A dona da feira

Com o objetivo de apresentar e promover a interação entre artistas, galeristas, colecionadores e amantes das artes, em geral, foi criada, em 2005, a SP-Arte – Feira Internacional de Arte de São Paulo. O evento cresceu, em grande parte pelo empenho de sua criadora e diretora geral, Fernanda Feitosa. Tanto que, em sua quinta edição, que acontece entre os dias 14 e 17 de maio no Pavilhão da Bienal do Ibirapuera, uma das principais feiras de arte do Hemisfério Sul vai receber a visita de renomados curadores e compradores de arte dos mais importantes museus do mundo, além de contar com a participação de 80 galerias, 12 delas de países como Espanha, Portugal, França, Argentina, Uruguai e Colômbia. Serão três mil obras, entre moderna e contemporânea, expostas em uma área de 7 mil m², quase o dobro do espaço ocupado em seu primeiro ano. Em entrevista à Brasileiros, Fernanda Feitosa traça um perfil do mercado de artes no Brasil e fala da importância de um evento desse porte para os brasileiros.

Brasileiros – Fernanda, o que levou você a montar a SP-Arte/Feira Internacional de Arte de São Paulo?
Fernanda Feitosa – Eu era colecionadora, gosto de arte e frequentava o circuito. Quando morei fora conheci várias feiras e quis trazer para São Paulo essa atmosfera vibrante, profissional. As feiras em geral são de arte contemporânea, mas como o Brasil tem uma forte relação com a arte moderna, achei que a SP-Arte deveria ter as duas.

Queríamos que quando alguém pensasse em arte na América Latina, pensasse em São Paulo: maior cidade do continente com uma das mais importantes bienais do mundo e com uma feira de arte muito forte que conta com as mais importantes galerias da região e de outras partes do mundo.
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Brasileiros – Quantas são as galerias estrangeiras?
F.F. – Em cinco anos de feira fomos de uma para 12. Há que se comemorar, porém ainda não chegamos nem perto do que queríamos.

Brasileiros – Como é o colecionismo de arte no Brasil? É um esforço de poucos?
F.F. – A feira também tem o propósito de atrair pro mercado de arte um número maior de pessoas. Considerando o tamanho da nossa população e nossa produção, o número de colecionadores é muito pequeno. Um dos objetivos da feira é aumentar o mercado para São Paulo se transformar num polo de irradiação de arte. Há muitos jovens colecionadores de arte contemporânea e eles são muito sérios, estudam e frequentam o meio de arte.

Brasileiros – O colecionismo ainda é associado a status e ascensão social?
F.F. – Como sou uma entusiasta, acho que não importa o motivo que leva uma pessoa a colecionar arte, e acho até que as artes devem enriquecer quem entra em contato. A pessoa que começa é como que tomada por um vírus, não dá pra ficar imune, não é como o consumismo ou ir a festas, a arte agrega outras coisas. Se ao invés de comprar um carro novo a pessoa passa a colecionar arte, por que motivo for, ela agrega cultura, bom gosto, exclusividade… acaba envolvendo-se mesmo… e aí a arte é maior que muitas coisas. Se houver real interesse e seriedade, acabará fazendo boas escolhas e um novo mundo se abrirá. Há muitos trabalhos bons, o mundo não é só o das grandes galerias ou dos superartistas, a base da pirâmide é maior.

Brasileiros – Na primeira edição houve adesão de todas as galerias do Brasil?
F.F. – Não, mas na quarta já estavam todas lá. Foi um processo, não há nenhum ressentimento, as galerias têm suas prioridades, há outras feiras que as galerias querem participar e seus processos e estratégias são diferentes.

Brasileiros – Vocês estavam preparados para as dificuldades do início?
F.F. – Quem abre um negócio tem de estar preparado para tudo: para caminhar devagar, pro sucesso e pro fracasso. Estávamos preparados para conquistar, não é um processo de submissão a nada, é um processo de conquista, fomos conquistando o respeito. Então passou a ser um projeto de todos, é uma responsabilidade incrível, como melhorar uma coisa que está indo muito bem, mas é preciso melhorar sempre. É difícil atrair pessoas para um evento que compete com uma oferta cultural como a de São Paulo.

Brasileiros – O que esperam da feira neste ano de crise?
F.F. -. Crescemos como o Brasil: tudo está crescendo, vamos junto. Agora a crise. As galerias brasileiras estão mostrando muita maturidade, muita tranquilidade, maior ainda que as galerias estrangeiras. Elas têm maior agilidade e embora estejam preparadas para vender menos estão empenhadas em mostrar o que têm de melhor; todas as galerias e artistas estão com trabalhos inéditos, querem lançar livros e colaboraram para trazer clientes de fora. É fácil vender quando o dinheiro está sobrando. Agora a seleção será mais apurada na hora da compra.

Brasileiros – Grandes feiras internacionais contam com espaços para projetos especiais. Faz parte dos planos da SP-Arte incluir espaços como esses?
F.F. – Sim. Mas queremos crescer melhor e é preciso ganhar mais respeito, ficar mais importante e fazer a coisa seriamente. Não gosto de fazer show na feira. “Ah! então vamos fazer tudo: boate, dança, prêmio porque daí vamos chamar mais gente e encher os jornais de novas notícias, né?” Nossos esforços estão concentrados na parte comercial devido à crise: uma grande corporação comprará obras na feira e doará para a Pinacoteca e para o MAM-SP; um banco que achou a iniciativa muito boa e comprará uma obra para um museu e uma para o acervo deles. A bilheteria será revertida para a própria feira, vamos comprar obras. Virão 22 convidados de instituições estrangeiras, gente do MoMA/Nova York, Tate Gallery/Londres e Georges Pompidou/ Paris: os três maiores do mundo; LACMA/Los Angeles, MALI/Lima, MUSAC/Espanha; art advisors e compradores de grandes coleções. Não dá pra fazer tudo agora mas faz parte sim ter uma área institucional.

Brasileiros – A verba da bilheteria formará uma coleção da SP-Arte?
F.F. – Sim, pode ser. Dado o momento achamos justo reverter esse dinheiro em benefício da feira.

Brasileiros – Por que a decisão de cobrar ingressos?
F.F. –A feira é um evento de mercado, não é da natureza desse tipo de evento ser gratuito.Não é o caso de uma bienal, onde o evento faz parte da política cultural. Mas a simples gratuidade não garante que as pessoas vão ao evento, é simples retórica achar que só porque não cobra ingresso as pessoas teriam acesso. Creio que nesse ponto há muita confusão.

Brasileiros – O tão falado boom da arte brasileira no mundo é um fato?
F.F. – Acho que é um fato. Mas ainda a Europa e os EUA olham para o Brasil com um certo exotismo. Tem também a sede pelo novo e pela descoberta de novos talentos; mas os grandes artistas brasileiros que chegaram lá fora com força, como o Oiticica, a Lygia Clark, o Cildo Meirelles, a Mira Schendel, o Waltercio Caldas, não são artistas que têm 20 e poucos anos. Por isso acho que não é uma simples curiosidade pelo novo, acho que é um reconhecimento merecido de um trabalho muito constante e sólido desses artistas. Não acho que seja um devaneio, menos ainda um trabalho de marketing bem elaborado ou uma moda: há uma tradição que justifica essa atenção. Ainda acho que olham pouco, perto do que deveriam olhar. Há 25 outras feiras de arte acontecendo no mundo, num ano de Bienal de Veneza, né? E todos esses profissionais estrangeiros têm interesse em vir para cá? Alguma coisa tem, espero que seja alguma coisa sólida, mas não é a mesma coisa que a arte chinesa que veio no surto econômico onde artistas de 20 a 30 anos valem milhões…

Brasileiros – Na maioria das vezes comprados pelos próprios chineses…
F.F. – Sim, pelos próprios chineses. A arte contemporânea alçou voos internacionais. Devemos pensar muito bem em como posicionar o País como um polo cultural, muito brilhantemente como fez o Fashion Week que transformou São Paulo num polo de moda. Somos mais que o País do futebol, temos tantas outras coisas… e arte, né? Está na hora de nos posicionarmos, chega de trabalhar sozinho, as galerias sozinhas, os artistas sozinhos… É hora de abrir a cabeça e ver que é importante ter obras de artistas brasileiros nos museus lá fora, é preciso parar de olhar isso com desconfiança, não estamos tendo nosso patrimônio cultural evadido, temos de parar de pensar como colônia, fechadinha, precisamos pensar grande. Por não saber se posicionar o Brasil perde grandes oportunidades.


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