A paulistana Eloisa de Sousa Arruda, 50 anos, atual secretária de Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo não é só mais um político em busca de projeção e votos. Sem filiação partidária, garante que não vai se candidatar a nada depois que deixar a função. Eloisa chegou a uma das pastas mais cobiçadas do Estado por indicação de dois amigos que, a própria justifica, admiram sua história profissional: o prefeitável Gabriel Chalita (PMDB) e Saulo de Castro Abreu Filho, ex-secretário de Justiça, atual dos Transportes e fiel escudeiro do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. “Saulo aposta em você como uma grata surpresa”, teria dito Alckmin a ela, quando se conheceram, no dia da posse, em janeiro do ano passado.

Foto Adriana Elias

Parece que será mesmo. No decorrer dos últimos seis meses de 2011, ela coordenou a polêmica operação Centro Legal em parceria com a Prefeitura, iniciada em janeiro para acabar com o tráfico de drogas e atrair viciados para tratamento na chamada Cracolândia, no Centro de São Paulo. Diz que não foi uma medida político-eleitoreira, para evitar um suposto plano do Governo Federal de intervenção na mesma área. A investida contra a droga, diz ela, está apenas começando.

Eloisa só sai um pouco do sério quando dizem que a violenta desocupação pela PM da favela do Pinheirinho, em São José dos Campos, também em janeiro, está ligada à sua pasta. “Foi uma medida exclusiva da Secretaria de Segurança Pública. Nada passou por aqui.”

A procuradora que virou secretária de Justiça recebeu a Brasileiros em seu gabinete, no centenário prédio da secretaria, no Largo do Pátio do Colégio. Elegante e sorridente, gentil o tempo todo, não perde a pose perante as perguntas. Tem uma autoconfiança inabalável. A professora de Direito da PUC-SP deixa transparecer um senso coletivo de justiça que diz ter descoberto quando estudante. Estimulada por um professor, criou com colegas um serviço de assistência a encarcerados na Penitenciária do Estado, no Carandiru.

Eram tempos de idealismo. “A juventude me levou à curiosidade de saber quem eram aqueles seres humanos e porque tinham de ficar presos.” Todo dia cuidava de processos, dava andamento, pedia revisão, etc. O serviço durou o tempo da faculdade, de 1980 a 1984. Sua vida, então, deu uma virada e ela passou para o outro lado. Tornou-se promotora e sua missão era buscar a condenação dos réus. Filha de mineira com cearense – que ganhou a vida fabricando figas para dar sorte, joias e material para escritório –, Eloisa acumula no currículo mais de 500 tribunais do júri. “O crime com o qual lido envolve vida. Sei que são poucos os que gostam dessa área, mas tive a oportunidade de sempre trabalhar nela.”

A estreia como promotora aconteceu aos 23 anos. “Era muito menina e, quando cheguei ao fórum, a defesa do réu me olhou com decepção, era o advogado mais antigo da comarca. Os réus eram um casal de amantes que tinha tramado a morte do marido da mulher. Como sempre, tive facilidade para falar em público, ele não acreditou quando disse que era a minha estreia. Perdi por quatro a três, mas ganhei depois de recorrer.”

Eloisa também passou por momentos de temor. Não esquece o dia em que, após condenar um traficante, ouviu da mulher dele: “Vou te matar e riscar esse rostinho bonito”. No estacionamento, viu a mulher do réu à sua espera e chamou a polícia.

A mais fascinante experiência, porém, aconteceu a partir de agosto de 2001. No ano anterior, o Tribunal Internacional de Ruanda procurava um brasileiro para participar do tribunal de crimes contra a humanidade em Timor Leste. Um amigo a indicou. Mãe de duas crianças, de seis e sete anos, recém-separada e com turmas na PUC, quase desistiu do convite. Mas soube jogar com a burocracia e administrou a vida pessoal para embarcar para lá. “Encontrei um país queimado pelos indonésios. Esse foi o primeiro cheiro que senti quando desci do avião: de coisa queimada.” Era grande o número de desabrigados, conta ela, porque os invasores tinham ateado fogo em tudo. Faziam ataques generalizados e sistemáticos contra a população civil.

Eloisa se fixou em Baucau, área de risco, patrulhada por tanques australianos. “Vivenciei um momento mágico para aquele país tão pobre, sem médicos e sem condições sanitárias. Vi formarem a primeira constituinte, a constituição ser promulgada e a eleição do primeiro presidente. Vi nascer a primeira nação do milênio.” Voltou para o Brasil arrasada. “Quando o avião decolou, vi pela janela que deixava novos amigos. Senti uma tristeza sem tamanho.”

Foi no Timor que Eloisa conheceu e se tornou amiga do brasileiro Sergio Vieira de Mello, representante da ONU, morto em agosto de 2003 durante um ataque terrorista no Iraque. “Ele trazia o ideal da paz, algo forte nele, e era grande interlocutor político que, em pouco tempo, rompeu a desconfiança dos líderes políticos, ao procurá-los e fazer um gesto de reverência que ganhou de Xanana Gusmão, que se tornaria o primeiro-ministro do país.” Do Timor, passado o impacto da viagem que se prolongou por todo o ano de 2002, Eloisa se candidatou a chefe de departamento do curso de Direito na PUC e iniciou o doutorado sobre o papel do Ministério Público nos tratados internacionais de Direitos Humanos. Em 2007, entrou para o Conselho Superior do Ministério Público.

Antes de terminar o mandato, veio o convite para ser secretária de Justiça. Logo descobriu que entrava em um difícil jogo político, pois tem de lidar diariamente com conselhos de cidadania, que cuidam de interesses das minorias e vítimas desassistidas de crimes. A impressão que dá quando ela fala sobre isso é que parece tudo fácil. Não deve ser. Seja como for, não há como não se impressionar com essa mulher baixinha e de aparência frágil, que só parece assim quando se levanta com um simpático sorriso para se despedir.


Comentários

Uma resposta para “A Dama do crime”

  1. Uma pessoa de valor grandioso!profunda admiração!

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