A cultura dos pregadores

“Aqui não tem miséria” é uma das frases favoritas de Alexandre Pastore. Aos 14, ele vendia jornal nas ruas. Depois dividiu com o tio uma banca num ponto bacana, onde alguns clientes eram Márcio Thomaz Bastos, Luiz Antonio Marrey e Plínio Marcos. Hoje, sua Banca Real está num dos melhores pontos de São Paulo, no bairro do Sumaré, tem luz, telefone… e o irresistível carisma do proprietário.

Brasileiros – Alex, há quanto tempo a Banca Real está aqui no pedaço ao lado da Padaria e da Pizzaria Real e da MTV?
Alexandre Pastore – Ela está aqui há mais de 40 anos, desde a época de Jânio Quadros. Só que eu comprei de um senhor chamado Hermes e estou aqui há 25 anos.

Brasileiros – Nesses 25 anos, quem você já viu passar por aqui?
A.P. – Puxa, quanta gente! Walter Forster! Meu Deus do céu! Meu querido Walter Forster! Quantas vezes eu conversei com ele aqui! Robert Civita!

Brasileiros – Como eram teus papos com ele?
A.P. – Não, com Robert Civita não tem muito papo… ele gosta de ver a banca bem arrumada. Outro dia ele veio aqui, perguntou pro Nenê: “Cadê aquele senhor antigo?” “É meu pai”.

Brasileiros – Essa é tua primeira banca?
A.P. – Eu trabalhava com meu tio na Praça João Mendes.

Brasileiros – Isso é o quê? Antes do Jânio? No tempo do Jânio?
A.P. – É, porque as concorrências foram todas do Jânio Quadros.

Brasileiros – Concorrência das bancas?
A.P.- É, eu só comprei essa aqui porque era da concorrência do Jânio.

Brasileiros – O Jânio é que distribuiu todas as bancas de São Paulo?
A.P. – Todas, não, ele começou. E depois alguns outros prefeitos abriram concorrências.

Brasileiros – Antes dele era tudo bagunçado?
A.P. – Não, antes dele não tinha banca, os caras colocavam jornal sobre caixote. Até uns 20 anos atrás alguns jornaleiros ainda trabalhavam assim. Eu me lembro que no Largo de São Bento tinha o Pedro, o Nicola, ele vendia os jornais na porta de uma farmácia. Permaneceu ali a vida toda, porque não tinha onde. Jânio deu a chance dos caras montarem as bancas. Aí veio o progresso, as bancas foram aumentando, mas isso é lei antiga, vem lá de trás… os jornaleiros começaram a ter seus direitos…porque concorrência não é uma coisa que você conquista com qualquer amizade, influência… vai disputar uma concorrência pública. E muitas bancas entraram na nova lei de você poder negociar, porque antigamente só era de pai pra filho ou de irmão pra irmão. Era só família. Você vê que trabalhamos eu e meu filho. Eu já venho com essa cultura. Meu tio faleceu, deu a banca da João Mendes pra mim. Teve uma pessoa interessada em comprar a minha banca ali e a pessoa daqui estava interessada em vender. Daí eu fiz aquela coisa casada. Vendi ali, comprei aqui. O prédio da Tupi estava desativado, mas eu acreditei que alguma hora ele iria funcionar, não sei se era do Silvio Santos, não sei direito a história. Daí eu vim pra cá, acreditei que ia ser um bom lugar, apanhei um pouco pra chegar nesse ponto que está hoje.

Brasileiros – O Silvio Santos já comprou revista aqui?
A.P. – Não, eu já vi ele vir aqui, mas não cheguei a vender. Aqui é um lugar de muitos jornalistas, como Hermano Henning e tem muitos outros.

Brasileiros – O que ele compra?
A.P. – Estado, Folha, às vezes o Globo.

(Um dos sócios da Pizzaria Real, situada ao lado, surge perguntando: “Você viu quem é o novo secretário da Segurança Pública?”. O Alex responde: o Ferreira Pinto.)
Brasileiros – Você conhece o novo secretário da Segurança do Serra?
A.P. – Ele frequenta aqui (aponta as mesinhas do lado de fora da pizzaria).

Brasileiros – É seu cliente?
A.P. –Tenho amizade com ele de “oba”, “oi”. Uma pessoa educada, às vezes tomo café com ele, olá doutor.

Brasileiros – Quantos títulos tem uma banca hoje?
A.P. – Antigamente tinha meia dúzia de revistas, Cruzeiro, Cigarra, depois veio a Manchete, já bem mais nova, você tinha aquelas Capricho, Grande Hotel, Almanaque dos Sonhos, tinha as revistas da Ebal, o Pato Donald, o Mickey. O Victor Civita andava de paletó com os pregadores no bolso, lembro, passava na banca falava: “Olha, pendura”. Você vê que eu mantenho essa cultura de pendurar revista. (Mostra as revistas penduradas na fachada da banca.)

Brasileiros – Ele vinha nessa banca?
A.P. – Não, na banca do meu tio… ele rodava a cidade.

Brasileiros – Como se chamava a banca do teu tio?
A.P. – Naquele tempo banca não tinha nome. Ali eu conheci por exemplo, talvez eles não lembrem de mim, o Marrey…

Brasileiros – Luiz Antonio Marrey, secretário da Justiça do Serra?
A.P. – Sim. Quem mais? O que foi presidente da Ordem dos Advogados, meu Deus do céu, foi do governo Lula…

Brasileiros – Márcio Thomaz Bastos.
A.P. – Márcio Thomaz Bastos. Talvez ele não lembre de mim porque eu era menino. Conheci vários desembargadores… Doutor Silvio Cembranelli! O filho dele foi o promotor de acusação no caso da menina de Santana, a que foi jogada do prédio… o caso Isabella. O filho do Silvio Cembranelli vem de uma escola muito boa. Conheci o pai dele. O pai dele era meu cliente na Praça João Mendes. Depois que eu mudei pra cá ele vinha me visitar aqui. Ali tinha o Centro Acadêmico XI de Agosto. Muitos acontecimentos eu vi na Praça da Sé. A padaria Santa Terezinha tinha um fluxo de advogados, promotores, um fluxo maravilhoso de gente, e todos os acontecimentos, qualquer tipo de movimento era ali. A banca do meu tio ficava em frente à padaria. Inclusive, eu vi até o Lula passar ali. Tinha um jornal na Rua Álvares Machado que eu não lembro se era o jornal Movimento ou A Hora do Povo. Ali eu conheci o Plínio Marcos, que trabalhava no Diário da Noite. Ele saía do Diário da Noite e vinha comprar o Diário de São Paulo, que era o primeiro a chegar. Minto. O primeiro era o Notícias Populares. Depois vinha o Diário de São Paulo, o Diário da Noite, a Folha de S. Paulo e a Folha da Tarde. A Notícias era imbatível. Mas antes disso eu vendia jornal debaixo do braço. Em 1966. Hoje eu tenho 56.

Brasileiros – E carregava como?
A.P. – Debaixo do braço. Não era um volume enorme. Usava uma cordinha. Era uma coisa de maluco. Era a coisa mais fácil do mundo carregar. Pegava uma cartolina, formava o monte aqui assim. E saía vendendo em ponto de bonde, na saída dos ônibus do Expresso Zefir, para Santos, onde tivesse movimento…Quer saber quantos títulos tem na minha banca hoje? Assim, por alto, uns dois mil. Dois mil títulos!


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