Foto: Egberto Nogueira / Imã Fotogaleria
Consumo em alta: Casas no bairro da zona sul de São Paulo. Antigo bairro popular que agora recebe moradores da classe média

O Brasil está bem melhor do que muitos outros países e enormemente melhor do que no passado. Como estaríamos agora se nosso quadro macroeconômico fosse similar ao que tínhamos em 2002, com a taxa de câmbio nas estrelas, a inflação perigosamente alta, a indústria na ressaca do apagão e uma montanha de incertezas políticas? Melhor nem tentar imaginar… Vamos fazer um longo voo panorâmico sobre a economia brasileira e você, caro leitor, terá elementos suficientes para montar seu próprio cenário para os próximos meses. De nossa parte, e sem querer contaminar suas projeções, temos certeza de que a crise é muito grave, sabemos que ela já mudou resultados e planos de vários setores de atividade, deve reduzir o emprego e, seguramente, vai impor ao Brasil um crescimento bem mais tímido em 2009 e 2010. Mas estamos longe de uma recessão. Bem ao contrário, temos elementos para manter uma rota modesta de crescimento, fazendo escolhas e mantendo a disciplina que vem pautando a política econômica há quase uma década.

Ano novo é o momento propício para a elaboração de previsões. No turbilhão de uma crise econômica de enorme magnitude, elas assumem um caráter oracular e podem ser usadas para finalidades distintas, desde as motivações políticas mais óbvias de diminuir os louros governistas com o bom desempenho econômico, até as vinculadas aos interesses de grupos ou setores produtivos em busca de apoio. Existe e justifica-se uma perplexidade generalizada no País acerca do tamanho e dos efeitos da crise econômica mundial sobre o Brasil. Logo no momento em que o País entrou na tão esperada rota do crescimento, é legítimo querer projetar o grau de otimismo ou pessimismo adequado à situação. Ou, em outras palavras, como se comportar diante de uma realidade que mudou, mesmo que ninguém ainda saiba para onde exatamente.

No bombardeio pesado de informações e opiniões de todos os calibres, qualquer cidadão comum corre o risco de ficar perdido no fogo cruzado, sem saber atrás de qual trincheira se posicionar. O mais difícil é discernir no meio de tudo o que é real e o que passa a ser criação de um sentimento coletivo, muitas vezes alimentado pelos meios de comunicação e seguramente tornado mais dramático pelas voláteis idas-e-vindas dos mercados financeiros. Não dá para dizer o que é verdade e o que é mentira. Nem cabe essa pergunta, mas cabe, sim, um esforço de serenidade – esquecendo as contas em dólar a pagar ou inexistentes ganhos financeiros no ano – para entender o que, de fato, está ocorrendo na nossa economia como consequência da crise mundial.

Por isso, a proposta aqui é a de procurar mapear o ambiente em que se trava a batalha das informações – se é que ela existe -, identificar o que está em questão e dar ao leitor elementos para montar seu próprio cenário, sua projeção econômica para o ano que começa.

Os resultados do PIB até o terceiro trimestre de 2008 foram muito eloquentes, ninguém negou. É certo, também, que a esses números não estão incorporados os efeitos do agravamento da crise, ocorrido a partir de meados de setembro. Portanto, dizem os mais céticos, “o pior ainda está por vir”, o que não deixa de ser verdade. Mas, o que se deve entender por “pior”?

Feitas as contas, como estamos nós?

A despeito da divulgação de resultados extremamente positivos para o PIB até o terceiro trimestre de 2008, uma pesada onda de ceticismo espalhou-se sobre o debate econômico no País em dezembro. O terceiro trimestre não foi contaminado pela piora do cenário externo ocorrida a partir de meados de setembro, é bem verdade, mas esses números do PIB têm algo a dizer sobre o futuro.

Muitos devem se lembrar dos carrinhos de fricção com que brincamos na infância. Dado o impulso, ele assume velocidade e segue, mesmo sem impulso adicional. Pois bem: o caminhãozinho da economia brasileira vinha rodando com o maior impulso desde muito tempo, o que lhe deu força para ainda fazer um bom trajeto na inércia do movimento anterior.

Cenário positivo

por Miguel Jorge*

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) trabalha direta ou indiretamente com todos os segmentos do setor produtivo instalados no Brasil. Acredito que os efeitos dessa crise não serão tão danosos para o conjunto da atividade produtiva porque o governo está adotando as medidas necessárias para garantir o crescimento global da economia, assegurando crédito e estimulando o consumo e a produção em vários segmentos.
Apesar de ainda não termos a dimensão exata do tamanho e da duração da crise, alguma desaceleração do nosso crescimento econômico pode ser esperada porque alguns agentes adiam decisões importantes até que se perceba a dimensão real do que estamos vivendo.
De qualquer modo, o desempenho positivo da economia brasileira nos últimos anos certamente nos permite enfrentar esse momento de turbulência com muito mais tranquilidade do que em outras crises econômicas que já enfrentamos. O importante é mantermos as boas condições dos fundamentos da economia com políticas que promovam a continuidade do crescimento da demanda doméstica e do volume de crédito da economia para financiar quem produz e quem consome.
O panorama dos investimentos no Brasil nos últimos trimestres, até setembro de 2008, não se retraiu. Há 19 trimestres consecutivos, o nível de investimentos apresenta crescimento bem acima do crescimento do PIB. É natural que haja uma acomodação dessas taxas.
Diversos setores da economia brasileira vêm registrando expansão do emprego formal ou redução da taxa média de desocupação. Essa tendência pode ser afetada com a crise financeira internacional, mas, ainda assim, o mercado interno deverá ajudar na manutenção dos níveis de emprego no País, caso as exportações reduzam seu ritmo de crescimento.
O MDIC desenvolveu uma articulação com outros ministérios para permitir a desoneração temporária do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre automóveis, implementada em dezembro. Além disso, a agenda de trabalho que me orienta é pela desoneração dos investimentos, pela expansão das exportações e pelo fortalecimento da capacidade de atuação do BNDES no financiamento de longo prazo das empresas brasileiras.
As medidas adotadas pelo governo no segundo semestre de 2008 contemplam setores importantes, como automotivo, bens de capital e construção civil. Eu destacaria uma medida importante beneficiando outros setores que são

grandes empregadores. Trata-se da segunda fase do Programa Revitaliza do BNDES para as indústrias intensivas em mão-de-obra que foi fortalecida com mais R$ 4 bilhões.
Tomando o caso da indústria automobilística, suas perspectivas nos mercados emergentes de países como Brasil, China, Índia e Rússia são animadoras. São mercados em expansão e com mudanças socioeconômicas significativas. Os emergentes podem surpreender nos próximos anos e o Brasil certamente terá um papel de maior destaque.
A situação da indústria automobilística no Mercosul está bem encaminhada porque já temos comércio livre acordado com a Argentina e mantivemos entendimentos firmes com os demais sócios para a construção de um acordo para o setor entre os quatro países do bloco. Já temos mercado livre com o México e com o Chile e poderemos produzir mais avanços no futuro porque esse é um setor com efeitos sobre muitas outras cadeias produtivas. O crédito está fluindo e logo deveremos ver os resultados dessas medidas de incentivo.
A rigor, não é possível prever com exatidão qual será a evolução do emprego, mas as perspectivas são de que as medidas do governo surtam os efeitos para que as empresas continuem investindo, exportando e gerando os empregos necessários.


No final de 2009, acredito que o País estará ainda fortalecido em termos de indicadores econômicos e sociais. O governo está empenhado em manter o ritmo, seja do investimento estatal em obras de infra-estrutura do PAC, seja do investimento privado via BNDES como um dos instrumentos essenciais para garantir um bom nível de crescimento sustentado nos próximos anos. O conjunto de medidas implementadas até agora já está ajudando a atenuar os impactos da crise.”


*Miguel Jorge é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

Mesmo com quatro meses de crise, o PIB brasileiro será cerca de 5% maior em 2008. Foi um ano de crescimento sólido dos investimentos e consumo das famílias. De fato, os números levantados até o terceiro trimestre apontaram que a formação bruta de capital fixo atingiu sua maior proporção em relação ao PIB: 20,4%; e isso é um bom sinalizador de que uma parte do crescimento de 2008 potencializará o de 2009.

Pelo lado do consumo, a expansão no terceiro trimestre de 2008 confirma o elevado aquecimento do comércio doméstico. No entanto, já se verifica que alguns segmentos vêm perdendo o alto ritmo de crescimento dos últimos anos. Ainda é cedo para falar de todo 2008, mas a Pesquisa Mensal do Comércio de novembro apontou desaceleração desse crescimento. Isso significa dizer que parte do comércio já sentiu os impactos do crédito restrito, como o setor automotivo, mas que outra parte acompanha o patamar das vendas realizadas ao longo do ano. Uma diminuição do consumo pode trazer, pelo menos, dois impactos imediatos e positivos para a economia nacional: menor pressão inflacionária e uma necessidade menor de importações.

A queda no consumo também implica menor utilização do parque produtivo. E esse sinal já pode ser observado em diversos segmentos da indústria, elevando os estoques em alguns casos. No conjunto, isso arrefece os ânimos dos investidores. Somando um menor crescimento previsto do comércio interno, com a diminuição das vendas ao exterior e a elevada restrição ao crédito, chega-se a um desestímulo ao investimento na produção, que certamente não repetirá o comportamento de 2008. Mas não se pode esquecer que o governo agiu e está agindo para impedir uma queda forte demais na produção.

A construção civil, protagonista do desempenho de 2008, teve um ano memorável. Já embalada nos dois anos anteriores, a disponibilidade de recursos e a melhora no emprego e rendimento das famílias criaram o quadro propício para sua expansão. É sabido que a construção é um setor movido a crédito e renda, exatamente o que está periclitando agora. No entanto, os empreendimentos em construção dificilmente serão suspensos e, do lado de grandes obras – e aqui se deve dar a devida importância aos investimentos no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal -, há um bom volume de recursos já liberados e projetos em andamento. Portanto, o efeito multiplicador da cadeia da construção no conjunto da economia não deve ser negligenciado.

No mercado de trabalho, tudo indica que as demissões vão aumentar no início de 2009. Volta das férias coletivas, piora das expectativas e a divulgação de indicadores menos favoráveis da economia devem completar um ambiente mais sombrio para os primeiros meses do ano.

Vem das contas externas parte substantiva do impacto da crise no Brasil. O País acumulou um volume significativo de reservas internacionais, que tem dado certo conforto para as autoridades intervirem no mercado de câmbio e ainda estimular o crédito indiretamente. Porém, a volatilidade da taxa de câmbio é um problema que não deve se resolver rapidamente. Analistas projetam que a forte depreciação sofrida em 2008 vai atenuar-se nos dois anos seguintes, mas é muito difícil casar um câmbio projetado com a dinâmica dos mercados internacionais nesse momento. Enquanto isso, os exportadores ‘ganhariam’ alguma competitividade com o real menos forte, ao mesmo tempo em que enfrentam preços internacionais muito mais baixos para seus produtos. De todas as maneiras, as estimativas são de uma importante redução do saldo comercial em 2009 e 2010.

Os investimentos estrangeiros produtivos cresceram muito pelo mundo afora em 2007. No Brasil, eles foram mais dinâmicos que os investimentos nacionais naquele ano. Só que agora tudo mudou. Falta crédito, as matrizes das empresas transnacionais tiveram perda e demandam recursos de suas filiais, as decisões de novos investimentos estão paralisadas em muitos casos. Se houver novos investimentos, eles irão para os países mais sólidos. O Brasil deve estar nesse páreo, inserido cada vez mais nos fluxos de produtos e capitais internacionais.

Melhor para o Brasil

por Zeina Latif*

“Acrise já atingiu o setor produtivo no Brasil. Isso ocorreu basicamente por meio de uma queda rápida e forte no crédito. A crise encontrou o País com o crédito superaquecido, talvez até de forma exagerada para alguns setores, como a indústria automobilística, com a concessão de financiamentos a prazos que ultrapassavam até mesmo o período de depreciação do carro. O problema de liquidez se impôs rapidamente por aqui e os setores mais sensíveis a crédito, como o automobilístico, sentiram na veia essa restrição. Isso tudo tem um impacto crucial nos indicadores de produção industrial e o movimento de queda é muito rápido.

A construção civil também vem sofrendo com o enxugamento do crédito. Empresas listadas em Bolsa se defrontaram com queda rápida de seus preços e assim realizaram ajuste abrupto de investimentos, de forma a preservar e ampliar seu caixa. Mesmo com as políticas adotadas para proteger o setor e garantir recursos, é bastante provável que grandes empreendimentos deixem de ser realizados. Por isso, é mais ou menos consensual no mercado a idéia de que o desempenho da indústria no final de 2008 vai ter uma diminuição acentuada. Para o PIB todo, é possível que o quarto trimestre do ano passado represente uma queda entre 0,5% e 1%.

O setor exportador está e continuará sentindo os efeitos de uma redução dos preços internacionais, da escassez de crédito e do encolhimento do comércio mundial. O Brasil já vinha vendo seu volume exportado cair, mesmo antes do agravamento da crise. De qualquer forma, menos de 15% de nossas exportações destinam-se aos Estados Unidos e cerca de 23% à União Européia. Isso significa que uma parte importante dirige-se a mercados não submersos na

recessão. Em outras palavras, hoje nossa pauta é mais diversificada do que no passado e bastante mais do que a de outros países da América Latina, o que pode funcionar como um colchão na crise mais geral. Além disso, a crise pegou a economia brasileira no auge de sua aceleração. O País beneficiou-se da estabilidade conquistada, está longe de situações de impasse, como em 2001, com a crise energética , ou 2002, quando o Brasil era o centro do turbilhão. A tendência para o Brasil, portanto, é ter um desempenho bastante melhor do que seus pares. Mas a crise existe e é grave, mesmo se não podemos prever a amplitude e duração de seus efeitos.

As vultosas perdas e destruição de riqueza devem ser digeridas pelo lado real da economia. Como vai acontecer esse processo, não se pode dizer com segurança, pois ninguém sabe qual é a real dimensão e a duração da crise. As projeções de crescimento para a economia mundial situavam-se, em dezembro de 2008, na casa dos 2%, mas há ainda muitas incertezas. A recessão nos EUA e na Europa tende a aprofundar-se. Nesse sentido, os próximos meses são cruciais. Em princípio, não se pode descartar outra rodada de queda de preços de ativos ocasionada pela desalavancagem nos mercados, e nem algum outro acidente com instituições financeiras pelo mundo.

O empoçamento de liquidez é enorme, o crédito ainda é escasso e caro e o grau de aversão ao risco muito alto. Nesse quadro, a política monetária é levada à exaustão, ou seja, não adianta conduzir as taxas de juros a quase zero. Os bancos voltarão a emprestar depois de feitos os ajustes nos setores mais afetados, depois de acertados os balanços às novas regras. Em ambiente de incertezas, o mercado financeiro reage com mais volatilidade para o bem e para o mal. O mercado embute nos preços a probabilidade de eventos extremos, como no caso atual de uma depressão. E é razoável que o faça diante do grau de incertezas.”


*Zeina Latif é Doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP), tem mais de 15 anos de experiência como professora e pesquisadora sênior e recentemente assumiu a posição de economista-chefe do ING -Wholesale Banking /Financial Markets – no Brasil.

Economia mundial
A economia mundial vive uma recessão, comprovada por diferentes indicadores e localizada principalmente nos países industrializados, cuja atividade econômica deve se retrair em 2009 e se manter bastante tímida ainda em 2010. Os países emergentes, menos atingidos mas não imunes, devem também passar por uma desaceleração significativa de suas economias. Prova inequívoca desses movimentos é a queda da inflação por todos os lados, com redução de preços dos produtos comercializados nos mercados internacionais, incluindo o petróleo.

Políticas incisivas têm sido adotadas pelos governos de todo o mundo. Desde diminuição de juros e programas maciços de apoio a instituições financeiras, a ampliação de despesas públicas e outras formas de estímulo à atividade produtiva, ninguém está esperando o mercado voltar ao equilíbrio por modo próprio. É impressionante o conjunto de medidas fiscais tomadas desde setembro. Dada a gravidade da crise e o pavor de uma depressão, os governos pouco parecem se importar com os comentários de que seriam iniciativas anacrônicas ou incoerentes com os discursos e práticas das duas décadas anteriores.

As expectativas foram se deteriorando muito nos últimos quatro meses e, junto com o processo de desalavancagem – as instituições financeiras vão diminuindo suas carteiras de papéis e emprestando cada vez menos -, despencaram os preços dos ativos financeiros e o crédito. As projeções são de que os juros continuem a cair ao longo de todo o ano e que isso talvez não seja suficiente para promover a retomada dos investimentos e o fim da recessão.

Com tudo isso, as famílias nos países mais desenvolvidos também perderam parte de sua riqueza e a consequência óbvia é uma retração do consumo. Então, nos países ricos, os sistemas financeiros devem encolher e se reestruturar, as empresas ainda não têm no horizonte previsões para uma retomada dos investimentos e da produção, o consumo se retrai e as importações que eles fazem do resto do mundo vão diminuir.

Entre os emergentes, a situação é bastante diversa, pois foram atingidos em intensidade e em forma diferenciadas pela crise. Assim, o grau de desaceleração ou recessão, se houver, nesses países vai depender de como foram afetados, das ações implementadas por seus governos para fazer face à crise e da capacidade de recuperação de suas economias, vinculada à vulnerabilidade externa do país e à estabilidade doméstica.

Dura realidade para todos os emergentes foi – e ainda é – o enxugamento do crédito e a consequente interrupção do ingresso de capitais estrangeiros em suas economias. Outra faceta nefasta é o encolhimento do comércio mundial: menos exportações destinadas aos EUA, Europa, Japão e China fazem muita diferença para qualquer país presente no mercado internacional.

Ainda que haja essa restrição – ou piora – nas contas externas dos emergentes, o desempenho de alguns desses países está projetado, por instituições financeiras, em níveis bastante elevados para tempos de crise. Por exemplo, estima-se para a China crescimento do PIB superior a 8% em 2009 e 2010; e para a Índia, algo na casa dos 6% nos dois anos. Para a América Latina, as projeções são bem mais modestas e ficam na casa dos 2%. Especialmente os países produtores de petróleo devem sentir o aperto. A crise deve continuar a afetar a região pelos mesmos canais que estiveram ativos até agora: diminuição do comércio externo, piora nos preços dos produtos de exportação, menor ingresso de capitais de fora.

Tendo em vista todos esses fatores, é óbvio que os tempos serão bicudos, mas é também evidente que, até agora, nada permite dizer que uma recessão esteja em curso entre os emergentes. Ademais, os países com maior solidez nos fundamentos macroeconômicos e mercados internos fortes estariam, de alguma forma, menos expostos aos desdobramentos da crise nos países mais industrializados.

Ministério da fazenda age para manter o crescimento
Logo quando as coisas foram piorando, em setembro, muitos acusaram o governo brasileiro de demora em reagir. O fato é que uma grande quantidade de iniciativas foi lançada para fazer oposição aos efeitos da crise.

Começando pelos primeiros e mais importantes efeitos sobre o crédito, as autoridades econômicas, comandadas pelo Ministério da Fazenda, foram liberando recursos que ficariam disponíveis para os bancos emprestarem entre si e para o público. Essas medidas foram, em vários casos, vinculadas à ampliação do crédito de setores específicos ou à compra de carteiras de uma instituição financeira por outra, de maneira a evitar quebras.

Para enfrentar a escassez de crédito para exportadores, o BC passou a realizar leilões de dólares com compromisso de recompra da moeda. É uma forma de disponibilizar dólares às instituições financeiras, para que possam financiar as exportações brasileiras. O governo criou também uma linha internacional para financiar atividades exportadoras.

Foram ampliadas as modalidades pelas quais o BC pode socorrer as instituições financeiras em dificuldades, tanto comprando parte de suas carteiras, como interferindo em sua administração.

A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil foram autorizados a comprar participações de instituições financeiras sem passar por processo de leilão. A Caixa também ampliou a disponibilidade de recursos para capital de giro para empresas de construção, da mesma forma que instituições que recebem depósitos de poupança foram autorizadas a ampliar o crédito para o setor.

Ainda na seara dos bancos públicos, Banco do Brasil e BNDES disponibilizaram linhas de financiamento a diferentes tipos de atividades como agricultura, pequenas e médias empresas, automobilísticas, etc.

Outro conjunto importante de medidas relacionou-se com a redução de impostos. Essas ações representam uma renúncia fiscal elevada, de mais de R$ 8 bilhões, e confirmam a preocupação do governo em manter o consumo doméstico.

Isso blinda o País e promove um crescimento autárquico? Não necessariamente. Primeiro, em alguns casos, as medidas precisam ser aprovadas e passar de fato à implementação. A liberação do compulsório e as outras disponibilidades de recursos não garantem, per se, que os bancos vão ampliar o crédito e ainda muito menos que eles diminuam seu custo. Em tempos de incertezas e desconfianças, o risco assume um preço cada vez mais alto. O mercado financeiro mais concentrado e a situação adversa dão aos bancos conforto para se protegerem ainda mais. Com relação às medidas fiscais, elas também demoram a fazer efeito. Não há dúvida, porém, que a ação do governo brasileiro tem sido incisiva e bastante criativa.

O papel dos mercados financeiros e a formação de expectativas
Os mercados financeiros são do mal e os setores produtivos são do bem? Não é nada simples, como parece. Existe uma relação íntima entre os dois, evidentemente. As instituições financeiras deveriam financiar as atividades produtivas e possibilitar, por essa via, que os investimentos caminhem à frente da própria produção e, com isso, permitir um crescimento maior. Isso é o que aprendemos nos livros e o que ocorre quando há estabilidade.

No Brasil, quase nunca tivemos essas condições presentes ao mesmo tempo. Estávamos caminhando para isso quando a crise chegou. A concessão de crédito cresceu muito em 2008, porém, com a redução de renda, aumento do desemprego e aumento da inadimplência, o quadro está mudando substancialmente.

Quanto ao mercado de capitais, a boa fase do Brasil nos anos passados permitiu ganhos estrondosos a investidores. Eram eles irreais? Em que medida o movimento especulativo é responsável pelas perdas acentuadas de agora? É difícil responder ao certo. O mercado de capitais forma preços com base em informações concretas, em interpretações destas informações e nas expectativas. É bem verdade que as oscilações são, muitas vezes, abruptas demais, que esses preços são voláteis e que muita gente ganha com boatos e comportamentos histéricos. Em um quadro conturbado como o que vivemos nos últimos meses, e provavelmente nos próximos, esse vai-e-vem exacerbado não deve cessar. A volta da confiança é um processo lento, ainda impossível de projetar em meio a uma recessão internacional.

O mercado financeiro foi, ao longo de 2008, revendo para baixo suas projeções para o PIB brasileiro em 2009. As informações consolidadas pelo BC no boletim Focus mostram que as instituições financeiras estimavam, em setembro, que o Brasil cresceria a 3,7%, taxa que foi a 2,5% nas projeções de dezembro, com a produção industrial crescendo 3%. Ou seja, apesar de o trajeto estar sendo feito com freio de mão puxado, esses não são valores que se possa chamar de recessivos. Cresce menos, mas cresce. E a uma taxa aceitável para tempos de crise.

Investimentos continuam

por Lucy Sousa*

“Os efeitos da crise sobre o setor produtivo brasileiro ainda estão sendo revelados. Até o terceiro trimestre de 2008, observamos sinais da crise nas companhias abertas que exportam commodities, ainda que a desvalorização cambial tenha compensado parcialmente o efeito da queda das cotações. Fora isso, ocorreram os extraordinários prejuízos com operações de derivativos na Sadia, Aracruz e Votorantim Celulose e Papel, basicamente por conta da mudança de patamar da taxa de câmbio. Nós estamos aguardando os resultados do quarto trimestre, onde estará materializada a crise de liquidez de outubro, que afetou diretamente as empresas de menor porte e adiou a decisão de consumo de bens de alto valor, como imóveis e veículos.

Com relação à evolução dos investimentos no Brasil em 2009, do que ouvimos nas recentes reuniões da APIMEC com as companhias abertas, os investimentos importantes terão continuidade, mas o cronograma pode ser revisto. Mas, pelo menos no primeiro semestre, não haverá espaço para Ofertas Públicas Iniciais (IPOs, lançamento primário de ações), ou seja, não esperamos a entrada de novas companhias no mercado de capitais. Mas, as empresas que já estão no mercado encontrarão tomadores para lançar debêntures e notas promissórias.

Nesses movimentos do mercado durante a crise, a queda drástica na cotação média das ações, medida pelo Ibovespa, deve-se principalmente à saída dos investidores estrangeiros da nossa Bolsa, para cobrir prejuízos no mercado internacional. Ou seja, uma decisão que pouco tem a ver com os resultados esperados das companhias. No meio da volatilidade, alguns investidores intensificam suas operações de curtíssimo prazo, fazendo arbitragem com ganhos.

Na crise, o mercado de capitais deixou de ser uma fonte de financiamento empresarial, o que vinha ocorrendo até

o primeiro semestre de 2008. No entanto, esperamos o resgate dessa função no segundo semestre de 2009.

Algo deve mudar na atuação dos investidores e das empresas a partir de 2009. Há mais demanda por transparência, notadamente em relação a operações das companhias com derivativos. Quanto às companhias, os relatos são de muita cautela e esperar para ver como vai ser o primeiro trimestre de 2009, para fazer revisões mais profundas nos planos de investimento.

Esperamos um nível menor de investimento estrangeiro direto em 2009, assim como as companhias brasileiras deverão reduzir seus investimentos no exterior. Quanto ao fluxo de investimento estrangeiro em carteira, espera-se seu retorno paulatinamente, uma vez que os preços das ações brasileiras estão muito baixos e a taxa de juros doméstica é muito alta, comparativamente ao mercado internacional.

O Brasil está melhor do que outros países latino-americanos na atração de recursos para os mercados de capitais e continuará assim. O Chile também é atraente, mas é uma economia pequena. O México está muito contaminado pela recessão norte-americana.”


*Lucy Sousa é presidente nacional da Associação dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (APIMEC)

Dinâmica política
2009 não é ano eleitoral, mas 2010 será cenário de uma disputa fundamental em que estará em jogo mais do que a sucessão para os quatro anos seguintes. Não parece demais afirmar que a economia foi a protagonista do debate eleitoral nos últimos 14 anos. No período que vem desde o Plano Real em 1994, as conquistas contra o monstro da inflação e os ganhos decorrentes em termos de bem-estar para os grupos de renda inferior, de capacidade de planejamento para as empresas, de redução da vulnerabilidade externa e mesmo de espaço para a realização de políticas sociais e distributivas são alvos de cobiça por parte de todas as correntes políticas. No plano federal, a identificação da prosperidade com o governo atual; em grandes estados, bons resultados e qualidade de governo são ativos a serem valorizados mais do que os preços das empresas no mercado de capitais.

Desta maneira, 2009 é crucial para 2010. Esse é outro fator com potencial de limitar o aprofundamento da desaceleração da economia brasileira. Onde e quando for possível, gastos públicos podem estimular a atividade produtiva.

Com tudo isso, fica mais evidente tanto o espaço para praticar uma política monetária menos apertada – intenção finalmente sinalizada pelo Banco Central em dezembro – como a possibilidade de um olhar otimista para 2009. Mesmo pensando menos positivo do que o governo, 2,5% ou 3% são taxas de crescimento muito dignas para o quadro mundial que está aí. E você, leitor, em quanto estima o PIB brasileiro de 2009?

Pela garantia de um preço mínimo

por Roberto Rodrigues*

“A agricultura, como quase todos os setores da economia, é uma atividade em que cada ano é um ano. Porém, dois fatores adicionais afetam particularmente a agricultura: o mercado é inteiramente contaminado pelos mecanismos de proteção dos países desenvolvidos e o clima.

2008 foi particularmente atípico, porque iniciamos o ano com preços das commodities muito elevados, basicamente por conta do consumo aquecido dos países emergentes nos últimos dois anos, sem o devido acompanhamento da oferta, inclusive, porque os custos de produção tinham subido muito. Então, houve uma retração da capacidade de produção no mundo inteiro, além de muitas secas em várias partes do mundo nos últimos três anos. O resultado é que os estoques mundiais de trigo, milho e arroz, produtos básicos de qualquer país em desenvolvimento, caíram a níveis entre

60% e 65% do que eram há dez anos. Esse é o dado central. Adicionalmente, houve uma potencialização desse fato porque investidores, especuladores de outros setores migraram para esse segmento, vendo que havia um descasamento entre oferta e demanda e que com isso os preços iriam subir, elevando-os muito acima do que o mercado sozinho faria. A elevação dos preços agrícolas provocou um enorme aumento dos preços dos insumos. Como a oferta da indústria não é elástica e ainda tivemos a elevação dos preços do petróleo e do aço, que são produtos básicos para qualquer insumo agrícola, os custos explodiram.

Isto foi o primeiro semestre de 2008. Mantidos aqueles preços, tudo bem, pois a venda da produção garantiria a compra dos insumos. Ocorre que vendemos bem a produção e compramos insumos caríssimos. Com a crise, os especuladores caíram fora e, como

consequência, os preços despencaram.
Os custos, porém, já estavam realizados. É importante que se diga que o governo agiu rapidamente nesse processo, ampliando o limite para o compulsório para os bancos emprestarem mais para a agricultura. Porém, estes não repassaram, já que o risco era muito elevado, por conta da crise.

Para enfrentar a crise, minha proposta é cumprir uma lei existente desde os anos 1970 ( Programa de Garantia de Preços Mínimos – PGPM), que exige que o governo fixe todos os anos um preço mínimo aos principais produtos agrícolas, garantindo os custos de produção e uma pequena porcentagem para que o produtor fique vivo. Isso levaria a algumas questões. Primeiro, os bancos perdem o medo de emprestar e o crédito flui melhor. Ele é essencial daqui para frente e os bancos só vão emprestar se tiverem uma garantia mínima para o seu investimento. Segundo, o produtor rural tira das costas a aventura que virou a safra. Os preços mínimos acabam com a aventura. Além disso, não existe nenhum grande problema para executar essa política. Eu fui o último ministro a utilizar essa lei e, assim mesmo, apenas para melhorar o estoque, inexistente na época.

É garantia e é uma lei, ou seja, fácil de se aplicar. E o governo não perde nada utilizando-o.

No final de 2009
Um cenário plúmbeo, com possibilidades de nuvens menos escuras para alguns segmentos e outros sem muita alternativa. Em qualquer circunstância, o elemento fundamental é o crédito: Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) à vontade, capital de giro, financiamentos aos estoques de grãos e açúcar e álcool. O governo fez isso para vários setores, como indústria automotiva, setor habitacional e, se isso não acontecer com a agricultura, podemos ter um efeito dominó que vai afetar o interior brasileiro de uma maneira dramática.

Eu considero que 2010 será um ano de recuperação e que 2009 será o pior ano. Então é preciso ficar vivo até 2010. Daí que o crédito é essencial. Depois vamos nos beneficiar. “


* Roberto Rodrigues é ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP)


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