
Como se previsse tudo, Itamar passou seus últimos meses de vida perambulando por estúdios gravando novos temas, composições que nunca havia gravado, acumulando um vasto material que levou muito tempo para ser reunido por Zena, Anelis e Serena. Eram tantas músicas que rendeu de cara dois CDs em um total de 30 músicas. Em um processo semelhante utilizado em Anthology dos Beatles, que trazia “Free as a Bird”, uma música construída em cima de uma gravação caseira de John Lennon, que havia morrido mais de uma década antes, os discos foram divididos em Pretobrás II – Maldito Vírgula, produzido por Beto Villares com direção artística de Anelis, Serena e Villares, e Pretobrás III – Devia Ser Proibido, produzido e dirigido por Paulo Lepetit.
Pretobrás II é um disco de produtor e tem como convidados as Orquídeas, Elza Soares, Edgard Scandurra, Denise Assunção, Seu Jorge, Curumin, BNegão, Duofel, Arnaldo Antunes, as Negresko Sis (Thalma de Freitas, Anelis Assumpção e Céu) e as cantoras originais da banda Isca, Suzana Salles, Vânia Bastos e Virgínia Rosa. Pretobrás III é um disco de banda, parte pilotado pela banda Isca, atualmente formada por Lepetit, este que vos escreve, Marco Costa, Bocato, Vange Milliet e Suzana Salles, parte pilotado por Naná Vasconcelos, e que conta com diversas participações como Jean Trad, Scandurra, Zélia Duncan, Webster Santos, Arrigo Barnabé, Alzira Espíndola e Ney Matogrosso.
Como escreveu Luiz Tatit no songbook: “Itamar era dotado de um verdadeiro manancial criativo (…) nem o disco lhe parecia suficiente. Seu ponto de partida era, no mínimo uma trilogia”. Por que não uma caixa? Itamar Assumpção vive.
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