A fotografia fez sua entrada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, no início dos anos 1980, quando existiam na cidade apenas duas galerias que se dedicavam exclusivamente a ela: Álbum, de Zé de Boni e Janine Decot, e Galeria Fotoptica, capitaneada por Thomaz Farkas. E foi exatamente naquele ano que o MAM organizou a I Trienal de Fotografia. As imagens premiadas foram doadas ao museu que, assim, iniciou sua coleção. Participaram 71 autores de estéticas e temáticas diferentes. No texto de apresentação do catálogo, o crítico Moracy Oliveira se perguntava sobre a existência da fotografia brasileira: “Esta conclusão cheia de dúvidas é hoje possível porque os últimos dez anos foram marcados por uma rápida e ainda inexplicada expansão da fotografia no Brasil. De desconhecida atividade profissional, ela se transformou em arte, em linguagem possível de ser articulada, em sinônimo de expressão pessoal e, nessa mudança de conceito do público, ela foi protegida por críticos, por revistas, por artistas e pela publicidade”. O fato é que, depois dessa, não houve outra Trienal.
Cinco anos depois, com curadoria de Paulo Klein, o museu abrigou a I Quadrienal de Fotografia e a história se repetiu: os autores doaram suas obras e o evento ficou só na primeira edição. Na época, Klein refletiu: “Esta Quadrienal é um imenso painel das verdades brasileiras, pré e nova República reajeitando as pernas para um tempo novo, entre Belém e Maranhão, Porto Alegre e Distrito Federal, Sampa, Rio e Bahia de Todos os Santos”.
Enquanto a fotografia ganhava destaque também como objeto de arte, o MAM, apesar das iniciativas, continuava tímido com relação à coleção. Em 1996, no entanto, inaugurou um debate em torno do tema e, mais uma vez, artistas doaram seus trabalhos para a casa. Nessa época, surgiram etiquetas para a fotografia (pura, contaminada, expandida…) e textos publicados na Europa e nos Estados Unidos passaram a discutir o caráter artístico das imagens.
No Brasil, algumas instituições começaram a reforçar o fenômeno. O MASP criou a Coleção Pirelli; o Instituto Moreira Salles iniciou seu acervo iconográfico pautado também na fotografia. Tadeu Chiarelli, ex-curador-chefe do MAM, escreveu no texto do catálogo Fotografias no Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, de 2002: “Entre 1985 e 1995, outras poucas fotografias vieram a se somar a este núcleo original, fazendo com que, em dezembro de 1995, o acervo de fotografia do museu contasse com 140 obras”.
O grande salto aconteceu, sem dúvida, com a criação do Clube de Colecionadores de Fotografia, em 2000. Desde 2006, a curadoria desse “espaço” está nas mãos de Eder Chiodetto, que este ano, organizou a exposição Poder Provisório. Nela, foram expostas 85 imagens selecionadas do acervo do museu. Muito mais do que uma retrospectiva ou uma apresentação, a mostra foi uma reflexão sobre o papel de uma curadoria e de como se forma um acervo de museu. Em outras palavras, quem decide o que entra em uma coleção.
Chiodetto, por e-mail, explica como pensou essa mostra: “Na minha opinião, quem diz o que pode e o que não pode entrar em um acervo do museu é a história. Esse é um bom índice. Mas como avaliar trabalhos contemporâneos a ponto de chancelá-los como arte hoje em dia? Essa questão foi uma pergunta que me fiz ao pesquisar o acervo do MAM-SP e descobrir, por exemplo, muitas imagens de fotojornalistas, como as de Orlando Brito. Em dado momento, o conselho de arte do museu considerou oportuno integrar ao acervo fotos registradas nos bastidores da política em Brasília. No entanto, elas raramente são expostas nas mostras coletivas. Talvez porque sejam de cenas históricas que, em um primeiro momento, parecem nada dialogar com um acervo de caráter mais experimental e menos documental. Ao colocar essas imagens ao lado de outras mais conceituais, perpassando os mesmos temas, tentei criar uma porosidade, uma tensão como se estivéssemos rivalizando reportagem com crônicas. Foi um projeto curatorial que tentou, na experimentação, mostrar a fragilidade dessas nomenclaturas – arte, fotojornalismo, documental, conceitual, experimental – e, dessa forma criar relações mais intensas e complexas entre os registros fotográficos. Logo, quem diz o que é ou não também é o pesquisador, ele tenta ligar os pontos entre símbolos aparentemente distantes, e o público, que tem a possibilidade de exercer seu ponto de vista crítico a partir de propostas menos dogmáticas”.
Dessa forma, de tempos em tempos, o museu revisita seu acervo, nos apresenta olhares da fotografia brasileira e nos ajuda a entender nosso País por meio de imagens. Atualmente, entre doações, aquisições e por meio do Clube de Colecionadores de Fotografia, o museu conta com mais de 1.400 imagens e 185 artistas, de acordo com Cristiane Gonçalves, coordenadora do acervo.
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