A delícia das diferenças

A gastronomia é como a vida. Depois de participar do Millesime percebi a semelhança entre a comida e minha experiência como imigrante nesta cidade. O evento, um encontro entre empresas e chefs em que a atração principal é a gastronomia, foi criado em Madri e realizado em São Paulo pela primeira vez nos dias 22, 23 e 24 de março, no Terraço Daslu.

Com a presença de alguns dos melhores chefs espanhóis e brasileiros, foram apresentadas as delícias dos dois países. Perante o desafio da fusão de culturas, Enrique Martínez e sua equipe elaboraram pratos típicos da cozinha espanhola com ingredientes do Brasil. Pude provar, entre outras coisas, o gazpacho com um toque de maracujá. E assim, os sabores com os quais estava acostumada adquiriram um matiz diferente e mais intenso, o doce da fruta realçava a acidez e o sabor tão característico de nosso caldo de verão.
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As coisas adquirem mais força na presença de seus opostos. Aproximar-nos do outro nos aproxima mais de nós mesmos, uma dualidade apontada por Jorge Luis Borges em sua obra, O Outro, o Mesmo. Estar em contato com a cultura do “outro” nos aproxima mais da própria, reforça nossa identidade, a engrandece e a diversifica. Isso é possível sempre que incorporarmos em nossas vidas a lógica de somar. É uma questão de ir conquistando espaços, sem renunciar ao que se era.

Por outro lado, estar no exterior nos aproxima de nossos lugares de procedência, nos faz desenvolver uma curiosidade maior pelas origens. Conhecemos coisas de nosso país que não conheceríamos de outro modo, nem em outro lugar, senão estando fora dele. Como diz o título de uma das obras de Antonio Bivar: Longe Daqui, Aqui Mesmo.

Da arte do chef santiaguês Marcelo Tejedor, pude provar um arroz com creme de algas com o sabor do mar da Galícia. Esse sabor único e inconfundível me teletransportou para minha terra natal e me fez lembrar os ouriços-do-mar de As Torradas, na Costa da Morte, a praia que me viu crescer, minha praia de infância. Como o camarão banhado em caldo de verduras com pimentão, preparado em uma daquelas cafeteiras antigas, que me lembrou o polvo à feira e a cozinha da avó. Trata-se de uma cozinha inovadora e criativa que, ao mesmo tempo, respeita a essência da cozinha tradicional galega e as características dos produtos. Um bom exemplo de coexistência entre inovação e tradição.

O “outro”, o diferente e o contrário se complementam, formam parte de uma mesma realidade. O Brasil me ensina isso a cada dia.


*Socióloga do Instituto de Turismo da Espanha em São Paulo.


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