A Crise nas Bolsas: “Eu já perdi 10 paus”

Com a vida voltando ao normal, depois dos festejos de fim de ano e da invasão de forasteiros em busca de sol, menos gente na praia e carros na estrada, resolvi fazer um passeio e encontrei alguns amigos em outro bairro de São Sebastião.

Comentei com eles que este ano o pessoal subiu a serra mais cedo do que de costume. Deve ser por causa da tal da crise, concordamos, e por isso estranhei a calma de um desses amigos, justamente o que deveria estar mais preocupado, já que trabalha na Bolsa e terminou o ano no olho do vulcão financeiro que derreteu os mercados mundiais.

“Eu já perdi 10 paus nesta história”, disse-me ele, candidamente, sem se queixar de nada, apenas constantando um fato como quem aponta para o arco-íris no céu. Paus, para quem não sabe, é a moeda de referência de quem opera nas Bolsas de Valores: representa um milhão de reais.

O amigo ganhou muito dinheiro nos últimos anos depois que se tornou um “scalper”, profissional autônomo autorizado a fazer aplicações na Bovespa/BM&F. Não é para qualquer um. Para ter direito de entrar na brincadeira é preciso depositar R$ 1,6 milhão.

Pela tranquilidade com que meu amigo conta como ficou 10 milhões de reais mais pobre, de uma hora para outra, ninguém precisa ter pena dele. Deve ter sobrado outro tanto, imagino. É um outro mundo, que nós simples mortais simplesmente nunca vamos entender. Mas eu fiquei curioso em saber por que ele não voltou logo para São Paulo como a maioria dos outros veranistas preocupados com a crise.

“Tô aqui porque lá a coisa ainda tá feia”, explicou-me, com um sorriso resignado, como quem diz que agora não há muito o que fazer. “O primeiro trimestre ainda vai ser muito ruim, mas depois tenho certeza que as coisas vão melhorar”.

A esperança dele para o mundo começar a sair do buraco tem nome e data: 20 de janeiro, dia da posse de Obama nos Estados Unidos. No Brasil, como de costume, nada vai acontecer antes do Carnaval, que este ano cai no final de fevereiro.

“Nunca houve uma destruição da riqueza mundial tão grande e tão rápida como desta vez”, diz o amigo, que me dá um exemplo bem simples para explicar o que aconteceu com o dinheiro e o patrimônio de cada um de nós.

“Se eu tiver que vender agora meu carro, que vale 100 mil, para pagar as contas de casa, eu não conseguiria nele mais do que 30 mil. Então, se você não precisar, é melhor não comprar nem vender nada agora, esperar a poeira assentar”.

Caminhando pela areia, o “scalper” conta uma longa história de como este tsunami financeiro apareceu no horizonte, desde a quebra da Enron, uma das maiores empresas de energia dos Estados Unidos e chegou ao auge no segundo semestre do ano passado, quando ruiu o castelo de cartas do mercado imobiliário americano, financiado a juros baixos, levando junto com ele algumas das maiores instituições financeiras do mundo.

Aquele dinheiro que gerava cada vez mais dinheiro nas Bolsas não existia. Foi só os primeiros investidores desconfiarem que algo estava errado e começarem a resgatar seus títulos, para que tudo viesse abaixo. “O império americano simplesmente ruiu e abalou a Europa, depois o resto do mundo”

E agora? O amigo baseia seu otimismo sobre o futuro não só nas providências que o novo presidente norte-americano adotará logo para enfrentar a recessão, mas principalmente na solidez do sistema financeiro brasileiro que, segundo ele, não foi atingido pela orgia do sub-prime, o nome dado a toda esta desgraça.

“Tenho certeza absoluta de que vou recuperar ainda este ano pelo menos parte do dinheiro que perdi. Só preciso ter fôlego para sobreviver até lá. Do mesmo jeito que houve um exagero na alta, houve um exagero na baixa. Não acabou o mundo. O que move o mundo é o mercado financeiro, desde a época de gregos e romanos, as coisas vão acabar se acertando”.

Sempre crítico do governo e do presidente Lula, meu amigo “scalper” desta vez reconhece, no entanto, que ele tem razão ao repetir toda hora que o Brasil está mais preparado do que outros países para enfrentar a crise. Para mudar de assunto, já que este é um dos muitos que não domino nem entendo, proponho que, diante do exposto, a gente vá tomar uma cerveja. A esta altura, o que de melhor poderíamos fazer?


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